Acórdão Nº 0303971-35.2015.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Público, 19-07-2022

Número do processo0303971-35.2015.8.24.0038
Data19 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0303971-35.2015.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ANDREIA MACHADO RODRIGUES (AUTOR) E OUTRO APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Por sentença havida na 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville o juízo julgou procedente o pedido para condenar o INSS nestes termos:

III Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos formulados, o que faço nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para reconhecer o direito da autora ao recebimento do auxílio-doença acidentário no período entre 3-3-2015 até 19-10-2016, descontando-se os valores pagos a título de tutela de urgência e os pagos por meio da via administrativa em razão do mesmo fato gerador.

Revogo a decisão que antecipou os efeitos da tutela.

Condeno a autarquia ré ao pagamento das despesas processuais ao distribuidor e ao contador deste Foro (TJSC, Quarta Câmara de Direito Público, AI 4005706-23.2018.8.24.0000, rel. Des. Sônia Maria Schmitz, j. 13-12-2018), observada a redução legal (metade), consoante preconiza o art. 33, § 1º, da Lei Complementar Estadual 156/1997, alterado pela Lei Complementar Estadual 161/1997.

Condeno a autarquia ré ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor das parcelas vencidas, o que faço com fulcro no art. 85, § 3º, I, do Código de Processo Civil, corrigidos até a data da publicação desta decisão (Súmula 111, STJ).

Sem custas processuais nos termos do art. 33, § 1º, da Lei Complementar Estadual 156/1997, alterado pela Lei Complementar Estadual 729/2018.

A autarquia previdenciária deverá efetuar o pagamento das parcelas vencidas de uma só vez, sendo que débitos até julho de 2006 serão corrigidos monetariamente pelo IGP-DI; a partir de agosto daquele ano (2006) pelo INPC; e a contar de 1º-7-2009, pela IPCA-E. Juros de mora serão computados a contar da citação pelo índice de remuneração da caderneta de poupança, ex vi do art. 1-F da Lei 9.494/1997, com as alterações introduzidas pela Lei 11.960/2009.

Vêm recursos das partes.

A autarquia previdenciária suscitou, de início, a incompetência do juízo e a nulidade da sentença por ausência de fundamentação. É que o perito judicial deixou claro que a doença sofrida pela parte não ostenta relação de causalidade com seu trabalho habitual. Além disso, cabe ser ressaltado que o benefício concedido administrativamente também assumiu feição comum (espécie 31). Ao ignorar o conteúdo do estudo pericial, no qual se afastou a natureza acidentária da lesão sofrida pela autora, a decisão também incorre em vício por ausência de motivação adequada.

Criticou, outrossim, o reconhecimento do auxílio-doença no período entre a DCB e a data da realização da perícia. É que "o perito judicial afirmou, de forma conclusiva e inconteste, que a parte apelada não estava incapaz e nem apontou existência de incapacidade após a cessação administrativa do benefício". O juízo dotou documentos particulares produzidos pela acionante de força persuasória superior à própria investigação conduzida pelo expert.

Argumentou, por fim, ser indevida a condenação em honorários advocatícios tendo em vista que a autora foi majoritariamente sucumbente em seu pleito. Ainda que confirmada a condenação quanto aos valores vencidos, é quantia muito inferior à efetivamente postulada pela parte.

A autora, por sua vez, defendeu a nulidade da sentença pelo cerceamento de defesa ao se rejeitar a produção de nova prova pericial. A incapacidade da parte persiste até hoje, conclusão referendada por diversos atestados e laudos produzidos pelos profissionais médicos que lhe acompanham. Só que a decisão de primeira instância apenas reconheceu o auxílio-doença entre março de 2015 e outubro de 2016 (data da realização da perícia). A acionante já foi submetida a duas cirurgias, uma delas inclusive recentemente, sem ter obtido êxito no tratamento de seu punho e mão. Diante desse quadro, o correto seria a concessão do benefício até a efetiva reabilitação profissional pelo INSS em atividade compatível com sua condição.

Defendeu, sob outro ângulo, o nexo etiológico. Ao tempo do surgimento da doença incapacitante atuava no atendimento remoto (Call Center) de empresa de telefonia. Sua atividade, caracterizada pela utilização repetitiva de equipamentos de informática sem a correta ergonomia, tem relação evidente com o diagnóstico da síndrome do túnel do carpo. Essa conclusão, aliás, foi assumida em perícia judicial conduzida perante a Justiça do Trabalho.

A acionante apresentou contrarrazões.

Por conta da afinidade do feito com o Tema 692 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça suspendi a tramitação da causa.

Julgado o precedente paradigma, o sobrestamento foi levantado.

VOTO

1. Principio pela alegação do INSS quanto à incompetência do juízo ao defender que o benefício ostenta natureza previdenciária, e não acidentária, como reconhecida em primeira instância.

Há, aqui, um equívoco de percepção.

É que a aferição da competência deve ser extraída a partir da versão abstrata do pedido e causa de pedir formulado pelo autor. Quer dizer, a identificação do viés da pretensão dependerá, essencialmente, do enquadramento trazido na inicial. Defendida a origem ocupacional da lesão que acomete a autora, caso se rejeite esse liame o caminho será a improcedência, e não meramente a remessa dos autos à Justiça Federal.

Só que observando o teor do arrazoado autoral, fica mesmo muito evidente a tentativa da parte de relacionar a patologia observada com a atividade habitualmente desenvolvida. Em determinada passagem do texto inclusive impugna a classificação promovida administrativamente (espécie 31) ao defender a origem acidentária da incapacidade. Estes os trechos a que me refiro:

A Autora exerce em seu último vínculo o ofício de representante de atendimento para a empresa Mobitel S/A (atualmente denominada Contax Mobitel S/A) desde 15 de outubro de 2012, como comprovam as anotações de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social, cópias em anexo.

Consistia o trabalho da Autora em realizar em espécie de call center, o atendimento de clientes da empresa de telefonia Vivo S/A, com fone de ouvido e muita utilização de mouse para operar sistemas de informática.

O trabalho era realizado sob condições ergonômicas adversas, ressaltando-se posturas inadequadas - trabalhando sem apoio para mouse e para os pés -, dentre outras posturas em desconformidade -, ausência de pausas regulares para descanso até cerca de outubro de 2014, quando foi implementado um novo sistema que "trava" os computadores para a realização das pausas, ausência de ginástica laboral na maior parte da contratualidade (somente houve nos primeiros seis meses), ausência de número adequado de funcionários para a quantidade de trabalho a ser realizado, presença de intensos movimentos repetitivos que atingiam membros superiores, em especial o membro superior direito, com o uso frequente e prolongado do mouse do computador.

(...)

Portanto, a Autora estava sujeita a posições totalmente antiergonômicas, laborando sempre com gestos repetitivos, exposta a sobrecarga de trabalho, com esforços e movimentos excessivos de membros superiores, sobrecarregando a estrutura dos mesmos, em especial da região de punho direito.

Por conta das condições de trabalho narradas, a partir de fevereiro de 2013, aproximadamente, iniciaram-se sintomas de dores em região de punho direito, inicialmente mais leves, tendo procurado auxílio médico e realizado tratamento com medicamentos e sessões de fisioterapia.

Com o passar do tempo, entretanto, em que pese o tratamento médico realizado, os sintomas progrediram, não suportando mais trabalhar já em junho de 2014, contudo, tendo permanecido no labor mesmo com sofrimento físico até a realização de procedimento cirúrgico em região de punho direito em data de 24.11.2014.

(...)

Quanto à espécie do benefício (B 31), a mesma é desde já impugnada, eis que as patologias da Autora são de caráter ocupacional, de tal sorte que houve o encaminhamento incorreto pela empresa, que não considerou se tratarem as patologias da obreira de acidentes de trabalho (tendo havido ainda omissão na emissão de CAT), bem como o incorreto enquadramento das patologias pelo INSS, diante do contido no Anexo II, Lista B do Decreto n. 3.048/99.

Resta saber, então, se o nexo etilógico pode ser identificado.

Sobre esse aspecto, tenho a mesmo posição que o Juiz de Direito Márcio Schiefler Fontes.

Embora o laudo pericial produzido no feito afaste a origem laboral da doença, em estudo conduzido no âmbito da Justiça do Trabalho esse vínculo foi explicitamente registrado (evento 83, INF84):

7.6 Se identificaram nas atividades laborais da Reclamante, movimentos biomecânicos capazes de justificar suas queixas neurocondutivas em punho direito;

(...)

Considerando o exposto no presente Laudo Pericial, é de entendimento do Perito do Juízo, que Andreia Machado Rodrigues foi portadora de transtornos condutivos em punho direito, tratados cirurgicamente, com nexo causal com suas atividades laborais na Reclamada, encontrando-se na data da perícia, assintomática e apta ao labor.

(...)

9.e) As lesões/patologias/sequelas apresentadas pela Autora foram geradas (nexo causal) pelas atividades desempenhadas para as Rés? Explicar.

R: Sim.

É evidente que, técnico o assunto sob investigação, a realização de perícia sob contraditório é uma necessidade.

Isso, no entanto, é excepcionado pelo próprio Código de Processo Civil, que permite que laudos particulares enfrentem suficientemente o assunto, dispensando a perícia com sua tradicional ritualística (art. 427 do CPC de 1973; art. 472 do CPC de 2015).

Além disso, houve oportunidade para que a autarquia pudesse refutar as conclusões desse laudo - que foi apresentado antes mesmo da sentença -, todavia não impugnou a prova técnica.

Desse modo, não vejo como refutar aprioristicamente a prova pericial que, em boa medida enfrentando os mesmos aspectos aqui importantes, foi produzida em outro processo. É verdade que...

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