Acórdão Nº 0304663-56.2017.8.24.0008 do Terceira Câmara de Direito Civil, 11-02-2020

Número do processo0304663-56.2017.8.24.0008
Data11 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0304663-56.2017.8.24.0008

Relator: Desembargador Marcus Tulio Sartorato

CONSUMIDOR. COBRANÇA DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DO AUTOR. PRETENDIDO O RECEBIMENTO DO VALOR INTEGRAL DA COBERTURA POR INVALIDEZ PERMANENTE POR ACIDENTE. ARGUIDA FALTA DE CONSENTIMENTO QUANTO ÀS CLÁUSULAS RESTRITIVAS CONSTANTES DAS CONDIÇÕES GERAIS DO SEGURO. INSUBSISTÊNCIA. CONTRATAÇÃO INTERMEDIADA POR ESTIPULANTE, QUE AGE COMO MANDATÁRIA DO SEGURADO PERANTE A SEGURADORA (ART. 21, § 2º, DO DECRETO-LEI N. 73/1966). DEVER DE INFORMAR O SEGURADO QUE, NESSE CASO, PERTENCE À ESTIPULANTE (ART. 3º, III, DA RESOLUÇÃO N. 107/2004 DO CNSP). PRECEDENTES. MODALIDADE CONTRATUAL PREVISTA EM LEI (ART. 801, CÓDIGO CIVIL) E COMPATÍVEL COM OS ARTS. 6º, III, E 14 DO CDC. CONDIÇÕES GERAIS PLENAMENTE APLICÁVEIS. VALOR INDENIZATÓRIO QUE DEVE SER APURADO SEGUNDO A TABELA PREVISTA NESSE DOCUMENTO. DIREITO CORRETAMENTE QUANTIFICADO NA ORIGEM. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DATA DA CONTRATAÇÃO DO SEGURO. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA NESSE PARTICULAR. RECONHECIDO O DIREITO À CORREÇÃO DO VALOR PAGO NA VIA ADMINISTRATIVA. SUCUMBÊNCIA DA RÉ EM PARTE MÍNIMA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS INALTERADA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A estipulante, na contratação do seguro em grupo, age como mandatária (representante) do segurado perante a seguradora, e em seu nome realiza os atos necessários à celebração do seguro (art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/1966). Nessa modalidade, portanto, quem possui a obrigação de informar o segurado acerca das disposições contratadas é a estipulante. Assim prevê o art. 3º, inciso III, da Resolução n. 107/2004 do CNSP, segundo o qual é obrigação da estipulante - e não da seguradora - "fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato de seguro".

2. "Os valores da cobertura de seguro de vida devem ser acrescidos de correção monetária a partir da data em que celebrado o contrato entre as partes. Precedentes" (STJ, EDcl no Resp 765.471/RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0304663-56.2017.8.24.0008, da comarca de Blumenau 2ª Vara Cível em que é Apelante Iderlaino Cardoso de Araújo e Apelado Sul América Seguro de Pessoas e Previdência S/A.

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso e fixar honorários recursais nos termos do voto. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, a Exma. Sra. Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta e o Exmo. Sr. Des. Saul Steil.

Florianópolis, 11 de fevereiro de 2020.

Desembargador Marcus Tulio Sartorato

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado à fl. 440, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:

Iderlaino Cardoso de Araújo propôs "AÇÃO DE COBRANÇA DE COMPLEMENTAÇÃO DE SEGURO DE VIDA" contra Sul América Companhia Nacional de Seguros, ambos qualificados nos autos, alegando, em síntese, que em 1º-05-2016, em razão de acidente de trânsito, sofreu fratura cominutiva do terço distal do antebraço esquerdo e fratura luxação exposta do tornozelo esquerdo, que lhe deixou com invalidez parcial permanente. Narrou que recebeu administrativamente, em 24/01/2017, uma indenização de R$ 1.694,00, menor da que tinha direito. Busca, então, a complementação da indenização referente ao seguro. Requereu a justiça gratuita.

Justiça gratuita concedida (fl. 118).

Citada (fl. 122), a ré apresentou contestação (fls. 124-151), peça em que afirmou que já pagou ao autor o valor da indenização devida, considerando a extensão da invalidez. Por isso, requereu a improcedência da ação.

Houve réplica (fls. 382-387).

Foi produzida prova pericial (fls. 421-430), sobre a qual somente a parte ré manifestou-se (fls. 435-438).

Vieram-me os autos conclusos.

O MM. Juiz de Direito, Dr. Clayton César Wandscheer, decidiu a lide nos seguintes termos (fls. 444/445):

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado na inicial, para condenar a parte ré a pagar à parte autora R$ 286,00, acrescido de correção monetária (INPC) a partir do ajuizamento da data do pagamento administrativo (24/01/2017) e de juros de mora (1% ao mês) a partir da citação (08/07/2017).

Como a parte autora sucumbiu quase na íntegra, condeno-lhe ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, fixados estes em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Contudo, por ser o autor beneficiário da Justiça Gratuita (fl. 44), as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário (art. 98, § 3º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 468/497), argumentando que não lhe podem ser aplicadas as cláusulas restritivas constantes das condições gerais do seguro, uma vez que não foram levadas ao seu conhecimento no momento da contratação. Alegou que o dever de informação é também da seguradora em casos tais. Aduziu ainda que a sua invalidez permanente é total, razão pela qual faz jus à integralidade do valor previsto na apólice. Defende que a cláusula que limita o pagamento da indenização coloca o consumidor em desvantagem, desequilibrando o contrato. Pugnou, ainda, pela alteração do termo inicial de incidência da correção monetária para a data da contratação do seguro. Por fim, requereu a correção do valor já pago na via administrativa.

Em contrarrazões (fls. 507/523), a ré pugna pelo desprovimento do recurso da parte adversa.


VOTO

1. Quanto à aplicabilidade das normas consumeristas aos contratos de seguro, este Tribunal tem orientação firme no sentido de que "as relações que envolvem contrato de seguro serão regidas pelas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor" (TJSC, Apelação Cível n. 2015.082471-2, de Gaspar, rel. Des. Fernando Carioni, j. 15-12-2015). No mesmo sentido: TJSC, Apelação Cível n. 2014.041543-1, de São José, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. 26-11-2015; TJSC, Apelação Cível n. 2015.047679-3, de Trombudo Central, rel. Des. Newton Trisotto, j. 11-02-2016.

2. No mérito, analisa-se primeiro a questão do direito à informação. O argumento deduzido pela parte autora é no sentido de que a cientificação pessoal do beneficiário pela seguradora, acerca das cláusulas limitativas de direito presentes nas condições gerais do contrato de seguro em grupo, é pré-requisito para que as restrições lá previstas lhe sejam oponíveis. Na realidade, trata-se de tese bem conhecida neste Tribunal e, até período recente, acolhida de modo recorrente em sua jurisprudência, inclusive por este Relator em decisões anteriores.

No entanto, esta Câmara tem revisto o posicionamento que adota a respeito - como outras já o têm feito nesta Corte - pelas razões que a seguir serão esmiuçadas.

A contratação de um seguro em grupo, realizada por meio de um estipulante, não se processa da mesma forma que a celebração de um seguro de pessoa individual. Em voto proferido no Recurso Especial n. 1.170.855/RS, o Ministro Luis Felipe Salomão descreveu com precisão as peculiaridades da contratação dessa espécie de seguro, explicando a relação jurídica que se forma, nessa figura, entre segurado, estipulante e segurador:

[...]

Embora seja unitário o conceito de seguro, é fato que esse contrato se subdivide em espécies, todas com particularidades que mereceram destaque da legislação, mas nenhuma delas se afastou da essência do gênero, consistente na garantia de um interesse legítimo e a compensação do dano, pessoal ou patrimonial.

[...]

Avançando nessa linha de raciocínio, oportuno salientar, sobre as diferentes formas de estipulação do seguro de vida, que é possível nessa modalidade o ajuste diretamente pelo segurado ou por intermédio de uma pessoa jurídica ou natural, em proveito de um grupo.

[...]

Percebe-se, destarte, que no contrato de seguro de vida em grupo, cuja estipulação é feita em favor de terceiros, três serão as partes interessadas: estipulante, responsável pela contratação com o segurador; segurador, que garante os interesses com a cobertura dos riscos especificados e o grupo segurado, usufrutuários dos benefícios, que assumem suas obrigações para com o estipulante.

O Decreto-Lei n. 73/1966, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguros e resseguros, define a figura do estipulante em seu art. 21, §§ 1º e 2º. Confira-se o teor do dispositivo:

Art. 21. Nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os efeitos de contratação e manutenção do seguro. § 1º Para os efeitos deste decreto-lei, estipulante é a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário. § 2º Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.

Encontra-se previsão daquele sujeito da relação contratual também no Código Civil:

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

Também a Resolução n. 41/2000, do Conselho Nacional de Seguros Privados - órgão incumbido de fixar as diretrizes e normas da política governamental para os segmentos de Seguros...

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