Acórdão Nº 0305107-82.2015.8.24.0033 do Primeira Câmara de Direito Público, 10-03-2020

Número do processo0305107-82.2015.8.24.0033
Data10 Março 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0305107-82.2015.8.24.0033, de Itajaí

Relator: Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO - ITCMD. PLEITO DE INEXIGIBILIDADE DO TRIBUTO SOBRE A DOAÇÃO DE QUOTAS COM USUFRUTO VITALÍCIO EM FAVOR DOS DOADORES. SEGURANÇA DENEGADA.

RECURSO DOS IMPETRANTES.

1) PLEITO DE JUNTADA DE DOCUMENTOS EXISTENTES EM MOMENTO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. INDEFERIMENTO. DESCABIMENTO DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRECEDENTE.

2) INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR QUE NÃO CONFIGURA ÓBICE À EXIGÊNCIA FISCAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL PLENA PARA EDITAR NORMA REGULAMENTADORA ATÉ O ADVENTO DA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR FEDERAL.

3) DOAÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS COM CLÁUSULA DE RESERVA DE USUFRUTO. INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO.

4) DATA DO FATO GERADOR. MOMENTO DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE POR MEIO DA ALTERAÇÃO DO CONTRATO NA JUNTA COMERCIAL.

5) BASE DE CÁLCULO. VALOR VENAL DO BEM DOADO APURADO NO ÚLTIMO BALANÇO PATRIMONIAL.

6) REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NOS TERMOS DO ART. 7º, § 2º, DA LEI ESTADUAL 13.136/2004. INAPLICABILIDADE DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO QUANTO À DOAÇÃO.

APELO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0305107-82.2015.8.24.0033, da comarca de Itajaí Vara da F. Púb. E. Fisc. A. do Trab. e Reg. Púb. em que são Apelantes Maria Emília Badotti Saraiva e outros e Apelados Estado de Santa Catarina e outro:

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade, desprover o recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Pedro Manoel Abreu e Jorge Luiz de Borba. Presidiu a sessão o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Fernando Boller.

Florianópolis, 10 de março de 2020.

Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

Relator


RELATÓRIO

Maria Emília Badotti Saraiva, Osmundo Moisa Saraiva Júnior e João Ricardo Badotti Saraiva impetraram "mandado de segurança" contra ato do Sr. Gerente Regional da Fazenda Estadual em Itajaí.

Alegaram que: 1) são sócios quotistas, donatários e proprietários de participação da empresa OMS Participações Ltda.; 2) juntamente com Osmundo Moisa Saraiva e Ivone Badotti Saraiva, constituíram a pessoa jurídica OMS Participações S.A., holding familiar, com capital social de R$ 5.000,00; 3) com a integralização de quotas das pessoas jurídicas Moinho Rainha Ltda., OMS Construções Ltda., América Hotelaria Ltda., Pirâmide Hotelaria Ltda. e SCI - Sociedade Catarinense de Investimentos Ltda., o capital social foi majorado para R$ 2.484.419,00; 4) esse novo valor correspondia exatamente ao quantum das quotas/ações doadas por Osmundo e Ivone que, ao se retirarem da sociedade, reservaram o usufruto vitalício; 5) após a doação, decidiram alterar a sociedade jurídica de S.A. para limitada; 6) registrado o ato societário perante os órgãos públicos, o fisco passou a exigir o pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD, dando origem às notificações fiscais; 7) a cobrança foi mantida após recurso na via administrativa; 8) a base de cálculo utilizada pelo agente fiscal está equivocada, porque na data do evento a OMS Participações Ltda. não tinha 100% das quotas das empresas; 9) a data do fato gerador é a da transferência das quotas/ações em 16-11-2011 e não a da transformação da S.A. em Ltda.; 10) a doação foi realizada com reserva de usufruto, de modo que inexiste a transferência plena da propriedade e, consequentemente, fato gerador para a incidência do ITCMD; 11) falta lei complementar no tocante à doação de bens móveis, o que não permite a exigência do tributo e 12) subsidiariamente, é necessário reduzir a base de cálculo em 50%, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei n. 13.136/2004.

Postulou, em síntese, o cancelamento das notificações fiscais e a inexigibilidade do ITCMD sobre a doação de quotas com usufruto vitalício em favor dos doadores.

Em informações, a autoridade coatora alegou que: 1) o valor da base de cálculo do ITCMD é o do patrimônio líquido de cada uma das empresas e não o balanço patrimonial; 2) o dia 3-1-2012 foi utilizado como data do fato gerador porque é a data da transformação do tipo jurídico societário perante a Junta Comercial do Estado de Santa Catarina - Jucesc; 3) no processo administrativo, inexiste prova de que a doação foi com reserva de usufruto vitalício e 4) há transmissão mesmo com aludida reserva (f. 279/294).

Foi proferida sentença denegando a segurança (f. 309/318).

Os impetrantes, em apelação, reiteraram as teses iniciais (f. 323/348).

Com as contrarrazões (f. 359/375), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso, em parecer do Dr. Paulo Ricardo da Silva (f. 388/394).

Os autores postularam a juntada do contrato social das empresas e sustentaram que "a base de cálculo utilizada pelo fisco é eivada de vício, pois considera o valor total das cotas das empresas em detrimento ao capital que de fato era de propriedade dos doadores" (f. 405/409 e 410/447).

O Estado alegou que: 1) o pedido de juntada de documentos afronta à Lei do Mandado de Segurança que exige prova pré-constituída; 2) a documentação anterior à constituição do crédito tributário foi considerada pelo Fisco e a posterior é irrelevante; 3) os documentos são anteriores à impetração, sendo irrelevante o seu conteúdo e 4) as notificações fiscais n. 136030033044, 136030033060 e 136030033109 já foram inscritas em divida ativa, são objeto de execução fiscal e os impetrantes já opuseram embargos, procedimento próprio para eventual produção probatória (f. 450).


VOTO

1. Juntada de documentos

Após a inclusão do feito em pauta de julgamento, os impetrantes postularam a juntada de documentos e o Estado sustentou ser inviável tal atividade processual.

Com razão o ente público.

O manejo do Mandado de Segurança exige prova pré constituída, já que não é cabível a dilação probatória (CF, art. 5º, LXIX e Lei n. 12.016/2009, art. 1º).

A referida documentação é de setembro/2011, janeiro/2012, setembro/2013 e março/2015 e a inicial é de maio/2015.

Logo, quando da impetração, os documentos já existiam e podiam ter sido colacionados. Os autos tramitam há mais de quatro anos e, somente após a inclusão em pauta, em dezembro/2019, é que os impetrantes resolveram juntar as alterações contratuais ocorridas há quase uma década.

A respeito:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA DO ATO ALEGADAMENTE COATOR NÃO EVIDENCIADA COM A PETIÇÃO INICIAL. DOCUMENTO TRAZIDO POSTERIORMENTE. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

"[...] É firme o entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do STJ no sentido de que, diante da natureza célere do mandado de segurança, o qual não comporta dilação probatória, bem como tendo em vista que o direito líquido e certo é aquele que se apresenta manifesto de plano, desde a impetração, impondo-se a comprovação do direito líquido e certo invocado mediante prova pré-constituída, contemporânea à petição inicial, não se admitindo a juntada posterior de documentos a fim de comprovar o direito alegado, ainda que se tratam de documentos que estavam em poder de autoridade e acerca dos quais a parte não teve acesso. Precedentes. [...]" (STJ - Embargos de Declaração no Mandado de Segurança 15828/DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 14.12.2016. (grifou-se) (MS n. 4017317-07.2017.8.24.0000, da Capital, rel. Des. João Henrique Blasi, Segunda Câmara de Direito Público, j. 5-2-2019)

Assim, o caminho é indeferir o pleito da juntada dos documentos.

2. Mérito

A questão de fundo versa sobre a incidência de ITCMD sobre doação de quotas sociais com reserva de usufruto e, subsidiariamente, a respectiva base de cálculo.

A sentença proferida pela MM. Juíza Cristine Schutz da Silva Mattos merece ser confirmada pelos seus próprios fundamentos, os quais são adotados como razão de decidir:

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXIX, dispõe que "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado em habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

Compulsando os autos, especialmente a Constituição do Crédito Tributário referente à Notificação Fiscal n. 136030033109 (p. 196), observa-se que os impetrantes foram notificados pelo Fisco Estadual de Santa Catarina em virtude de terem deixado de submeter a cessão não onerosa de quotas de capital social da empresa OMS Participações Ltda. (CNPJ n. 14.052.415/0001-13), que ocorreu a partir da transformação da empresa OMS Participações S.A. na nova pessoa jurídica OMS Participações Ltda., oportunidade em que os sócios Osmundo Saraiva e Ivone Badotti Saraiva deixaram o quadro societário e transferiram de forma gratuita aos seus filhos as suas respectivas quotas, sem declararem à Fazenda Estadual.

Após análise da defesa administrativa, a Unidade de Julgamento Singular da Secretaria do Estado da Fazenda de Santa Catarina manteve inalterada a exigência do crédito tributário (pp. 229-244).

Pois bem!

De acordo com os arts. 538 e 1.225, inciso IV, ambos do Código Civil, a doação consiste em um contrato em que uma pessoa transfere a outra bens ou vantagens; por sua vez, o usufruto encontra-se elencado no rol de direito reais, in verbis:

Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

Art. 1.225. São direitos reais:

(...)

IV - o usufruto.

Debruçando-se sobre a matéria, Maria Helena Diniz leciona:

A doação acarreta unicamente a obrigação do doador de entregar, gratuitamente, a coisa doada ao donatário. Serve de titulos adquirendi, pois o domínio só se transmitirá pela tradição, se móvel o bem...

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