Acórdão Nº 0304756-18.2019.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 24-11-2020

Número do processo0304756-18.2019.8.24.0018
Data24 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0304756-18.2019.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: ROSA VILMA ALVES MARTINS (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Rosa Vilma Alves Martins interpôs Recurso de Apelação (Evento 25) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó que, nos autos da "ação declaratória c/c pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais" ajuizada em face de Banco PAN S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

3. ISTO POSTO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte ativa em face da parte passiva, resolvendo o feito, com julgamento de mérito, na forma prevista no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil.

Condeno a parte ativa ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte passiva arbitrados em 10% sobre o valor atribuído à causa. A exigibilidade das verbas devidas pela parte ativa ficarão sobrestadas, na forma do art. 98, §3º do Código de Processo Civil, pois beneficiária da Justiça Gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, tudo cumprido, arquivem-se.

(Evento 21, destaques no original).

Em suas razões recursais, a Requerente defende, em suma, que: a) a intenção da Demandante era firmar um contrato de empréstimo consignado com desconto em folha de pagamento em seu benefício previdenciário que foi desvirtuado pelo Banco para a modalidade de cartão de crédito consignado- RMC; b) jamais recebeu ou fez uso do cartão supostamente disponibilizado conforme faturas anexadas nos autos; c) diante da conduta realizada pelo Banco e da reserva de margem e dos descontos operados no benefício alimentar da Contratante são cabíveis no caso em tela a repetição simples do indébito e a condenação do Demandando em danos morais; d) deve ser declarada a inexistência do negócio jurídico pactuado e subsidiariamente sua conversão/ adequação para empréstimo consignado; e e) a sentença deve ser reformada para julgar procedentes os pleitos exordiais.

Empós, vertidas as contrarrazões (Evento 31), ascenderam os autos a este grau de jurisdição.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em 04-07-19, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Requerente ajuizou ação declaratória em face do Banco PAN S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que a Consumidora acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Exsurge da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:

O exame da documentação apresentada dá conta de que a parte ativa firmou com a instituição financeira "Termo de Adesão ao Regulamento para Utilização do Cartão de Crédito Consignado Pan" e "Solicitação de Saque Via Cartão de Crédito - Transferência de Recursos do Cartão de Crédito Pan" relativo a saque no valor de R$ 1.045,00, ambos datados de 13-10-2016 (Evento 10, CONTR20).

A parte passiva igualmente comprovou a emissão de faturas mensais (Evento 10, INF19) e o alegado envio das faturas à residência da parte ativa não foi por ela impugnado.

Vê-se, pois, que a parte ativa assinou o contrato, sacou o limite integral do cartão (COMP18) e autorizou o desconto mensal do valor mínimo da fatura em seu benefício previdenciário.

Ora, se a parte ativa firmou o contrato de cartão de crédito e fez uso do limite de crédito (o saque não foi em nenhum momento negado pela parte ativa) não há como pretender seja declarado inexistente o débito e muito menos repetidos os pagamentos efetuados. A parte ativa usufruiu do limite do cartão de crédito, devendo evidentemente arcar com seu pagamento. Não há lógica alguma em pretender reaver valores pagos em decorrência de empréstimo efetivamente tomado, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa.

Da mesma forma, não merece acolhida o pedido de conversão do negócio em contrato de empréstimo consignado.

(Evento 21).

Aflora do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Insurgente sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com as operações creditícias denominadas "termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão de crédito consignado PAN" (Evento 10, contrato 20).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Realço que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, a Demandante é detentora da benesse da gratuidade da justiça e aufere aposentadoria por idade.

Do extrato de pagamentos do benefício n. 149.978.748-8 (Evento 1, informação 7), infere-se: (a) a existência de empréstimos consignados ativos; (b) uma reserva de margem consignável para cartão de crédito; e (c) descontos RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Hipossuficiente e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia-a-dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

A propósito, quanto a este aspecto, destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% ou a efetivação de amortizações não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

É ilógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Hipossuficiente realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Gizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem...

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