Acórdão Nº 0304006-60.2016.8.24.0005 do Primeira Câmara de Direito Civil, 24-09-2020

Número do processo0304006-60.2016.8.24.0005
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemBalneário Camboriú
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0304006-60.2016.8.24.0005, de Balneário Camboriú

Relator: Desembargador Raulino Jacó Brüning

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM PEDIDO DE RESSARCIMENTO POR PERDAS E DANOS E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PLEITO DE RESOLUÇÃO FUNDADO NO INADIMPLEMENTO DO VENDEDOR, POR NÃO ENTREGAR OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS A PRETENSO FINANCIAMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DOS AUTORES. 1. PREFACIAL SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. DESCABIMENTO. RECURSO QUE REBATE OS ARGUMENTOS DA SENTENÇA. 2. RECORRENTES QUE ARGUMENTAM QUE HÁ TERCEIRO RESIDINDO NO IMÓVEL SUB JUDICE E UTILIZANDO DE SEUS MÓVEIS PLANEJADOS. TESE NÃO VENTILADA NO CURSO DO PROCESSO. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO PONTO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 3. MÉRITO. 3.1. AUSÊNCIA DE PROVA DA MORA DA CONSTRUTORA. EXISTÊNCIA DE HIPOTECA SOBRE O IMÓVEL INFORMADA NO CONTRATO. CONSTRUTORA QUE, TÃO LOGO ACIONADA, BUSCOU RESOLVER A BUROCRACIA NECESSÁRIA PARA A BAIXA DO GRAVAME E VIABILIZAÇÃO DO EMPRÉSTIMO. ADEQUADA OBSERVÂNCIA À BOA-FÉ OBJETIVA E DEVER DE INFORMAÇÃO. ADEMAIS, AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O EMPRÉSTIMO FOI FRUSTADO POR INOPERÂNCIA DA RÉ. FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DOS AUTORES NÃO DEMONSTRADOS (ART. 373, I, CPC). 3.2. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. AUTORES NÃO ADIMPLENTES COM TODAS AS PARCELAS. INTELIGÊNCIA DO ART. 476, DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE, DE QUALQUER FORMA, DE APLICAR PENALIDADE À CONSTRUTORA. 4. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS, NOS TERMOS DO ART. 85 §§ 1° E 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 5. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0304006-60.2016.8.24.0005, da Comarca de Balneário Camboriú (2ª Vara Cível), em que são apelantes Cesar Ernesto Lehsten e Tania Cristine Simon e apelada Construtora Piacentini Ltda.:

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, conhecer em parte do recurso e, nessa extensão, negar-lhe provimento. Ademais, fixar honorários advocatícios recursais, na forma da fundamentação. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador Gerson Cherem II, com voto, e dele participou o Desembargador Paulo Ricardo Bruschi.

Florianópolis, 24 de setembro de 2020.

[assinado digitalmente]

Desembargador Raulino Jacó Brüning

RELATOR


RELATÓRIO

O recurso é tempestivo (conforme consulta ao Sistema de Automação do Judiciário) e está munido de preparo (fl. 172).

1. Da preliminar em contrarrazões

Inicialmente, sustenta a construtora apelada que o recurso interposto pelos autores não deve ser conhecido, porquanto não contrapôs especificamente a decisão recorrida, violando o princípio da dialeticidade.

Entretanto, o argumento não possui amparo.

Sobre o tema, destaca-se que "o papel primeiro dos 'fundamentos de fato e de direito' (art. 541, II, do CPC) que devem acompanhar o recurso é o de permitir a análise de sua admissibilidade. Se a parte recorrente não apresenta os fundamentos que dão causa a seu inconformismo, ou faz de forma estranha ao contexto entabulado na decisão, atenta ao princípio da dialeticidade e, por isso, sua insurgência não pode ser conhecida" (TJSC, Apelação Cível n. 2015.020914-7, de Balnerário Camboriú, rela. Desa. Janice Gourlart Garcia Ubialli, j. 23-4-2015).

Nessa sorte, volvendo vistas ao apelo, vê-se que apesar de ter repisado os fundamentos jurídicos que embasam os pedidos inaugurais, o reclamo interposto é claro ao aventar os motivos pelos quais a decisão deve ser reformada, debruçando-se especificamente sobre o quê estima equivocado.

Logo, não há espaço para entender ausente a dialeticidade recursal, na medida em que o recurso permite compreender, sem sombra para dúvidas, qual a parte da decisão, em tese, merece reformas e porquê assim deve ser.

Afasta-se, pois, a proemial aventada.

2. Da inovação recursal

Na espécie, asseveram os recorrentes que há terceiro residindo no imóvel sub judice e usufruindo dos móveis planejados que adquiriram.

Adianta-se, desde já, que a tese não deve ser sequer conhecida, porque não foi deduzida na inicial (fls. 1/11), na réplica (fls. 150/155) e nem ao menos houve justificativa de se tratar de nova questão, não levantada no primeiro grau de jurisdição por motivos de força maior - configurando, portanto, patente inovação recursal.

A doutrina ensina:

Proibição de inovar. Por inovação entende-se todo elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi arguido ou discutido no processo, no procedimento de primeiro grau de jurisdição (Fasching. ZPR, n. 1721, p. 872). Não se pode inovar no juízo de apelação, sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (nova demanda). Todavia, a norma comentada permite que sejam alegadas questões novas, de fato, desde que se comprove que não foram levantadas no primeiro grau por motivo de força maior. Pela proibição do ius novorum prestigia-se a atividade do juízo de primeiro grau (Holzhammer, ZPR, p. 322; Barbosa Moreira. Coment. n. 249, pp 453/454) (NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravante. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 210, p. 898, grifo acrescido).

Outro não é o entendimento assentado nesta Corte de Justiça:

[...] só serão apreciadas pelo Tribunal as questões discutidas e suscitadas no processo, sendo vedado a parte embargante inovar nas razões recursais, alegando matéria não submetida ao juízo de primeiro grau, sob pena de supressão de instância (TJSC, Apelação Cível n. 2005.011602-3, de Criciúma, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. em 28-8-2009) (TJSC, Apelação Cível n. 2010.081025-1, da Capital, rela. Desa. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. em 11-5-2012).

Deste Órgão Fracionário:

Configuram-se inovação recursal os argumentos que somente foram sustentados neste grau de jurisdição e sequer submetido à apreciação do juízo de origem, hipótese que inviabiliza o conhecimento de parte do recurso por este Sodalício, sob pena de incidir-se em supressão de instância (TJSC, Apelação Cível n. 0313556-62.2017.8.24.0064, de São José, rel. Des. Gerson Cherem II, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 21-11-2019).

Logo, deixa-se de conhecer do reclamo dos autores no ponto.

3. Do mérito

A insurgência investe contra sentença na qual o Magistrado de origem entendeu que os autores não demonstraram a contento o inadimplemento contratual da construtora acionada, em relação ao contrato de compra e venda de um imóvel firmado entre as partes.

Em suma, os autores, ora apelantes, asseveram que a demandada deixou de ofertar a documentação necessária para um financiamento do restante das parcelas do imóvel junto ao Banco Itaú, restando aludida operação bancária frustrada. Defendem, assim, que não possuem mais interesse na transação e que a requerida deu causa à rescisão contratual, daí porque, além do dano moral e das perdas e danos, os valores até então pagos devem ser integralmente devolvidos.

Todavia, analisando-se detidamente o caderno processual, entende-se que a sentença não comporta reformas.

Neste ponto, convém destacar que "A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos" (art. 475, CC).

Ocorre que, na hipótese em voga, o contrato firmado entre as partes previu expressamente que o adimplemento da parcela intermediária, vencida em 15/1/2015, dar-se-ia por meio de financiamento bancário a ser realizado com a Caixa Econômica Federal ou recursos próprios, conforme se vê do Quadro Resumo (fls. 119/126):

[...]

(g) DA FORMA DE PAGAMENTO DO PREÇO:

A forma de pagamento do saldo do preço mencionado na alínea (f.3) acima é a seguinte:

[...]

(g.1.2) Parcelas mensais (atualizada pelo CUB/SC):

Valor total das parcelas mensais para pagamento à vista:

R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais)

[...]

Data de vencimento da primeira parcela mensal: 18/1/2015

[...]

(g.2) Parcela intermediária, se através de financiamento bancário junto à Caixa Econômica Federal, o pagamento poderá ser submetido às condições do sistema financeiro de habitação - SFH:

Valor do saldo a financiar à vista:

R$132.000,00 (cento e trinta e dois mil reais)

Vencimento da parcela intermediária:

15/1/2015

(g.2.1) Caso a parcela constante na alínea (g.2) não seja paga através de financiamento bancário obtido junto a Caixa Econômica Federal e/ou recursos do Fundo de Garantia por tempo de Serviço - FGTS, deverá ser paga com recursos próprios do COMPRADOR, respeitando-se o seu vencimento, atualizada pelo CUB/SC, respeitando-se a forma de atualização e reajustes aqui previstos (grifos acrescidos).

Aludida previsão também consta do contrato firmado entres as partes na Cláusula 2.2.3 (fl. 77) e Cláusula Quarta (fl. 80).

Apesar disso, com anuência da construtora apelada, os requerentes optaram por realizar o financiamento junto ao Banco Itaú, ou seja, em instituição financeira diversa daquela prevista na avença e que não estava vinculada contratualmente à negociação, inclusive no que pertine ao prazo para liberação do financiamento e a documentação exigida - ao contrário do que ocorreria se a opção fosse pela CEF.

Assim, não havia prazo específico para que a construtora ofertasse os documentos necessários, a fim de que o financiamento pretendido pelos acionantes restasse perfectibilizado, mormente porque, como visto, aludida modalidade de pagamento não estava contratualmente prevista.

Desse modo, na falta de prazo específico para tanto, eventual mora da construtora na entrega dos documentos somente poderia ser aferida, no caso concreto, à luz da boa-fé objetiva (art. 422, CC) - isto é, caso a construtora deixasse de observar os deveres anexos ou...

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