Acórdão Nº 0305173-10.2019.8.24.0005 do Terceira Câmara de Direito Civil, 25-05-2021

Número do processo0305173-10.2019.8.24.0005
Data25 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0305173-10.2019.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador MARCUS TULIO SARTORATO

APELANTE: UNIMED LITORAL COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO LTDA (RÉU) APELADO: LARISSA DUPAS DE MATOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado ao evento 26, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:

Trata-se de "ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de tutela" proposta por Larissa Dupas de Matos em desfavor da UNIMED LITORAL - Cooperativa de Trabalho Médico, qualificados e representados.

Em breve síntese, a demandante ser portadora de Urticária Crônica Espontânea (CID 10: L 50.1), razão pela qual, em obediência à prescrição do médico assistente, requereu à parte contrária o fornecimento do medicamento OMALIZUMABE 150 miligramas. O pedido administrativo, porém, pelo que disse, foi negado pela demandada, que afirmou que o medicamento não preenche as diretrizes de utilização previstas no rol de procedimentos elaborados pela Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS). Diante do exposto, pugnou pela condenação da demandada em obrigação de fazer, a fim de que ela seja compelida ao fornecimento da medicação, nos termos apresentados pelo médico assistente. Por fim, pugnou pela concessão dos benefícios da gratuidade judiciária.

Juntou documentos (Evento 01).

O juízo deferiu o pedido liminar de fornecimento de medicamentos e concedeu os benefícios da gratuidade judiciária (Evento 03).

Citada (Evento 10), em razão dos interessados não terem chegado a um consenso (Evento 12), a demandada apresentou contestação (Evento 13).

Não foram suscitadas preliminares. No mérito, afirmou que o tratamento solicitado não está previsto no rol de procedimentos e eventos em saúde estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), de modo que a cobertura pelo plano ficaria obstada, uma vez que o contrato celebrado não previu atuação além daquele rol. Assim, no seu entender, improcedente é o pedido.

Juntou documentos (Evento 13).

Houve réplica (Evento 17).

Autos conclusos.

O MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú, Doutor Luiz Octavio David Cavalli, julgou a lide nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE (art. 487, I, do CPC) o pedido contido nesta ação cominatória com pedido de antecipação dos efeitos da tutela proposta por Larissa Dupas de Matos em desfavor da UNIMED LITORAL - Cooperativa de Trabalho Médico, qualificados e representados, para: CONFIRMAR a decisão que antecipou os efeitos da tutela de mérito (Evento 03); B) DECLARAR a nulidade da cláusula que limita os procedimentos àqueles previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS); C) CONDENAR a demandada ao fornecimento do medicamento indicado pelo médico assistente da consumidora, OMALIZUMABE, 150 miligramas, sob a pena da multa fixada na decisão de antecipação de tutela; D) CONDENAR a demandada ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado atribuído à causa (art. 85, § 2º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada esta em julgado, arquivem-se.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (Evento 32), no qual reafirma que o tratamento em questão não tem cobertura obrigatória, de acordo com as diretrizes de utilização para cobertura de procedimentos na saúde suplementar. Alega que a doença da autora não faz parte da cobertura obrigatória com diretriz de utilização da terapia imunobiológica endovenosa ou subcutânea. Requer, por esse motivo, a reforma da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais.

Em contrarrazões, a autora pugna pelo desprovimento do recurso (Evento 37).

Após conclusos os autos, a autora peticionou informando a inclusão do tratamento pleiteado no rol da ANS para a doença da qual é acometida (Evento 11).

VOTO

1. Inicialmente, há que se reconhecer a relação de consumo existente entre as partes, as quais se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, estatuídos nos arts. e do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, devendo o presente caso, por essa razão, ser analisado sob a ótica da legislação consumerista.

A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao contratos de planos de saúde, aliás, é questão velha e bem pacificada na jurisprudência, tendo sido, inclusive, objeto de súmula no âmbito do STJ, in verbis: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde" (Enunciado n. 469).

De igual modo, aplicam-se à espécie as disposições previstas na Lei 9.656/98, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. Apesar da literalidade do art. 35-G dessa legislação ("Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei nº 8.078, de 1990"), a aplicação desses dois diplomas legais - CDC e Lei 9.656/98 - deve se dar, na verdade, de forma complementar, e não com a simples aplicação subsidiária do CDC, como bem observa Bruno Miragem:

[...] Essa redação, como bem aponta a doutrina especializada, não parece ser dogmaticamente correta. Não há se falar de aplicação subsidiária, senão complementar entre as duas lei. Em outros termos: O CDC não deve ser aplicado apenas quando a Lei 9.656/98 não disponha sobre o tema em específico, senão que devem ambas as lei guardar coerência lógica, orientada pela finalidade de proteção do consumidor dos planos de assistência à saúde. (Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 422).

Na presente quaestio, infere-se dos autos que a autora apresenta diagnóstico de urticária crônica espontânea (Evento 1, doc. 21). Em função disso, seu médico solicitou a aplicação de injeção de Omalizumabe 150 mg, uma vez ao mês.

Sustenta a ré, em seu favor, que a Diretriz de Utilização da Agência Nacional de Saúde Suplementar não prevê o fármaco Omalizumabe para a patologia apresentada pela autora.

Por certo, não se mostra razoável e nem jurídico negar à parte autora, no caso em apreço, o custeio do procedimento, ainda que a sua utilização para tratamento da moléstia que a acomete não esteja contemplado na Resolução mencionada, pois se existe a possibilidade de melhora na saúde da paciente, por certo, o procedimento não pode ser negado ao argumento de estar excluído do rol da ANS, até pelo fato de o mesmo ser exemplificativo e não taxativo.

Vale ressaltar que o colendo Superior Tribunal de Justiça, já afirmou que o plano médico deve prever a cobertura para a patologia, e não o tipo ou a forma de tratamento ou de medicamento a ser empregado:

O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas (AgRg no Ag 1350717/PA, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22.3.2011).

Seguro saúde. Cobertura. Câncer de pulmão. Tratamento com quimioterapia. Cláusula abusiva.

1. O plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. Se a patologia está coberta, no caso, o câncer, é inviável vedar a quimioterapia pelo simples fato de ser esta uma das alternativas possíveis para a cura da doença. A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta.

2. Recurso especial conhecido e provido (Resp 668216/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 15.3.2007).

Há ainda outra razão que a consolidada jurisprudência alude para considerar abusiva, em casos como o presente, a negativa da operadora de plano de saúde. É que, se o contrato celebrado entre as partes prevê a cobertura para o tratamento, não se justifica a negativa da operadora do plano de saúde de fornecimento dos quimioterápicos indispensáveis para a terapia, uma vez que, se há cobertura contratual para a patologia diagnosticada, é dever da operadora de plano de saúde fornecer todos os meios necessários, indicados pelo médico responsável, para o combate da enfermidade.

Sobre esse aspecto, merecem transcrição os relevantes argumentos lançados pelo Ministro Carlos Menezes Direito no julgamento do REsp n. 668.216/SP:

A...

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