Acórdão Nº 0304027-57.2017.8.24.0019 do Quarta Câmara de Direito Civil, 21-10-2021

Número do processo0304027-57.2017.8.24.0019
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
                				Apelação Nº 0304027-57.2017.8.24.0019/SC
                				RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
                				 APELANTE: VISION TRANSPORTES EIRELI APELADO: VIDECAR CONCORDIA CAMINHOES LTDA
                			
                 RELATÓRIO
                
                Acolho o relatório da sentença (evento 40 dos autos de primeiro grau), de lavra do Juiz de Direito João Bastos Nazareno dos Anjos, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:
                 Vision Transportes Ltda ajuizou demanda contra Videcar Concórdia Caminhões Ltda com o fito de obter provimento jurisdicional para condenar a parte ré ao pagamento de indenização de danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e abatimento proporcional do caminhão adquirido. Narrou a parte autora que, em 19 de outubro de 2016, adquiriu cavalo mecânico da requerida pelo valor de R$ 150.000,00, que foi devidamente pago. Sobrevieram, meses após o negócio, problemas mecânicos no caminhão que, depois descobriu-se, já havia se envolvido em sinistro de considerável monta - o que fora omitido quando da negociação. Aduziu que suportou prejuízos pertinentes às despesas com o conserto do veículo e aos dias em que ele ficou sem transportar cargas, tudo isso em decorrência dos vícios ocultos que se abrigavam no cavalo mecânico. Inexitosa a audiência de conciliação, foi oferecida a contestação às fls. 71-89, oportunidade em que alegou que: a garantia de 12 meses era atinente só às peças novas; a parte autora não teria provado que não foi informada do sinistro; entre a data da venda e o dia 21 de agosto de 2017, o caminhão já tinha rodado mais de 94 mil quilômetros; não há provas idôneas para se distinguir se os defeitos foram advindos do tombamento ou do desgaste das peças; prejudicial de mérito da decadência; não incidência do CDC. Réplica às fls. 98-108. Na audiência de instrução e julgamento à fl. 126 foram ouvidas testemunhas e colhido os depoimentos pessoais das partes, bem como oferecidas as alegações finais remissivas.
                O Magistrado reconheceu a decadência, nos seguintes termos:
                 Ante o exposto, reconheço a decadência e EXTINGO o feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, II do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% do valor da causa, nos moldes do art. 85, §2º do CPC.
                Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação. Postula a aplicação do disposto no artigo 445, § 1º do Código Civil, que estabelece o prazo de 180 dias para reclamação por defeitos no caminhão adquirido, estando comprovado nos autos que o último deles foi constatado em 21-8-2017 com a necessidade de troca de peças. Desse modo, entende que entre essa data e o ajuizamento da ação (24-10-2017) passaram apenas 63 dias. Alega que "não há pedido de substituição dos equipamentos ou do caminhão, mas sim indenização pelos danos materiais suportados". Suscita a incidência do prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 205, § 3º, inciso V, do Código Civil, ou de cinco anos disposto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. Aduz que os problemas mecânicos certamente decorreram de sinistro sofrido pelo caminhão antes da venda à recorrente, dolosamente ocultado pela apelada. Ao final, salienta que os danos materiais encontram-se devidamente comprovados no feito, dentre eles os gastos com os consertos, os lucros cessantes e a depreciação do veículo (evento 45 dos autos de origem).
                Contrarrazões no evento 49 dos autos de primeira instância.
                
                				VOTO
                			
                De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a exceção contida no § 2º, VII, segunda parte, do mesmo dispositivo legal.
                O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
                Afigura-se incontroverso no feito que a autora adquiriu da empresa ré um caminhão sinistrado.
                As imagens apresentadas junto à inicial revelam o seu tombamento (informações 21-24 dos autos de origem).
                Em audiência, o preposto da parte demandada admitiu que este fato não foi mencionado no momento do negócio ao representante da demandante.
                Como se sabe, "constitui vício oculto o fato de o veículo adquirido pelo autor ter sido objeto de sinistro, recuperado e colocado em circulação, quando comprovado que ele não foi informado quanto à real condição do automóvel" (Apelação Cível n. 5000232-54.2020.8.24.0042, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 20-7-2021).
                A demandante imputa a este acidente os problemas mecânicos surgidos a partir de 28-6-2017, os quais lhe geraram prejuízos financeiros.
                Desse modo, ajuizou a demandada indenizatória acima relatada, buscando a reparação dos danos materiais sofridos, consubstanciados no valor gasto com os consertos (R$ 46.579,69), nos lucros cessantes referentes ao período em que o caminhão ficou parado (R$ 4.000,00) e na depreciação do veículo por ter sofrido sinistro.
                Todavia, o togado reconheceu a decadência dos pleitos, sob os seguintes fundamentos (evento 40 dos autos de primeiro grau):
                 Dito isso, antes de averiguar a decadência do direito do autor, impende registrar que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável ao caso em comento, haja vista que, à luz da teoria finalista mitigada, não reconheço qualquer vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, pelo fato de a parte autora, segundo a alteração contratual n. 8 no seu contrato social (fls. 19-20), ostentar como objeto o "transporte rodoviário de carga" e o "agenciamento de cargas". Ora, é evidente que uma transportadora de cargas não é destinatário final (fático ou economicamente) de um caminhão adquirido da parte ré, porque tal contratação estampa um consumo intermediário, sendo que o produto retorna para as cadeias deprodução e distribuição. [...] Nesse ínterim, dado que aplicação do Código Civil é imperiosa, cabe examinar a decorrência ou não do prazo decadencial, tendo em vista o art. 445 do Código Reale: "Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade". Porém, o § 1º do art. 445 do Código Civil preceitua a respeito do termo inicial do prazo para ajuizamento da ação redibitória ou estimatória, quando o vício só puder ser conhecido mais tarde, devendo "o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis". No caso em epígrafe, ainda há que se atentar para o teor do art. 446 do CC, segundo o qual "não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência". O contrato foi avençado no dia 19 de outubro de 2016, e a garantia contratual é de 3 meses (cláusula 14 - fl. 22), sendo certo que, após o fim dessa garantia, passou a transcorrer o prazo decadencial do art. 445 do CC, que só findaria no dia 18 de julho de 2017. No entanto, como ficou demonstrado nos autos, a parte autora teve o veículo consertado no estabelecimento da parte ré no dia 28 de junho de 2017 (documento de fls. 27-29), do que reputo denunciado o vício, conforme previsto no art. 446 do CC. Malgrado ter detectado o vício - e denunciado
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