Acórdão Nº 0304986-79.2014.8.24.0036 do Quarta Câmara de Direito Civil, 22-07-2021

Número do processo0304986-79.2014.8.24.0036
Data22 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0304986-79.2014.8.24.0036/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO


APELANTE: MARQUARDT & MARQUARDT ADMINISTRADORA LTDA APELADO: JOSE ADRIANO APELADO: JULIA PEIXER ADRIANO


RELATÓRIO


Em face do princípio da celeridade processual, adota-se o relatório da sentença recorrida (evento 136), por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:
"Marquardt & Marquardt Administradora Ltda., já qualificada nos autos, ajuizou a presente ação reivindicatória contra Julia Peixer Adriano e Espólio de José Adriano, igualmente qualificados. Aduziu ao juízo, em apertada síntese, que o imóvel descrito na inicial lhe pertence e que os réus se recusam a desocupá-lo, exercendo a injusta posse sobre o bem. À vista disso, requereu a postulante, inclusive liminarmente, sua imissão na posse do imóvel matriculado sob o nº 33360. Valorou a causa e juntou documentos.
O pleito de urgência foi indeferido às fls. 22/23.
Devidamente citada, a ré Julia Peixer Adriano apresentou resposta ao feito na forma de contestação. Alegou que o negócio de compra e venda registrado na matrícula do imóvel sob litígio não se coaduna com a realidade, porquanto somente foi levado a cabo para legitimar operação de agiotagem praticada pela família Marquardt. Sustentou, outrossim, a existência de erro substancial sobre a natureza do "negócio" encartado, dando conta de que, por ocasião da assinatura da escritura de compra e venda de fls. 14/16, acreditavam os réus que estavam apenas prestando garantia a empréstimo contraído por Idemar João Schmitz, mas não transferindo sua propriedade. Assim, requereu fosse julgado improcedente o pedido formulado na inaugural. Juntou documentos.
Houve réplica (fls. 298/303). Saneado o processo, foi deferida a produção de prova documental e prova testemunhal (fls. 316/317). O espólio de José Adriano, representado por Rosicler Adriano Schmitz, apresentou resposta ao feito às fls. 419/424. Na oportunidade, endossou os argumentos já expostos pela corré Juliana Adriano Peixer, especialmente no que toca à agiotagem perpetrada pela família Marquardt. Além disso, sustentou que já ocupa o imóvel discutido há mais de cinquenta anos e, assim, a par dos registros constantes na matrícula do bem, já adquiriu a propriedade deste por meio de usucapião, cujo reconhecimento pleiteou em sede de reconvenção.
Houve réplica (fls. 436/443).
Na audiência de instrução e julgamento, foram tomados os depoimentos pessoais das partes e também inquiridas cinco testemunhas (fl. 452). Com a concordância dos litigantes, foi deferido o prazo comum de cinco dias para a juntada de novos documentos. Em seguida, as partes apresentaram suas alegações finais por meio de memoriais (fls. 513/535 - autora e fls. 536/544 e 547/555 - réus).
Vieram-me conclusos.
É o relato do necessário".
Sentenciando o Togado a quo julgou improcedente o pleito exordial e consignou no dispositivo:
"Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado por Marquardt & Marquardt Administradora Ltda em face de Julia Peixer Adriano e Espólio de José Adriano.
Por consequência, declaro a anulação do negócio jurídico de compra e venda encartado entre as partes e, assim, determino que estas retornem ao status quo ante, resolvendo o mérito da lide, o que faço com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno a autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se".
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que: a) "os apelados alegaram a ocorrência do vício de consentimento da simulação (ocultando agiotagem e pacto comissório) - fatos constitutivos que para anulação do negócio jurídico, incumbem a estes a prova da ocorrência dos referidos elementos que supostamente afetaram sua vontade"; b) "o depoimento da ré Julia Peixer Adriano (vendedora direta do bem), somente vem a corroborar que a mesma deveria ter conhecimento (sendo sua a obrigação) do que estava assinando perante um tabelião, que com toda certeza a cientificou do negócio"; c) "a própria apelada confirma que sabia da transferência do imóvel, alegando que soube 1 (um) ano depois da transferência, isto é, em 1996 (23 anos), nesse sentido indaga-se o porquê a mesma não procurou reverter a situação já que agora alega desconhecimento e vício de consentimento, caindo sobre si inclusive a prescrição para a sua pretensão na anulação do negócio"; d) "não é tão simples assim a prova do 'vício de consentimento' porquanto os apelados têm o dever de compreender questões mínimas negociais, tais quais como quem assina uma escritura de compra e venda é porque está vendendo um bem"; e) "é absurdo acreditar-se que os apelados seriam levados a um Tabelionato e não saberiam o que estavam assinando, porquanto são deveres dos cartórios cientificarem as partes sobre os termos do negócio que estão assinando, sob sua inteira e integral responsabilidade"; f) "a requerida, Sra. Rosicler, filha e esposa dos acima referenciados, responde por alguns processos naquela comarca, inclusive por processo-crime [...], possui comportamento contumaz de, em tese, simular negócios, respondendo inclusive por suposto estelionato".
Ao final pugnou a reforma in totum da sentença para julgar procedente o pedido inicial, reconhecer a prescrição da anulação/nulidade do negócio jurídico e, por fim, readequar os ônus sucumbenciais.
Contrarrazões às fls. 01/07 do evento 145 e fls. 01/07 do evento 146.
Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso.
Os autos vieram conclusos.
Este é o relatório

VOTO


Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada foi prolatada em 03.04.2019 e publicada 07.05.2019, ou seja, sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:
"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
O recurso interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual defiro o seu processamento.
1. Mérito
Insurgem-se a parte autora contra a sentença que julgou improcedente a presente ação reivindicatória e declarou a anulação do negócio jurídico de compra e venda celebrado entre os litigantes e determinou que as partes retornassem ao status quo ante, resolvendo o mérito da lide, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil.
O caso reveste-se de particularidades e para melhor compreensão dos fatos que envolvem a discussão é necessário registrar:
Em 20.12.1995, José Adriano e Júlia Peixer Adriano lavraram "Escritura Pública de Compra e Venda" com Werner Marquardt e Terezinha Marquardt de um terreno situado no perímetro urbano com área de 251, 25m² da cidade de Jaraguá do Sul, matricula n. 33.036 (informação 3). E, em 19.09.1997, o documento foi levado a efeito conforme matrícula n. 33.036 (informação 4).
Em 07.03.2002, Werner Marquardt ingressou com ação de despejo n. 036.02.000758-8 contra José Adriano e Júlia Peixer Adriano. Nela consignou que "firmou com os requeridos, no dia 20.12.1995, contrato de locação de imóvel residencial, que as partes pactuaram prazo de locação indeterminado, estando o aluguel mensal importando atualmente em R$ 400,00 [...] que no mês de março de 2001, os requeridos efetuaram apenas o pagamento da quantia de R$ 200,00, não quitando a diferença, que os requeridos encontram-se inadimplentes com metade do aluguel do mês de março de 2001, e os vencidos até a presente data, representando o montante de R$ 4.259,40".
O feito foi julgado extinto por ausência de prova quanto à existência do contrato de locação verbal firmado entre as partes. Esta Corte de Justiça manteve a sentença e a decisão transitou em julgado em 25.10.2011.
Em 04.12.2002, Werner Marquardt e Terezinha Marquardt transmitiram a propriedade para Marquardt & Marquardt Administradora Ltda, a título de integralização de capital social da empresa.
Em 05.09.2014, Marquardt & Marquardt Administradora Ltda. ingressou com a presente "ação reivindicatória" contra Julia Peixer Adriano representante do Espólio de José Adriano.
Na petição inicial, registrou que:
"Em 04 de dezembro de 2002, o Sr. Werner Marquardt e sua esposa, Sra. Teresinha Marquardt, transmitiram a propriedade do imóvel, localizado na Rua Padre Alberto Romuld Jakobs, n. 194, bairro Vila Lenzi, nesta cidade, com área total de 251,25 m², matriculado sob n. 33.306 e registrado no Cartório de Imóveis, desta Comarca, em favor da requerente, a título de integralização de capital social da empresa, conforme descrito na certidão atualizada do imóvel.
Em verdade, o título do imóvel fora anteriormente contraído pelo Sr. Werner Marquardt e Sra. Teresinha Marquardt, através de escritura pública de compra e venda, cujos proprietários precedentes eram os requeridos.
Referido instrumento de compra e venda foi levado a registro público em 19 de setembro de 1997, onde a partir dessa data, com o competente registro da escritura pública de compra e venda, na matrícula do imóvel, o casal Marquardt passou a ser o único e legítimo proprietário do imóvel.
Muito embora os requeridos tenham vendido à propriedade do imóvel, a requerida e seu marido firmaram, verbalmente, com Werner Marquardt, contrato de locação do aludido...

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