Acórdão Nº 0304184-55.2018.8.24.0064 do Quarta Câmara de Direito Civil, 03-02-2022

Número do processo0304184-55.2018.8.24.0064
Data03 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0304184-55.2018.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO

APELANTE: MARCELA SOUZA (AUTOR) APELANTE: BRADESCO SEGUROS S/A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual, bem como para melhor explanar a situação fática, adoto o relatório elaborado na sentença, por delinear com precisão os contornos da lide [evento 24 - EPROC1]:

"MARCELA SOUZA, qualificada nos autos, ajuizou ação de cobrança de indenização securitária contra BRADESCO SEGUROS S/A, também qualificada.

Alegou, em síntese, que: a) em 22-12-2017, ocorreu o falecimento do seu esposo Zulmair Raimundo Farias Junior; b) o de cujus firmara com a ré contrato de seguro de vida coletivo, do qual é a única beneficiária; c) instada a pagar a respectiva indenização securitária, a ré respondeu-lhe negativamente, por se tratar suicídio ocorrido durante os primeiros 2 (dois) anos da contratação do seguro; d) todavia, como o suicídio do de cujus não foi premeditado, tendo ocorrido pela ingestão de grande quantidade de drogas, é devido o pagamento da indenização securitária equivalente a 26 vezes sua última remuneração de R$ 3.313,22.

Requereu a citação da ré e, ao final, sua condenação ao pagamento de indenização securitária equivalente a 26 vezes R$ 3.313,22

Deu à causa o valor de R$ 86.143,72 (oitenta e seis mil, cento e quarenta e três reais e setenta e dois centavos).

Juntou documentos.

Citada, a ré apresentou resposta, na forma de contestação (evento 10), sustentando que: a) a causa do óbito do segurado foi asfixia por enforcamento; b) entre as datas de ingresso do de cujus no seguro de vida em grupo e de seu suicídio, 2-10-2017 e 22-12-2017, não decorreu o período de dois anos de carência legal; c) o capital segurado limita-se a R$ 38.636,00.

Requereu sejam julgados improcedentes os pedidos.

A autora manifestou-se sobre a contestação (evento 14)".

Por conseguinte, sobreveio sentença, sendo os pedidos julgados improcedentes, nos seguintes termos:

Ante o exposto, julgo procedente, em parte, com resolução do mérito (CPC, art. 487, inc. I), o pedido formulado por Marcela Souza contra Bradesco Seguros S/A, para condenar a ré a restituir a reserva técnica formada em função das apólices de seguro de vida emitidas em nome do falecido esposo da autora, cujo valor deve ser apurado em liquidação de sentença, com acréscimo de correção monetária, segundo os índices oficiais da CGJ/SC, desde a data do respectivo desembolso, e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da citação (CC, art. 405 e 406).

Por ter a ré decaído em parte mínima dos pedidos (CPC, art. 86, parágrafo único), condeno apenas a autora a pagar as despesas processuais (CPC, art. 82, § 2º) e honorários advocatícios, cujo valor fixo em 10% sobre o valor da causa (CPC, art. 85, § 2º), mas cuja exigibilidade torno suspensa, por lhes conceder o beneficiário da gratuidade judiciária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Opostos Embargos de Declaração pela seguradora, aduzindo a ocorrência de omissão, uma vez que a restituição da reserva técnica não era o pedido inicial da autora, sendo, portanto, extra petita a sentença, restaram rejeitados [evento 28 e 37 - EPROC1].

Inconformada, a Requerente interpôs Recurso de Apelação [evento 33 - EPROC1], pugnando pela reforma da sentença, arguindo preliminarmente a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. E no mérito, defende o dever de indenizar pela seguradora, pois além de não se tratar de um suicídio, pois o laudo sequer comprovou que foi um suicídio, vez que o de cujus estava completamente drogado, não estando consciente dos seus atos, faleceu sem saber o que estava fazendo.

Também aduz que a jurisprudência é pacífica no sentido de entender que a seguradora é obrigada a pagar a indenização prevista no contrato de seguro de vida, independentemente do prazo da carência, se comprovado que o suicídio não foi premeditado, o que afirma ser o caso dos autos.

Igualmente irresignada a Requerida interpôs Recurso de Apelação [evento 45- EPROC1], arguindo preliminarmente a nulidade parcial da setença, por ser extra petita, vez que o juízo singular condenou a seguradora ao pagamento da reserva técnica, o que sequer foi objeto da petição inicial.

No mérito, defende que não há como a seguradora ser compelida a devolver um capital que não existe, tendo em vista que no contrato de seguro firmado entre as partes o regime financeiro adotado não permite a constituição de reserva técnica.

Contrarrazões apresentadas pelos litigantes [evento 52 e 56 - EPROC1].

Este é o relatório.

VOTO

Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada e sua publicação ocorreram sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

No mais, os recursos de apelações interpostos são cabíveis, tempestivos e preenchem os requisitos de admissibilidade, razão pela qual defiro o seu processamento, passando a análise das teses recursais, trazidas nos recursos.

1. Do Recurso de Apelação da Requerente

1.1. Preliminarmente

1.1.1. Nulidade da Sentença por Cerceamento de Defesa

Inicialmente sustenta a Requerente/Apelante, em preliminar, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, uma vez que o juízo singular julgou antecipadamente a lide, sem oportunizar a produção de prova, cujo pedido teria sido expressamente feito, cuja intenção seria de comprovar a inexistência do suicídio alegado pela seguradora, ora Requerida.

Sem razão o Apelante.

Isto porque, é cediço que ao juiz, como destinatário final das provas, segundo disposição do art. 371 do Código de Processo Civil, cabe determinar a produção das provas necessárias à instrução do processo, ou ainda, indeferir a produção de outras, ainda que requeridas pelas partes, quando verificar que constam informações suficientes a favor ou contra o direito invocado na exordial, e se tratar de diligências inúteis ou meramente protelatórias. In verbis: "O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento".

Igualmente, o julgamento antecipado da lide é autorizado nos termos do art. 355 do CPC, inclusive quando ocorrer à revelia (art. 355, II, do CPC).

Aliás, é assente que "não acarreta o julgamento antecipado da lide cerceamento de defesa quando o magistrado, como destinatário das provas que é, fundamenta a dispensa delas em razão de ter firmado seu convencimento em elementos probantes presentes nos autos" (Apelação Cível n. 2012.030853-2, de São José, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 1-8-2013).

E no caso em apreço, nada obstante as razões do Requerente/Apelante, registre-se que diferentemente do que pretende fazer crer a Requerente, ao ser intimada para se manifestar sobre as provas, a mesma afirmou, "A Autora acredita que todas as provas juntadas nos autos do processo são suficientes para instruir o feito. No entanto, caso Vossa Excelência tenha alguma dúvida, principalmente com relação a questão da inexistência de "suicídio", arrola-se as seguintes testemunhas (...)".

Denota-se dai que a Requerente, facultou a realização de outras provas, ao critério do juízo, que por sua vez, julgou o feito antecipadamente, sem determinar a produção de prova testemunhal, justamente por entender que a prova documental e pericial constante aos autos, autoriza o julgamento do feito no estado em que se encontra o que fez com fundamento no art. 355 do CPC. Muito porque, a prova testemunha em nada serviria para comprovar a ocorrência ou não de suicídio, tampouco, se premeditado ou não.

E, portanto, em nenhum momento, a parte demandante teve seu direito de produzir provas, tolhido pelo juízo singular.

Ademais, "mesmo cabendo às partes o ônus da prova (art. 373), é o juiz quem verifica a conveniência de sua produção e seleciona quais as indispensáveis para a instrução e o julgamento da lide. Significa dizer que ele não está obrigado a atender ao pedido da parte que deseja produzi-la se for desnecessária, uma vez que o objetivo da instrução probatória é fornecer elementos necessários à formação do convencimento do magistrado e, se já existentes nos autos esses elementos, a produção seria meramente protelatória" (TJSC, Apelação Cível n. 0310774-94.2015.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 28-01-2020).

E do mesmo entendimento, corrobora-se, porquanto, a decisão impugnada não merece censura, na medida em que a oitiva de testemunhas somente protelaria a entrega da prestação jurisdicional e em nada alteraria o convencimento do Juízo quanto ao contexto fático posto em julgamento, porquanto, como será a seguir fundamentado nesta decisão, não indenização securitária a ser recebida pela demandante em razão do falecimento do seu marido, haja vista o mesmo ter cometido suicídio dentro do prazo de carência.

Até porque, vale lembrar que "o simples requerimento de provas não torna imperativo o seu conhecimento, sendo certo que o juiz pode, diante do cenário dos autos dispensá-las, se evidenciada a desnecessidade de sua produção' (STJ, Resp 50.020-PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Em outros termos, inocorre cerceamento de defesa se não atendido pedido expresso de produção de prova" (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT