Acórdão Nº 0303776-60.2019.8.24.0054 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 25-05-2021

Número do processo0303776-60.2019.8.24.0054
Data25 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0303776-60.2019.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610A) APELADO: RODRIGO CESAR BARON (AUTOR) ADVOGADO: IVAN JOSÉ TEIXEIRA (OAB SC025280)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Banco Bradesco Financiamentos S/A contra sentença de parcial procedência (evento 21) da denominada "ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido liminar e indenização por danos morais", a qual foi prolatada nos seguintes termos:

Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para:

A) CONCEDER, neste momento, a tutela de urgência pleiteada pela parte autora, para DETERMINAR o cancelamento do apontamento referido no ev. 1.4, p. 2;

B) DECLARAR a inexistência do débito de R$ 6.092,33 (seis mil noventa e dois reais e trinta e três centavos) relacionado à conta bancária tratada nestes autos;

C) CONDENAR a demandada ao pagamento, em favor do autor, de indenização por danos morais quantificada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigida monetariamente pelo INPC a partir desta data e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso (CC, art. 398 e Súmula 54, STJ).

Rejeito o pedido de restituição de valores.

Em razão da sucumbência recíproca, mas majoritária da ré, condeno-a ao pagamento de 80% (oitenta por cento) das despesas processuais, mais honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do proveito econômico obtido pelo autor (CPC, art. 85, § 2º), ao passo que suportará este com o restante das despesas processuais mais honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) da quantia sucumbente (parcial quanto ao pedido de indenização por danos morais e integral quanto ao pedido de restituição em dobro), ressalvada a suspensão da exigibilidade em relação a este último (CPC, art. 98, § 3º), em razão da gratuidade já deferida (ev. 4.8).

Por fim, reputo vedada a compensação do pagamento dos honorários advocatícios a que foram condenados os litigantes (CPC, art. 85, § 14).

Expeça-se ordem de baixa da inscrição de ev. 1.4 à Serasa, via sistema conveniado.

Em consequência JULGO EXTINTO o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Oportunamente, arquive-se.

Em suas razões recursais (evento 31), a casa bancária sustenta, em síntese, que agiu em exercício regular do direito ao inscrever o autor nos cadastros de inadimplentes, porquanto restou compravada a relação jurídica e a utilização dos serviços bancários que ocasionaram a dívida. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Requer, ainda, a modificação do termo "a quo" dos juros de mora incidentes sobre os danos morais para a data do arbitramento, sob pena de enriquecimento ilícito.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 43).

Este é o relatório.

VOTO

Insurge-se a instituição financeira contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos morais.

Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Ato ilícito

É cristalino que a relação jurídica estabelecida entre os litigantes é tida como de consumo, como bem consignado pelo magistrado singular à fl. 111, enquadrando-se a apelante no conceito de consumidor final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e o apelado no de fornecedor de produtos e serviços (art. 3º, § 2º, da Legislação Consumerista), "in verbis":

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Tal entendimento foi consolidado na Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, a qual estabelece o seguinte: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Vale ressaltar que o reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por si só, não assegura a procedência dos pedidos formulados pela parte autora da demanda, uma vez que somente quando da análise do caso concreto é que será possível a verificação de eventual ilegalidade ou abusividade das condições contratuais.

Ademais, um dos principais objetivos da Lei 8.078/90 consiste na proteção do hipossuficiente em decorrência de sua vulnerabilidade, cuja finalidade, nos termos da Política Nacional das Relações de Consumo, é a de resguardar os interesses econômicos e a harmonização dos negócios celebrados.

É nesse sentido, portanto, que a relação evidenciada nos autos deve ser interpretada, segundo as disposições consumeristas, com o intuito de alcançar ao máximo a igualdade entre os contratantes.

No caso, o ponto nodal da questão diz respeito a legalidade ou não dos descontos efetuados na conta corrente da parte autora e, consequentemente, de sua negativação nos cadastros de proteção ao crédito.

O requerente sustentou, em síntese, ter solicitado o encerramento da conta corrente havida junto à demandanda em março de 2016, ocasião em que lhe fora informado que o cancelamento ocorreria automaticamente. Narrou sua surpresa quando, diante de tal circunstância, constatou estar inscrito nos cadastros de inadimpletes por dívida com a instituição financeira ré.

A casa bancária, por sua vez, defende a existência do débito e consequente regularidade da negativação, relatando que houve contratação da conta por parte do postulante e posterior abandono sem ter deixado saldo suficiente para adimplemento das tarifas descontadas, razão pela qual agiu em exercício regular de direito ao increvê-lo nos órgãos de proteção ao crédito.

Sabe-se que, ao deixar de utilizar a conta corrente por ao menos 6 (seis) meses, presume-se o desinteresse do consumidor na continuidade do vínculo bancário, sendo referido lapso razoável para que se considere o término tácito da relação contratual.

Nesse sentido, é consolidada a jurisprudência deste órgão fracionário:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA E INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C PEDIDOS DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA (CPC/1973) EM RELAÇÃO AO RÉU BANCO DO BRASIL S.A. RECURSOS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ E DA PARTE AUTORA. I - DO APELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ DANO MORAL. COBRANÇA DE TARIFAS RELATIVAS À UTILIZAÇÃO DE CONTA-CORRENTE E INSCRIÇÃO DO NOME DA AUTORA NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. EXTRATOS BANCÁRIOS QUE DEMONSTRAM A AUSÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO DA CONTA POR PERÍODO SUPERIOR A 6 (SEIS) MESES. PRESUNÇÃO DE ENCERRAMENTO. DESNECESSIDADE DE SOLICITAÇÃO FORMAL. COBRANÇA DE DÉBITO E ANOTAÇÃO DA PENDÊNCIA FINANCEIRA REFERENTE À CONTA INATIVA. INSCRIÇÃO INDEVIDA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL IN RE IPSA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO. [..] (Apelação Cível n. 0300834-06.2014.8.24.0030, rel. Dinart Francisco Machado, j. 17-09-2019).

Pois bem. Compulsando os autos, verifica-se que a instituição financeira colacionou, juntamente à peça defensiva, "extrato mensal conta fácil" demonstrando o histórico de movimentação da conta corrente do autor (evento 12, INF21), pela qual pode se constatar que a última movimentação ocorreu em 21/03/2016, ocasião em que o demandante retirou quase a totalidade do saldo existente à época, deixando a módica quantia de R$ 5,46 (cinco reais e quarenta e seis centavos). Desde então, a conta permaneceu inativa, e a partir de tal data houve apenas movimentação relativa à pequenos rendimentos sobre a quantia remanescente.

Percebe-se, portanto, que o cancelamento da conta deveria ter ocorrido em 21/09/2016.

Entretanto, o que ocorreu no caso dos autos, contrariamente ao que afirmou a instituição financeira na peça defensiva no sentido de ter agido "na mais estrita boa-fé emprestando o dinheiro para a parte autora que não movimentou mais a conta e nem procurou o banco para solicitar a regularização do saldo" (evento 12), foi a negativação do saldo do autor em decorrencia unicamente...

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