Acórdão Nº 0303887-15.2016.8.24.0033 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 29-10-2020

Número do processo0303887-15.2016.8.24.0033
Data29 Outubro 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0303887-15.2016.8.24.0033

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

RECURSO DA RÉ.

1. PRELIMINAR - CONEXÃO

ARGUIÇÃO DE NULIDADE EM RAZÃO DE OS PROCESSOS CONEXOS NÃO TEREM SIDO JULGADOS SIMULTANEAMENTE. CONEXÃO RECONHECIDA EM OUTRA DEMANDA. AUSÊNCIA DE QUALQUER INFORMAÇÃO NESTES AUTOS ACERCA DA EXISTÊNCIA DO PROCESSO CONEXO. REMESSA DAQUELE PROCESSO AO JUÍZO DA ORIGEM APENAS UM MÊS ANTES DA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE DANO PROCESSUAL ÀS PARTES, PORQUANTO AS DECISÕES NÃO SÃO CONFLITANTES. RECURSOS, ADEMAIS, APRECIADOS CONCOMITANTEMENTE VIA SAJ E EPROC. NULIDADE AFASTADA.

2. MÉRITO

INSURGÊNCIA QUANTO À PROCEDÊNCIA DA DEMANDA, EM RAZÃO DA NECESSIDADE DE A AUTORA APRESENTAR A VIA ORIGINAL DO CONHECIMENTO DE EMBARQUE ("BILL OF LADING") PARA RETIRAR AS MERCADORIAS TRANSPORTADAS PELA RÉ. TESE ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE EMBARQUE QUE REPRESENTA TÍTULO DE CRÉDITO IMPRÓPRIO E, POR ISSO, TRANSFERÍVEL POR ENDOSSO. MERCADORIAS QUE SOMENTE PODEM SER RETIRADAS PELO LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO, O QUE SE COMPROVA PELA VIA ORIGINAL DO CONHECIMENTO DE EMBARQUE E, NA SUA FALTA, AUTORIZA A COBRANÇA DE GARANTIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 730 E 754, DO CÓDIGO CIVIL, 575, 580, 586 E 587 DO CÓDIGO COMERCIAL E 54, VI, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 1759/2017 DA RECEITA FEDERAL. RECURSO PROVIDO PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS.

"Exemplo típico desse título de crédito é o conhecimento de frete (Dec. n. 19.473/30; CC-02, art. 744). Sua emissão cabe às empresas de transporte por água, terra ou ar. A finalidade originária desse instrumento é a prova do recebimento da mercadoria, pela empresa transportadora, e da obrigação que ela assume de entregá-la incólume em certo destino. O conhecimento de frete tem, no entanto, função subsidiária, na medida em que possibilita ao depositante, proprietário da mercadoria despachada, negociá-la mediante endosso do título. [...]. Em se tratando, contudo, de conhecimento de frete negociável, o seu endosso transfere a propriedade da mercadoria transportada, que deverá ser entregue, no destino, ao endossatário ou portador legitimado do título". (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 1: direito de empresa. 20 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 475).

ÔNUS SUCUMBENCIAIS. ACOLHIMENTO DAS TESES RECURSAIS DA PARTE RÉ QUE IMPORTA NO RECONHECIMENTO DA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DA AÇÃO. INVERSÃO DA RESPONSABILIDADE PELOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU, A SEREM ARCADOS EXCLUSIVAMENTE PELA AUTORA.

HONORÁRIOS RECURSAIS. INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE DADA À AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DA AUTORA NA ORIGEM. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0303887-15.2016.8.24.0033, da comarca de Itajaí 4ª Vara Cível em que é Apelante A.P. Moller - Maersk A/S e Apelada Global Casing Importação e Exportação Ltda.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para o fim de julgar improcedentes os pedidos da ação proposta na origem, e, ainda, por inverter a responsabilidade pelos ônus sucumbenciais fixados na sentença. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Mariano do Nascimento e José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 29 de outubro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator


RELATÓRIO

Global Casing Importação e Exportação Ltda. ajuizou ação cominatória com pedido de tutela de urgência contra Maersk Sealand, representada no Brasil por Maersk Brasil Brasmar Ltda., alegando que a empresa ré (transportador marítimo/armador) exigiu a apresentação da via original do conhecimento de embarque ou garantia bancária para a liberação das tripas sintéticas adquiridas no exterior, com o que não concorda, motivo pelo qual requer seja a ré compelida a liberar as mercadorias sem qualquer exigência.

Ao receber a inicial, o magistrado de origem (i) deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determina à ré que procedesse ao "desbloqueio do CE Mercante referente ao BL n. 955905651, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)", condicionado ao caução a ser prestado pela autora, no valor de R$ 524.975,31; (ii) determinou à autora anexar aos autos tradução juramentada dos documentos em língua estrangeira; (iii) a citação da parte ré.

À fl. 161 a autora ofereceu um bem imóvel como caução, a qual foi aceita pela decisão de fl. 195.

Na petição de fl. 231, a demandante requereu a dilação do prazo para apresentar os documentos traduzidos.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação (fls. 279-306), pugnou, preliminarmente, pela retificação do polo passivo da demanda para A.P. Moller Maersk A/S. No mérito argumentou, em síntese, que: (a) a jurisprudência ampara a ré, pois é necessária a apresentação da via original do conhecimento de embarque para a liberação das mercadorias; (b) a Instrução Normativa n. 1356/2013 não se aplica ao caso dos autos, pois a dispensa do conhecimento de embarque original é para o procedimento de despacho aduaneiro de importação, não havendo qualquer previsão de dispensa em relação ao transportador; (c) a instrução normativa e inferior ao que determina o Código Civil na hierarquia das normas; (d) não há qualquer ilegalidade em exigir a via original do conhecimento de embarque, pois representa recibo de entrega das mercadorias (art. 744 do CC); (e) instruiu a autora acerca dos procedimentos e exigências, a qual optou pelo ajuizamento da ação.

Réplica às fls. 311-320.

Na data de 07-12-2018, o juiz da causa, Dr. Tanit Adrian Perozzo Daltoé, prolatou sentença de procedência dos pedidos iniciais, nos seguintes termos (fls. 321-323):

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do NCPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para, confirmando a decisão que antecipou os efeitos da tutela (pp. 157-160), determinar o cancelamento definitivo do bloqueio no sistema eletrônico "Siscomex Carga", referente às mercadorias do conhecimento de embarque BL n. 955905651.

Diante da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §8º, do NCPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo recurso certifique-se, intime-se a parte contrária para oferecer contrarrazões e remeta-se ao Tribunal de Justiça, independentemente de novo despacho.

Transitada em julgado e cumpridas as determinações do CNCGJ, arquivem-se.

Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação (fls. 327-345), argumentando, em síntese, que: (a) a sentença é nula, pois viola o disposto no art. 55, §1º, do CPC, na medida em que foi reconhecida a conexão com os autos n. 0310686-74.2016.8.24.0033, porém a sentença foi proferida antes de aquele processo aportar à 4ª Vara Cível; (b) a atitude da apelante está devidamente amparada pela jurisprudência pátria; (c) sem a exibição da via original do conhecimento de embarque, o transportador não tem ciência se está entregando a mercadoria ao legítimo proprietário; (d) a instrução normativa n. 1356/2013 não se aplica ao caso, porque dispõe sobre o despacho aduaneiro de importação; (e) a instrução normativa da receita federal não se presta para regular relações entre particulares, cuja natureza é de direito privado (transportador/importador); (f) o art. 754 do CC e o disposto na instrução normativa n. 680/2016 permitem ao transportador exigir o conhecimento de embarque; (g) a apelante tem que cumprir o contrato de transporte e entregar a carga apenas a quem lhe apresentar o conhecimento de embarque original ou proceder ao depósito de fiança no valo da carga; (h) a apelada foi instruída acerca dos procedimentos; (i) os honorários foram fixados em valor muito elevado, devendo ser reduzidos.

Contrarrazões apresentadas às fls. 355-361.

O recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído a esta relatoria por sorteio (fls. 370-372).

Este é o relatório.


VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Feitas estas digressões, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Anota-se, ainda, que estes autos estão sendo julgados concomitantemente ao processo conexo (n. 0310686-74.2016.8.24.0033), que tramita pelo EPROC.

2. Fundamentação

2.1. Preliminares - Conexão

Arguiu a apelante a nulidade da sentença, pois os processos conexos não foram julgados simultaneamente, conforme determina o art. 55, do CPC, in verbis:

Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.

§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

§ 2º Aplica-se o disposto no caput :

I - à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;

II - às execuções fundadas no mesmo título executivo.

§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

Com efeito, conforme argumentado pela própria apelante a conexão foi reconhecida nos autos n. 0310686-74.2016.8.24.0033...

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