Acórdão Nº 0304156-27.2019.8.24.0008 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-05-2021

Número do processo0304156-27.2019.8.24.0008
Data13 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0304156-27.2019.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: LAURA DE FRANCA (AUTOR) ADVOGADO: EDUARDO FARIA DE OLIVEIRA CAMPOS (OAB PR037730) ADVOGADO: LUIZ PIRES DE MATTOS FILHO (OAB PR033936) APELADO: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU) ADVOGADO: ALESSANDRA MICHALSKI VELLOSO (OAB RS045283)

RELATÓRIO

Laura de França interpôs recurso de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo juízo da Vara de Direito Bancário da comarca de Blumenau, julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido liminar de tutela de urgencia c/c repetiçao de indébito e indenizacão por danos morais".

Cuida-se, na origem, de "ação declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido liminar de tutela de urgencia c/c repetiçao de indébito e indenizacão por danos morais" aforada por Laura de França contra Banco Daycoval S.A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito, - ou, alternativamente, a conversão da operação impugnada em empréstimo consignado regular -, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão da inexistência de contratação de reserva de margem consignada em seu benefício previdenciário, para contratação de cartão de crédito não solicitado e jamais utilizado (evento 1/1G).

Pela decisão lançada no evento 3/1G (decisão 8) foi concedida a gratuidade da justiça à autora e deferida a tutela de urgência para determinar a baixa da reserva de margem consignável do benefício previdenciário da autora.

Contra tal decisão, o réu interpôs agravo de instrumento (n. 4012882-19.2019.8.24.0000), o qual foi conhecido e parcialmente provido.

Citado, o réu apresentou contestação (evento 12/1G, contestação 16), arguindo, preliminarmente, a litigância de má-fé da autora. No mérito, argumentou, em resumo: (a) a regularidade da contratação realizada entre as partes, na medida em que a autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato; (b) a demandante não tinha a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, sendo esta modalidade de crédito, que não constitui venda casada, a única operação viável para a concessão do valor perseguido; (c) a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operaçãos distintas, sendo incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado; e (d) não se constata, na espécie, o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável. Ao final, juntou o contrato firmado entre as partes, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.

Réplica (evento 17/1G).

Sobreveio sentença de mérito, prolatada em 13-2-2020, pela juíza Cíntia Gonçalves Costi, que julgou improcedentes os pedidos formulados pela autora, o que se deu nos seguintes termos (evento 20/1G):

Ante o exposto, na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos consubstanciados na inicial.Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida.Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono do réu, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), ex vi o artigo 85, §8º do Código de Processo Civil, com exigibilidade suspensa pelo prazo de 05 anos, face aos benefícios da justiça gratuita (art. 98 § 3º do CPC) ora concedidos à parte autora.Publique-se Registre-se Intime-se.Em caso de apelação, verificado o cumprimento dos requisitos dos parágrafos 1º e 2º do art. 1.009 do CPC, ascendam os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, nos termos do parágrafo 3º do art. 1.010. Transitada em julgado, arquive-se.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação (evento 25/1G), alegando, em suma, que: (a) o contrato anexado pelo réu não corresponde àquele reclamado; (b) o pacto é inválido, pois foi ludibriada pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, porquanto nunca utilizou o cartão de crédito; (c) a forma como o desconto é realizado, torna o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização; (d) diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, pois nunca utilizou o cartão, tampouco o recebeu; (e) a operação deve ser cancelada, com a respectiva suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia indevidamente cobrada, ou, alternativamente, a conversão do crédito contrato em operação de empréstimo pessoal consignado; e (f) o banco deve ser condenado ao pagamento de danos morais. Pugna, ao final, pela reforma da sentença.

Contrarrazões (evento 30/1G).

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos ao Desembargador José Maurício Lisboa, que determinou sua redistribuição a este relator, em razão da vinculação ao agravo de instrumento n. 4012882-19.2019.8.24.0000 (evento 7/2G).

Vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

1. Do exame de admissibilidade do recurso

Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

A análise de mérito do recurso tem repercussão no seu juízo de admissibilidade, de modo que o exame se dá de forma conjunta a seguir.

2. Fundamentação

2.1 Do contrato reclamado

Insurge-se a apelante contra o contrato anexado aos autos pelo réu, sob o argumento de que não corresponde à contratação reclamada, na medida em que celebrado em 13-11-2015, enquanto a inclusão em seu benefício previdenciário ocorreu em 9-11-2015, quatro dias antes, portanto.

Não obstante sua alegação, em análise aos autos de primeiro grau, ao se manifestar na réplica (evento 17/1G), a autora não se insurgiu quanto às informações contidas no contrato; com efeito, em nenhuma linha sequer teceu os argumentos agora despendidos. Logo, não é possível conhecer desta insurgência, pois não submetida ao contraditório e, por isso, não apreciada pelo juiz de primeiro grau.

Além disso, oportuno registrar que no documento anexado no evento 1/1G, informação 6, há a averbação de um único contrato de cartão de crédito, tornando crível que o contrato anexado aos autos corresponde ao negócio reclamado pela autora.

Portanto, tratando-se de inovação recursal, tal aspecto do recurso não pode ser conhecido.

2.2 Da (ir)regularidade da operação contratada entre as partes

A autora sustenta a invalidade da operação pactuada com a casa bancária, porquanto teria sido por ela ludibriada, pois pretendia contratar unicamente empréstimo pessoal consignado, e não saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, ressaltando que, à época da contratação impugnada, possuía margem consignável disponível para contratação de empréstimo consignado convencional.

Analisados os autos, verifica-se, todavia, que sem razão a parte demandante.

A princípio, necessário destacar que a própria autora, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.

[...]

Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em...

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