Acórdão Nº 0303800-25.2018.8.24.0054 do Segunda Câmara de Direito Civil, 30-01-2020

Número do processo0303800-25.2018.8.24.0054
Data30 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemRio do Sul
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0303800-25.2018.8.24.0054, de Rio do Sul

Relator: Desembargador Jorge Luis Costa Beber

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO ACIONANTE.

DECISÃO VERGASTADA QUE, A DESPEITO DE REPUTAR PREENCHIDOS OS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL, CONSIDEROU INADMISSÍVEL A AQUISIÇÃO PRETENDIDA POR TER O IMÓVEL USUCAPIENDO ÁREA INFERIOR AO MÓDULO DE PROPRIEDADE RURAL. EXEGESE DO ART. 65 DO ESTATUTO DA TERRA (LEI N. 4.504/64). NORMATIVO RESTRITO ÀS HIPÓTESES DE TRANSMISSÃO E AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE DE IMÓVEL RURAL. INAPLICABILIDADE QUANTO ÀS FORMAS DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE LIMITE MÍNIMO PARA A USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL. ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ESTABELECE APENAS O LIMITE MÁXIMO PARA TANTO. ART. 191, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 1.239 DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DO REGRAMENTO RELATIVO AO PARCELAMENTO DO SOLO COM O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA QUE CONDUZ À VIABILIDADE DA USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO RURAL. PRECEDENTES.

1. A impossibilidade de divisão do imóvel em área inferior ao módulo rural estipulado pelo INCRA, estabelecida no artigo 65 do Estatuto da Terra, conversa com as hipóteses de transmissão da propriedade, e não com as formas de aquisição originária, como é o caso da usucapião.

2. Quanto à usucapião de imóveis rurais, o artigo 191, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil e o artigo 1.239 do Código Civil estabelecem apenas o limite máximo da área do imóvel usucapiendo - 50 (cinquenta) hectares -, sendo, pois, incabível a restrição à área mínima representada pelo módulo rural.

3. Comprovados os rígidos requisitos da usucapião extraordinária previstos no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, viável a aquisição da propriedade, ainda que a gleba de terra seja inferior ao módulo rural estipulado para a localidade, sobretudo em razão do princípio da função social da propriedade.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0303800-25.2018.8.24.0054, da comarca de Rio do Sul 3ª Vara Cível em que é Apelante Adelino João Batisti e Apelados Mercio Battisti e Lara Fronza Battisti.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Rubens Schulz e Desa. Rosane Portella Wolff.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Rogê Macedo Neves.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2020.

Desembargador Jorge Luis Costa Beber

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por Adelino João Batisti contra a sentença que, nos autos da ação de usucapião extraordinária ajuizada em face de Mercio Battisti e Lara Fronza Battisti, julgou improcedentes os pedidos exordiais, uma vez que o magistrado sentenciante, a despeito de reputar preenchidos os requisitos previstos no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, considerou inadmissível a aquisição pretendida por ter o imóvel usucapiendo área inferior ao módulo de propriedade rural (fls. 132/135).

Nas razões de seu apelo (fls. 141/147), sustenta o recorrente, em síntese, que a área mínima do imóvel não é requisito para a aquisição originária da propriedade, de modo que estariam configurados, na hipótese dos autos, todos os pressupostos para o acolhimento da pretensão exordial.

Requer, nesses termos, o conhecimento e o provimento do recurso para que a decisão vergastada seja reformada e o pleito inicial acolhido.

Sem contrarrazões, ascenderam os autos a esta Corte e, encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça, sobreveio manifestação do Exmo. Sr. Dr. Basílio Elias De Caro, que deixou de opinar sobre o mérito da quaestio em razão da inexistência de interesse que justifique a intervenção do Ministério Público no feito (fls. 158/159).

Na sequência, vieram conclusos para julgamento.

Este é o relatório.

VOTO

Dispensado o recorrente do recolhimento do preparo por ser beneficiário da justiça gratuita (fls. 47 e 135), e satisfeitos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se, na origem, de ação de usucapião extraordinária em que Adelino João Batisti almeja a declaração de propriedade do imóvel rural "com área de 5.568,36m², situado na Rua Antonio Dolzoni, bairro Valada São Paulo, na cidade de Rio do Sul/SC, anteriormente pertencente a Mércio Battisti e Lara Fronza Battisti" (fls. 01/02).

Embora a sentença recorrida tenha reconhecido o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil, a pretensão foi refutada sob o argumento de possuir o imóvel usucapiendo área inferior ao módulo rural, o que inviabiliza a usucapião, nos precisos termos do artigo 65 do Estatuto da Terra.

Estou provendo o recurso.

Com efeito, o artigo 65 da Lei n. 4.504/1964 prevê que "O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural".

Entretanto, tal vedação não alcança a usucapião, forma de aquisição originária da propriedade, mas tão somente as hipóteses de transmissão e aquisição derivada. Tanto assim que os parágrafos do aludido dispositivo legal referem-se apenas à sucessão causa mortis e às partilhas judiciais e amigáveis.

Não bastasse, a legislação pátria limita o reconhecimento da aquisição originária de propriedade a bens imóveis rurais cuja área máxima seja de 50 (cinquenta) hectares, não havendo qualquer menção à área mínima do bem.

A propósito, dispõe o artigo 191, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel riral ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade" (grifei).

No mesmo sentido, o artigo 1.239 do Código Civil:

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade" (grifei).

Acresço a isso que a análise do caso em foco deve ser realizada à luz da função social da propriedade, erigida ao patamar de direito fundamental por força da expressa previsão no artigo 5º, XXII e XXIII, da Carta Constitucional, in verbis:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Para além de direito fundamental, a função social da propriedade configura verdadeiro princípio norteador da ordem econômica, a teor do artigo 170, III, da Carta Magna, e, no tocante ao imóvel rural, restará observada quando atendidos, de forma simultânea, o aproveitamento racional, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, consoante disposição do artigo 186 do mesmo diploma constitucional.

Nesse cenário, embora salutar a ratio essendi da norma prevista no artigo 65 do Estatuto da Terra quanto à necessidade de se evitar a "proliferação de minifúndios antieconômicos e improdutivos", impõe-se, sobretudo, a observância da função social da propriedade.

Nesse sentido, leciona BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO:

"[...] Por mais que se combata o minifúndio, afigura-se injusto obstar aos possuidores de imóveis rurais que adquiram por usucapião rural área inferior ao módulo, de vez que estariam frustrados aqueles ocupantes de nesgas de terras fisicamente menores. Há porções encravadas e de menor dimensão do que o módulo vigente para o local, constituídas de terras férteis, boa aguada e localização privilegiada, nas quais é possível morar, produzir e subsistir, talvez de melhor forma do que em latifúndio de terra árida, montanhosa ou arredia a qualquer atividade laboral. Dispõe o Estatuto da Terra que o imóvel rural não é divisível em área de dimensão inferior à constitutiva do módulo da propriedade rural (art. 65). [...] Entende Celso Ribeiro Bastos que a...

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