Acórdão Nº 0305062-95.2018.8.24.0058 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 15-10-2020

Número do processo0305062-95.2018.8.24.0058
Data15 Outubro 2020
Tribunal de OrigemSão Bento do Sul
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0305062-95.2018.8.24.0058, de São Bento do Sul

Relator: Desembargador Tulio Pinheiro

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.

RECURSO DA PARTE DEVEDORA.

PRELIMINAR. INVOCADA OCORRÊNCIA DE SENTENÇA CITRA PETITA. ARGUIÇÃO DE QUE NÃO TERIA EXAMINADO PEDIDO DE LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADA. NÃO ACOLHIMENTO. SENTENÇA QUE NÃO CONHECEU DOS PEDIDOS REVISIONAIS POR REPUTÁ-LOS GENÉRICOS. AUSÊNCIA DE IRRESIGNAÇÃO EM FACE DE TAL DESFECHO. PREAMBULAR AFASTADA.

MÉRITO. DEFENDIDA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RELAÇÃO CONTRATUAL DE NATUREZA CONSUMERISTA (SÚMULA 297 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA) QUE AUTORIZA A MODIFICAÇÃO DA AVENÇA JUDICIALMENTE, TENDO EM CONTA A POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA DE CLÁUSULAS ABUSIVAS E EXCESSIVAMENTE ONEROSAS AOS CONSUMIDORES.

SUSTENTADA IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ARGUMENTAÇÃO DE QUE A VIA AFIGURA-SE MEIO EXCESSIVAMENTE GRAVOSO PARA A PARTE DEVEDORA, ANTE O ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO. DESCABIMENTO DA SÚPLICA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL QUE NÃO SE APLICA À ESPÉCIE. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO DESTE ÓRGÃO FRACIONÁRIO. INCOMPATIBILIDADE DA APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL COM OS DITAMES DO DECRETO-LEI N. 911/1969. NECESSIDADE DA OBSERVÂNCIA DA ORIENTAÇÃO FIRMADA NO RECURSO ESPECIAL N. 1.418.592/MS (RECURSO REPETITIVO). IMPRESCINDIBILIDADE DO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA, ESTA ENTENDIDA COMO OS VALORES APRESENTADOS E COMPROVADOS PELO AUTOR NA INICIAL, PARA EVITAR A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM COM O CREDOR FIDUCIÁRIO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. CABIMENTO, NESTE CONTEXTO, DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO, A TEOR DO ART. 3º DO DECRETO-LEI N. 911/69.

ALEGADA DISCREPÂNCIA DOS VALORES APONTADOS EXTRAJUDICIALMENTE PELO BANCO CREDOR PARA QUITAÇÃO DO DÉBITO, O QUE, SEGUNDO DEFENDIDO, IMPOSSIBILITOU A PARTE CONSUMIDORA DE SALDAR A DÍVIDA. INSUBSISTÊNCIA. PARTE ACIONADA QUE NÃO ACOSTOU À CONTESTAÇÃO QUALQUER DOCUMENTO QUE DEMONSTRASSE A DIVERGÊNCIA DOS VALORES DA DÍVIDA CONTRATUAL APONTADOS POR COBRADOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA. ÔNUS PROBATÓRIO QUE LHE INCUMBIA, A TEOR DO ART. 373, INC. II, DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÚNICOS DOCUMENTOS RELACIONADOS À REFERIDA TEMÁTICA QUE, ALÉM DE ILEGÍVEIS PARA COTEJO, SOMENTE FORAM ACOSTADOS JUNTO À PEÇA RECURSAL. NÃO ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE DOCUMENTOS NOVOS E AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A APRESENTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. EXCEÇÕES DO ARTIGO 435, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL INOCORRENTES. INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO.

POSTULADA CONSIGNAÇÃO DOS VALORES DAS PARCELAS EM ATRASO. IMPOSSIBILIDADE. PARTE ACIONADA QUE, AO SER CITADA, TOMOU CIÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA, NOS TERMOS DELINEADOS PELO DESPACHO QUE DEFERIU A LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO E ASSIM NÃO PROCEDEU. CONSIGNAÇÃO NO ATUAL MOMENTO PROCESSUAL QUE, NESSE CENÁRIO, AFIGURAR-SE-IA INÓCUA. PRETENSÃO NÃO ACOLHIDA.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0305062-95.2018.8.24.0058, da Comarca de São Bento do Sul (2ª Vara), em que é Apelante Solange de Fatima Alexi, e Apelada Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S. A.:

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso para dar-lhe parcial provimento unicamente para declarar a incidência do Código de Defesa do Consumidor à presente hipótese. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Sebastião César Evangelista e Des. Gilberto Gomes de Oliveira.

Florianópolis, 15 de outubro de 2020.

Desembargador Tulio Pinheiro

PRESIDENTE E RELATOR


RELATÓRIO

Perante o Juízo da 2ª Vara da Comarca de São Bento do Sul, Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S. A. ajuizou ação de busca e apreensão em face de Solange de Fatima Alexi, com lastro na Cédula de Crédito Bancário n. 296219207, com garantia de alienação fiduciária do veículo.

Em decisão interlocutória de fls. 31/32, foi deferida a liminar, tendo os mandados de citação e busca e apreensão sido cumpridos, consoante certificado à fl. 41.

A parte requerida apresentou contestação. Na peça, arguiu, de início, a preliminar de cerceamento de defesa em face da apreensão do veículo sem anterior oportunização de contraditório. No mérito, alegou que houve o adimplemento substancial da dívida. Esclarece ainda que não procedeu à quitação extrajudicial da dívida, porquanto lhe foram informados, em duas oportunidades distintas, valores diferentes. Outrossim, defendeu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e sustentou a ilegalidade cobrança de juros abusivos, além da exigência cumulada "de taxas de permanência, juros de mora, multa contratual e correções". Por fim, pleiteou a concessão da justiça gratuita e a possibilidade de consignação das parcelas remanescentes do contrato (fls. 49/58).

Após réplica (fls. 75/87), a MM.ª Juíza Paula Fabbris Pereira sentenciou o feito, de modo a julgar procedente o pedido inicial, consolidando, com isso, a parte acionante na posse e propriedade do bem objeto da demanda que aforou. Ao final, condenou o polo réu ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (fls. 88/91).

Irresignada, a parte requerida interpôs este recurso de apelação. Nas razões do inconformismo, sugeriu, de início, que a sentença citra petita, porquanto não examinou a tese levantada em contestação relativa à abusividade da taxa de juros remuneratórios contratada. No mérito, sustentou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à espécie e a ocorrência do adimplemento substancial da dívida. Esclareceu ainda que não procedeu à quitação extrajudicial da dívida, porquanto lhe foram informados pelos representantes da financeira autora, em oportunidades distintas, valores diferentes. Outrossim, defendeu a possibilidade de consignação das parcelas remanescentes do contrato (fls. 95/106).

Com as contrarrazões (fls. 111/126), foram os autos remetidos a esta Corte.

Este é o relatório.


VOTO

O recurso, adianta-se, será analisado por tópicos.

Da alegada sentença citra petita.

A parte recorrente, de início, sugere que a sentença é citra petita, porquanto não examinou a tese levantada em contestação relativa à abusividade da taxa de juros remuneratórios contratada.

A preambular não comporta guarida.

Observa-se da sentença que o magistrado a quo não conheceu dos pedidos revisionais formulados na peça contestatória, por não ter o requerido "especificado quais os encargos e cláusulas que pretende sejam revisados, dês que não incumbe ao Juízo promover esta análise de ofício" (sic, vide fl. 89).

Desse modo, verifica-se que a sentença, embora não tenha enfrentado o tema, expôs os motivos de não fazê-lo, os quais, todavia, não foram impugnados pelas razões do presente apelo.

Diante disso, deve ser afastada a preambular invocada, passando-se, então, à análise do apelo quanto aos seus demais pontos.

Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Sustenta a recorrente ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao caso.

A tese merece acolhida.

O art. 3º, caput, e seu § 2º, do precitado diploma legal, dispõem que:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Da redação desses dispositivos, conclui-se que, pelo fato de os bancos atuarem no mercado como prestadores de serviços, mediante remuneração, aos seus contratos são aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor.

A jurisprudência não discrepa deste entendimento, senão vejamos: "As instituições financeiras são prestadoras de serviços, enquadrando-se no conceito de fornecedor e sujeitando-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, conforme resulta do art. 3º, § 2º da mesma Codificação" (Apelação Cível n. 98.004067-1, rel. Des. Trindade dos Santos).

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já sumulou a respeito do tema: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula 297).

Dessa feita e via de consequência, tratando-se de relação jurídica a ser analisada sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor, não há óbice à revisão judicial requerida na contestação.

Frisa-se, por fim, que não há violação a direito adquirido ou ato jurídico perfeito perante a revisão de cláusulas abusivas ou ilegais, pois, "conforme a norma do art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor e a teoria moderna, devem ser relativizados para possibilitar a alteração ou declaração de nulidade das cláusulas contratuais abusivas ou ilegais que submetam alguma das partes ou que tenham sido impostas ao livre arbítrio do hipersuficiente sem a manifestação de vontade do adverso." (Apelação Cível n. 2010.012256-5, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler).

Da busca e apreensão como meio de cobrança do crédito e a teoria do adimplemento substancial.

Sustenta a parte recorrente que, por já ter havido o adimplemento substancial do contrato, o meio empregado pela casa bancária para reaver seu crédito - ajuizamento de ação de busca e apreensão - é muito gravoso para a parte devedora.

Sem razão a apelante.

O atual entendimento deste Órgão...

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