Acórdão Nº 0304670-07.2018.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-01-2023

Número do processo0304670-07.2018.8.24.0075
Data26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0304670-07.2018.8.24.0075/SC



RELATOR: Desembargador MARIANO DO NASCIMENTO


APELANTE: KUERTEN & MATOS LTDA (AUTOR) APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO UNICRED SUL CATARINENSE LTDA - UNICRED SUL CATARINENSE APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Por brevidade, adota-se o relatório da sentença (evento 30), in verbis:
KURTEN & MATOS LTDA devidamente qualificada, propôs neste juízo, a presente AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS contra a COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE UNICREDI SUL CATARINENSE LTDA, também qualificada, alegando, em síntese, que a empresa autora é cliente da referida Instituição Financeira através da conta corrente nº 751731, mantida junto à agência 566.
Narra que na movimentação da conta corrente e nos empréstimos realizados houve a cobrança de juros extorsivos e capitalizados, além de outros encargos que reputa abusivos.
Assim, após elencar as razões de direito que entende aplicáveis ao caso, pugnou pela procedência do pedido, a fim de ver revisados os contratos para afastamento das ilegalidades.
Pugnou, ainda, pela antecipação de tutela, tendente a suspensão da cobrança de alguns contratos, em face da respectiva quitação e a exclusão/não inclusão do nome da Requerente nos órgãos de proteção do crédito.
Formulou, também, os demais requerimentos de praxe, bem como os legais, valorou a causa em R$ 1.448,04 e juntou credenciais e documentos às fls. 47/503.
Às folhas 505/507 foi indeferida a liminar postulada.
Regularmente citada (fl. 511), veio aos autos a Requerida, oferecendo contestação às fls. 513/565, arguindo, preliminarmente, prescrição da pretensão de revisão da cédula de crédito bancário n. 2008400420 e não incidência do CDC. No mérito, rechaçou os argumentos apresentados na inicial para a revisão dos contratos em comento, defendendo, em síntese, a legalidade dos encargos avençados, pleiteando a total improcedência da demanda.
Réplica às fls. 2.042/2.059.
Vieram-me os autos conclusos.
É o Relatório.
Sobreveio sentença nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos da presente AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATOS, apenas para afastar o CDI como fator de correção monetária, devendo ser aplicado em substituição o INPC.
CONDENO a Autora, eis que decaiu de grande parte do pedido, ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00, forte nos arts. 85, § 8º e 86, § único, ambos do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se. (evento 30 - grifo original)
Opostos embargos de declaração pela cooperativa de crédito (evento 35), estes foram acolhidos "para o fim de JULGAR EXTINTA a presente demanda em relação à Cédula de Crédito Bancário n. 2015400543" (evento 43).
Ainda inconformada, a parte ré interpôs recurso de apelação alegando, em suma, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso, bem como a legalidade da utilização do Certificado de Depósito Intercambiário - CDI nos contratos. Requereu, assim, o conhecimento do recurso bem como o prequestionamento dos dispositivos legais suscitados (evento 48).
Por seu turno, a parte autora utilizou-se igualmente da via recursal defendendo, em suma: a) a "abusividade na pactuação dos juros remuneratórios no contrato de abertura de crédito - cheque especial n. 2008041237 e no contrato de empréstimo n° 2010400585" (evento 54, doc. 1, p. 6); b) a limitação da "taxa de juros remuneratórios no período de inadimplência nos contratos de nº 2013401929; nº 2009400058; nº 2008400420 e nº 2012401484 para o patamar estabelecido no instrumento contratual para o período de normalidade em cada contrato acima mencionado, tendo em vista serem mais benéficas ao consumidor" (evento 54, doc. 1, p. 8); c) a irregularidade da capitalização de juros; d) o "afastamento da Tabela Price no contrato de mútuo n° 2012401484" (evento 54, doc. 1, p. 12); e) a descaracterização da mora; f) a impossibilidade de cobrança de comissão de permanência cumulativamente aos demais encargos de mora; g) a repetição, em dobro, dos valores pagos indevidamente. Forte em tais argumentos, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso, com a inversão dos ônus sucumbenciais (evento 54).
Ofertadas contrarrazões (eventos 59 e 60), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
Inicialmente distribuído à relatoria do Des. Guilherme Nunes Born, o feito foi redistribuído, por sorteio, em razão da declarada suspeição (evento 2 do recurso).
Vieram-me os autos conclusos

VOTO


Trata-se de recursos de apelação da sentença prolatada na ação de revisão de contratos n. 0304670-07.2018.8.24.0075, que move Kuerten & Matos Ltda. em desfavor de Cooperativa de Crédito Unicred Sul Catarinense Ltda. - UNICRED SUL CATARINENSE, objetivando a revisão das Cédulas de Créditos Bancários ns. 2008400420 (evento 1, docs. 26-30), 2009400058 (evento 1, docs. 34-38), 2010400585 (evento 1, docs. 42-47), 2013401929 (evento 1, docs. 65-70), além do Contrato de Mútuo com Alienação Fiduciária de Imóvel n. 2012401484 (evento 1, docs. 49-54) e do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente - Cheque Especial n. 2008041237 (evento 1, docs. 23-24). Saliente-se que o contrato n. 2015400543 (evento 1, docs. 72-76), que inicialmente fazia parte da pretensa revisão, foi objeto de acordo entre as partes e, por isso, excluído posteriormente da presente ação (evento 43, doc. 149).
Ao proferir a sentença, o juízo singular acolheu em parte o pedido exordial (evento 30), tendo ambas as partes interposto recursos de apelação.
Porque satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso interposto pela cooperativa de crédito demandada. Conheço, todavia, em parte o recurso da requerente, exceto quanto ao pleito de afastamento da cobrança cumulada de comissão de permanência e demais encargos moratórios, haja vista que carece a parte de interesse processual no ponto, conforme adiante fundamentado.
Feitos os necessários apontamentos, passo à análise das insurgências recursais.
1. Do recurso interposto pela cooperativa de crédito ré
1.1. Da inaplicabilidade da legislação consumerista
A cooperativa ré sustenta a impossibilidade de aplicação do disposto no Código de Defesa do Consumidor ao presente caso por se tratar de relação havida entre cooperativa e cooperada, sendo esta pessoa jurídica.
Encontra-se sumulado o entendimento de que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula n. 297 do STJ), sendo um direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas" (art. 6º, V, Lei n. 8.078/1990).
Ainda, quanto ao enquadramento das cooperativas no conceito de instituição financeira, o Superior Tribunal de Justiça apresenta precedentes "no sentido de se admitir a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre cooperados e cooperativas, especialmente aquelas que desenvolvem atividades relacionadas com a concessão de crédito, porquanto equiparadas às instituições financeiras" (AgRg no AREsp n. 560.813/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. J. em: 15-82017).
No mesmo norte tem se posicionado esta Corte de Justiça:
CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. EMBARGOS À EXECUÇÃO ACOLHIDOS EM PARTE. IRRESIGNAÇÃO DE AMBAS AS PARTES.APELO DA EXEQUENTE-EMBARGADA.COOPERATIVA DE CRÉDITO QUE PRESTOU SERVIÇO EQUIPARÁVEL A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APLICABILIDADE DO CDC. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO STJ.
É inegável a equiparação de cooperativa de crédito que presta serviço bancário (conta corrente e afins) a uma instituição financeira e, por isso, o CDC é aplicável, nos termos, inclusive, da Súmula 297 do STJ: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". [...]
IRRESIGNAÇÃO DO EMBARGANTE PARCIALMENTE CONHECIDA E DESPROVIDA. APELO DA EMBARGADA PROVIDO EM APARTE. (TJSC, Apelação Cível n. 0001188-78.2011.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 21/02/2019) (grifei)
No tocante ao fato de a autora constituir pessoa jurídica, entretanto, é preciso observar especificamente as condições da relação havida entre as partes.
O CDC dispõe, em seu art. 2º, que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
A expressão "destinatário final" é alvo de controvérsia na doutrina, de modo que a interpretação conferida pode ser mais restrita ou mais ampla conforme a teoria adotada.
Prevalece na jurisprudência nacional, porém, a teoria finalista, mas em sua versão mitigada, visando a atender situações em que o adquirente, ainda que pessoa jurídica, apesar de retirar o produto ou serviço do mercado para fins profissionais, apresenta vulnerabilidade em face do fornecedor.
Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE RASTREAMENTO E COMUNICAÇÃO DE DADOS. FALHA. ROUBO DE VEÍCULO. RESCISÃO CONTRATUAL. 1. OFENSA AOS ARTS. 165 E 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TEMAS APRECIADOS PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. 2. APLICAÇÃO DO CDC. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGAÇÃO. 3. RESPONSABILIDADE. NEXO CAUSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. 4. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. NOVA ANÁLISE DA SITUAÇÃO FÁTICA. 5. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não viola os arts. 165 e 535 do CPC o acórdão que, integrado pelo julgamento proferido nos embargos de declaração, se pronuncia de forma suficiente para a solução da controvérsia deduzida nas razões recursais.
2. A jurisprudência desta Corte Superior tem mitigado a teoria finalista para aplicar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte, pessoa física ou jurídica, apesar de não ser tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em...

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