Acórdão Nº 0304890-82.2019.8.24.0038 do Câmara de Recursos Delegados, 28-06-2023

Número do processo0304890-82.2019.8.24.0038
Data28 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










AGRAVO INTERNO EM Apelação Nº 0304890-82.2019.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA


AGRAVANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) AGRAVADO: MONICA FARIAS (AUTOR) AGRAVADO: MARLON FARIAS (AUTOR) AGRAVADO: MARIO CESAR FARIAS (AUTOR)


RELATÓRIO


Estado de Santa Catarina interpôs o presente agravo interno contra a decisão proferida pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, "a" do Código de Processo Civil, negou seguimento ao recurso extraordinário por considerar que o decisum objurgado está em consonância com a posição firmada no bojo de recurso representativo da controvérsia - RE 841.526/RS, rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 30-03-2016 - Tema 592/STF (evento 57).
Em suas razões recursais, sustentou o agravante que há dissonância entre o acórdão objeto do reclamo excepcional e o aresto paradigma (RE 841.526/RS - Tema 592/STF), na medida em que observou totalmente o dever de proteção ao custodiado, não podendo ser responsabilizado por ato que não podia evitar.
Ressaltou, ademais, que o Supremo Tribunal Federal afastou a aplicação da teoria do risco integral, e que "os fatos apurados nesta demanda demonstram claramenteque a morte do familiar da parte recorrida decorre, ao contrário, de acidente, imprevisível, eimpossível de ser evitado".
Por fim, pugnou pelo provimento do presente reclamo, com a posterior remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal a fim de viabilizar o regular processamento do recurso extraordinário (evento 73).
Em contrarrazões, a parte agravada requereu o desprovimento da insurgência e a manutenção integral da decisão combatida (evento 81).
É o relatório

VOTO


O recurso é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Superado esse introito, procedo à análise das razões declinadas na presente insurgência recursal.
Em apertada síntese, sustenta o agravante que, ao contrário do que constou no decisum recorrido, o acórdão objeto de recurso extraordinário está em dissonância com a tese cristalizada no aresto paradigma (RE 841.526/RS - Tema 592/STF), eis que observou totalmente o dever de proteção ao custodiado, não podendo ser responsabilizado por ato que não podia evitar. Nessa contextura, infere que afasta-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se a teoria do risco integral.
Contudo, razão não lhe assiste.
No julgamento do recurso-piloto acoimado, o Pretório Excelso sedimentou o entendimento de que "em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento".
O aresto utilizado como referência (RE 841.526/RS - Tema 592/STF) guarda a seguinte ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO (STF, RE 841526, Rel. Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 30-03-2016).
Por oportuno, do corpo do voto condutor do precedente obrigatório, julgado no âmbito do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, transcreve-se o seguinte fragmento:
[...] a jurisprudência deste tribunal tem admitido que a morte de detento gera responsabilidade civil objetiva para o Estado, em decorrência da sua omissão em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal. Nesse ponto, a argumentação até aqui desenvolvida converge com o entendimento do Pretório Excelso sobre a matéria.
É preciso, todavia, ir além, tecendo algumas considerações adicionais, a fim de excepcionar dessa regra geral algumas situações específicas.
Isso porque não basta, para que se configure a responsabilidade civil do ente público no mister da execução penal, a pura e simples inobservância do mandamento constitucional de que evite a morte do preso sob sua custódia, sendo necessário, também, que o Poder Público tenha a efetiva possibilidade de agir nesse sentido. Deveras, sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do...

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