Acórdão Nº 0303914-95.2018.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Civil, 26-05-2022
Número do processo | 0303914-95.2018.8.24.0075 |
Data | 26 Maio 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 0303914-95.2018.8.24.0075/SC
RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA
APELANTE: GENTIL DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: RAI BUSARELLO (OAB SC054573) ADVOGADO: THIAGO VITORIO LINHARES (OAB SC044741) APELADO: CADQ COMUNIDADE DE APOIO AO DEPENDENTE QUIMICO EIRELI (RÉU) ADVOGADO: LILIAN VARGAS (OAB SC015009)
RELATÓRIO
A bem dos princípios da economia e da celeridade processual adoto o relatório elaborado na sentença (evento 28 - SENT45):
Gentil de Sousa, devidamente qualificado na inicial, por intermédio de procurador legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA em face de CADQ - Centro de Apoio ao Dependente Químico Ltda., igualmente qualificada, sustentando, em síntese:
Que é pessoa humilde, trabalhador autônomo e portador de HIV; que, em meados de julho de 2017, por volta das 20:30 horas, ao se preparar para dormir, recebeu a visita de pessoas perguntando pela venda do imóvel, as quais o surpreenderam com um golpe e o levaram para internação na clínica ré, sob ordem de seu filho; que foi levado de modo involuntário; que a ré não tinha ordem judicial ou avaliação médica para tanto; que o ato é passível de indenização; que, durante 30 dias, ficou sem comunicação com seus familiares, com pessoas desconhecidas; que o filho o ameaça de nova internação; que já teve problemas com álcool há muitos anos atrás e que não tem outro vício.
Destaca as garantias constitucionais e as previsões da Lei nº 10.216/01. Discorre acerca do dano moral e o valor da indenização, no patamar de R$ 50.000,00.
Ao final, requer a procedência do pedido para condenar o requerido no pagamento de indenização por danos morais. Formula os demais requerimentos de praxe, valora a causa em R$ 50.000,00 e junta documentos (pp. 11/275).
Regularmente citada, a ré apresentou resposta sob a forma de contestação (pp. 285/299) alegando, em suma, que o filho do autor a procurou expondo a dependência química deste, repassando que estava ciente e convencido da necessidade de tratamento; que, no dia 28/07/2017, alguns membros foram à residência do autor de modo cordial; que, na sede da ré, o autor conversou com o Assistente Social, ao qual teria declarado a aceitação do tratamento por exigência do filho, mas receava que a intenção deste fosse a retirada da posse de seus bens; que o autor teria confessado o uso de cocaína e álcool, sendo diabético e soropositivo, sem fazer o tratamento adequado; que o autor concordou em conversar com o psiquiatra da ré antes de decidir pela permanência; que a chegada e a permanência na clínica foram de acordo com a vontade do autor, conforme termo de internação; que, após avaliação psiquiátrica, permaneceu por mais de 10 dias na clínica; que temia seu filho; que percebeu as dificuldades do autor e tentou ajudá-lo.
Afirma que o autor não recebeu nenhuma medicação sem prescrição médica; que o filho do autor ajuizou ação para interdição; que adotou as condutas descritas na Resolução n. 1 do CONAD. Rebate a ocorrência de dano moral e o valor postulado. Requer a improcedência dos pedidos. Junta documentos (pp. 300/309).
Réplica às pp. 316/322.
Oportunizada a especificação de provas, as partes se manifestaram às pp. 326 e 328.
O juiz Eron Pinter Pizzolatti decidiu a lide antecipadamente, por ter o autor dispensado a dilação probatória, e, concluindo não comprovada a conduta grave e violenta de que teria se valido a ré, julgou improcedente o pedido de compensação por danos morais. Condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais, estes arbitrados em 10% do valor da causa, e suspendeu a exigibilidade das verbas eis que deferiu ao demandante, em definitivo, a gratuidade (evento 28 - SENT45).
No evento 34, recorreu o autor Gentil de Souza.
Discorreu que a improcedência do pleito compensatório, em primeiro grau, se concentrou no fato de que teria anuído à internação no CADQ, dado o termo apresentado com a contestação (evento 14 - INF28). Justificou que toda a situação que envolveu a sua condução até a internação o levou a assinar de forma inconsciente o referido documento, pontuando à p. 3 que sequer se recorda de tê-lo assinado, "pois o medo e a angústia de ser levado de modo brutal e forçado de sua residência, durante a noite, o deixaram extremamente confuso". Insistiu que a internação ocorreu de forma involuntária e sem avaliação ou orientação médica, tendo a ré atendido somente ao pedido de seu filho, sem cumprir com as exigências legais. Reiterou que o filho procurou o Ministério Público para relatar a internação e que o Parquet, a partir de então, deflagrou a ação civil pública nº 0900220-06.2017.8.24.0075 perante o juízo da comarca de Tubarão, em cujos autos noticiou outras internações involuntárias praticadas pela ré, de modo irregular.
Repetiu, à p. 5, que a apelada "agiu em desconformidade com aquilo que lhe é autorizado, causando um dano extremamente grave ao Apelante que teve sua liberdade privada por mais de um mês, e ainda, foi obrigado a ser medicado sem nem saber a procedência dos referidos medicamentos". Seguiu dizendo que, em razão de ter permanecido internado de forma "totalmente brutal e ilegal" (sic) durante 30 dias, sem comunicação com os familiares e sujeitando-se à aplicação de variadas medicações, está configurado o abalo moral passível de compensação, também discorrendo sobre o quantum indenizatório.
Requereu a reversão do julgado e a condenação da apelada à compensação do abalo moral provocado, devendo ser indenizado em montante não inferior a R$ 50.000,00.
CADQ - Centro de Apoio ao Dependente Químico Ltda. apresentou contrarrazões no evento 40. Asseverou que a entrada do apelante e a permanência no local se deram de forma voluntária, tendo sido assinado de forma livre e consciente, portanto sem coação, o mencionado termo de internação apresentado com a contestação. Defendeu que, no período em que permaneceu no CADQ, o apelante foi encaminhado para o Centro de Atendimento Especializado (CAES) de Tubarão, a fim de que continuasse o tratamento com coquetel previsto aos portadores do vírus HIV, e com fins a controlar a diabetes. Prosseguiu, às p. 5-6: "No dia 9 de agosto de 2017 o apelante passou por uma avaliação médica com Dr. Michel Guisi Callegari (psiquiatra) e, no dia 11 de agosto de 2017, realizou uma reavaliação com o mesmo profissional, o qual disse: "Atesto que Gentil De Souza passou por reavaliação e no momento está abstinente a substâncias psicoativas, estando apto aos atos da vida civil sem restrições" (documento anexado no evento 14, INF 31). Mesmo com atestado médico e sabendo que poderia sair do CADQ a qualquer momento, o apelante pediu para permanecer no local por mais 10 (dez) dias, aproximadamente".
Alegou que a sentença de improcedência está fundada não somente no termo de internação subscrito pelo apelante (evento 14 - INF28), mas em toda a...
RELATOR: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA
APELANTE: GENTIL DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: RAI BUSARELLO (OAB SC054573) ADVOGADO: THIAGO VITORIO LINHARES (OAB SC044741) APELADO: CADQ COMUNIDADE DE APOIO AO DEPENDENTE QUIMICO EIRELI (RÉU) ADVOGADO: LILIAN VARGAS (OAB SC015009)
RELATÓRIO
A bem dos princípios da economia e da celeridade processual adoto o relatório elaborado na sentença (evento 28 - SENT45):
Gentil de Sousa, devidamente qualificado na inicial, por intermédio de procurador legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA em face de CADQ - Centro de Apoio ao Dependente Químico Ltda., igualmente qualificada, sustentando, em síntese:
Que é pessoa humilde, trabalhador autônomo e portador de HIV; que, em meados de julho de 2017, por volta das 20:30 horas, ao se preparar para dormir, recebeu a visita de pessoas perguntando pela venda do imóvel, as quais o surpreenderam com um golpe e o levaram para internação na clínica ré, sob ordem de seu filho; que foi levado de modo involuntário; que a ré não tinha ordem judicial ou avaliação médica para tanto; que o ato é passível de indenização; que, durante 30 dias, ficou sem comunicação com seus familiares, com pessoas desconhecidas; que o filho o ameaça de nova internação; que já teve problemas com álcool há muitos anos atrás e que não tem outro vício.
Destaca as garantias constitucionais e as previsões da Lei nº 10.216/01. Discorre acerca do dano moral e o valor da indenização, no patamar de R$ 50.000,00.
Ao final, requer a procedência do pedido para condenar o requerido no pagamento de indenização por danos morais. Formula os demais requerimentos de praxe, valora a causa em R$ 50.000,00 e junta documentos (pp. 11/275).
Regularmente citada, a ré apresentou resposta sob a forma de contestação (pp. 285/299) alegando, em suma, que o filho do autor a procurou expondo a dependência química deste, repassando que estava ciente e convencido da necessidade de tratamento; que, no dia 28/07/2017, alguns membros foram à residência do autor de modo cordial; que, na sede da ré, o autor conversou com o Assistente Social, ao qual teria declarado a aceitação do tratamento por exigência do filho, mas receava que a intenção deste fosse a retirada da posse de seus bens; que o autor teria confessado o uso de cocaína e álcool, sendo diabético e soropositivo, sem fazer o tratamento adequado; que o autor concordou em conversar com o psiquiatra da ré antes de decidir pela permanência; que a chegada e a permanência na clínica foram de acordo com a vontade do autor, conforme termo de internação; que, após avaliação psiquiátrica, permaneceu por mais de 10 dias na clínica; que temia seu filho; que percebeu as dificuldades do autor e tentou ajudá-lo.
Afirma que o autor não recebeu nenhuma medicação sem prescrição médica; que o filho do autor ajuizou ação para interdição; que adotou as condutas descritas na Resolução n. 1 do CONAD. Rebate a ocorrência de dano moral e o valor postulado. Requer a improcedência dos pedidos. Junta documentos (pp. 300/309).
Réplica às pp. 316/322.
Oportunizada a especificação de provas, as partes se manifestaram às pp. 326 e 328.
O juiz Eron Pinter Pizzolatti decidiu a lide antecipadamente, por ter o autor dispensado a dilação probatória, e, concluindo não comprovada a conduta grave e violenta de que teria se valido a ré, julgou improcedente o pedido de compensação por danos morais. Condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais, estes arbitrados em 10% do valor da causa, e suspendeu a exigibilidade das verbas eis que deferiu ao demandante, em definitivo, a gratuidade (evento 28 - SENT45).
No evento 34, recorreu o autor Gentil de Souza.
Discorreu que a improcedência do pleito compensatório, em primeiro grau, se concentrou no fato de que teria anuído à internação no CADQ, dado o termo apresentado com a contestação (evento 14 - INF28). Justificou que toda a situação que envolveu a sua condução até a internação o levou a assinar de forma inconsciente o referido documento, pontuando à p. 3 que sequer se recorda de tê-lo assinado, "pois o medo e a angústia de ser levado de modo brutal e forçado de sua residência, durante a noite, o deixaram extremamente confuso". Insistiu que a internação ocorreu de forma involuntária e sem avaliação ou orientação médica, tendo a ré atendido somente ao pedido de seu filho, sem cumprir com as exigências legais. Reiterou que o filho procurou o Ministério Público para relatar a internação e que o Parquet, a partir de então, deflagrou a ação civil pública nº 0900220-06.2017.8.24.0075 perante o juízo da comarca de Tubarão, em cujos autos noticiou outras internações involuntárias praticadas pela ré, de modo irregular.
Repetiu, à p. 5, que a apelada "agiu em desconformidade com aquilo que lhe é autorizado, causando um dano extremamente grave ao Apelante que teve sua liberdade privada por mais de um mês, e ainda, foi obrigado a ser medicado sem nem saber a procedência dos referidos medicamentos". Seguiu dizendo que, em razão de ter permanecido internado de forma "totalmente brutal e ilegal" (sic) durante 30 dias, sem comunicação com os familiares e sujeitando-se à aplicação de variadas medicações, está configurado o abalo moral passível de compensação, também discorrendo sobre o quantum indenizatório.
Requereu a reversão do julgado e a condenação da apelada à compensação do abalo moral provocado, devendo ser indenizado em montante não inferior a R$ 50.000,00.
CADQ - Centro de Apoio ao Dependente Químico Ltda. apresentou contrarrazões no evento 40. Asseverou que a entrada do apelante e a permanência no local se deram de forma voluntária, tendo sido assinado de forma livre e consciente, portanto sem coação, o mencionado termo de internação apresentado com a contestação. Defendeu que, no período em que permaneceu no CADQ, o apelante foi encaminhado para o Centro de Atendimento Especializado (CAES) de Tubarão, a fim de que continuasse o tratamento com coquetel previsto aos portadores do vírus HIV, e com fins a controlar a diabetes. Prosseguiu, às p. 5-6: "No dia 9 de agosto de 2017 o apelante passou por uma avaliação médica com Dr. Michel Guisi Callegari (psiquiatra) e, no dia 11 de agosto de 2017, realizou uma reavaliação com o mesmo profissional, o qual disse: "Atesto que Gentil De Souza passou por reavaliação e no momento está abstinente a substâncias psicoativas, estando apto aos atos da vida civil sem restrições" (documento anexado no evento 14, INF 31). Mesmo com atestado médico e sabendo que poderia sair do CADQ a qualquer momento, o apelante pediu para permanecer no local por mais 10 (dez) dias, aproximadamente".
Alegou que a sentença de improcedência está fundada não somente no termo de internação subscrito pelo apelante (evento 14 - INF28), mas em toda a...
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