Acórdão Nº 0305419-35.2018.8.24.0039 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 04-11-2021

Número do processo0305419-35.2018.8.24.0039
Data04 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0305419-35.2018.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador TULIO PINHEIRO

APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS APELANTE: MANOEL PEDRO DA SILVA RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

No Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Lages , MANOEL PEDRO DA SILVA ajuizou ação revisional em desfavor de CREFISA S.A. CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, objetivando a revisão dos contratos de empréstimo registrados sob os ns. 032350021476, 032350021522, 032350021746 e 032350022311 (evento 1).

Acostou aos autos os pactos em debate (evento 1, documentos 6/9).

Recebida a inicial, Sua Excelência deferiu a gratuidade de justiça e postergou a análise do pedido de tutela antecipada (evento 19).

Sobreveio contestação (evento 7).

Após, o MM. Juiz Francisco Carlos Mambrini sentenciou o feito, de modo a julgar parcialmente procedente a demanda (evento 19), o que fez nos seguintes termos:

(...) Diante do exposto, julgo procedentes em parte os pedidos formulados pelo autora para determinar a revisão dos contratos n. 0323500211476, 032350021522, 032350021746 e 032350022311 da seguinte forma: a) determinar que em relação aos juros remuneratórios seja observada a taxa média de mercado nas operações da espécie, de acordo com a tabela divulgada pelo Banco Central do Brasil; b) declarar a legalidade da capitalização de juros pela Tabela Price, observada a taxa média de mercado acima descrita c) declarar a ilegalidade da cobrança da comissão de permanência com juros e multa, nos termos da fundamentação; d) rejeitar o pedido de danos morais, nos termos da fundamentação; e) condenar o réu à restituição simples dos valores cobrados em desacordo com a presente sentença, conforme apurado em liquidação por arbitramento, a teor do art. 509, I, do CPC/2015.

Considerando a sucumbência recíproca (CPC, art. 86), condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% das custas processuais e ao pagamento de honorários de sucumbência devidos ao procurador(a) ex adverso, verba que arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 85, §8º, CPC/2015, levando em conta a complexidade da demanda, o grau de zelo dos profissionais, os atos processuais praticados, o local da prestação dos serviços e o tempo de duração do feito, vedada a compensação (art. 85, §14 do CPC/2015), e suspensa a exigibilidade em relação ao autor (fl. 62), vez que litiga sob a égide da justiça gratuita, a teor do contido no art. 12 da Lei n. 1.060/50 e art. 98, §3º do CPC/2015. (...).

Irresignadas, as partes apelaram.

Nas razões do seu recurso, a financeira ré aduziu a impossibilidade de revisar contrato livremente pactuado. Outrossim, sustentou que o perfil diferenciado dos seus clientes não se adequa às taxas médias de juros remuneratórios divulgadas pelo Banco Central. Ao final, requereu a redução dos honorários advocatícios arbitrados na sentença (evento 24).

Já a parte autora, em sua apelação, defendeu o expurgo da tabela price e a descaracterização da mora. Ainda, tencionou a condenação da financeira ré a indenizar os danos morais sofridos pela parte autora. Por fim, buscou a redistribuição dos ônus sucumbenciais e a fixação de honorários recursais (evento 27).

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

VOTO

Os recursos serão analisados por tópicos.

Da revisão das cláusulas contratuais.

Alega o banco acionado que os contratos foram entabulados em observância ao art. 104 do Código Civil, revestindo-se de validade e perfeição, razão por que, não identificado defeito no negócio jurídico, deve ser conservado. Aduz, ainda, ser inaplicável o Estatuto Consumerista ao caso.

Entretanto, em que pesem os argumentos despendidos pela casa bancária, não proceder à análise revisional significa afastar da apreciação do Poder Judiciário o exame da abusividades praticadas em desfavor do consumidor, implicando não só a violação aos direitos fundamentais de acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV, CF), como também à proteção ao consumidor (art. 5º, XXXII, CF).

Ademais, cumpre recordar que o advento do Código de Defesa do Consumidor, promulgado com espeque no art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal, inseriu no ordenamento exceções ao princípio do pacta sunt servanda no intuito de oportunizar o reequilíbrio contratual entre consumidor e fornecedor.

Neste trilhar, preconiza o art. 6º, inc. V, do mencionado estatuto:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

No caso, cediço que os contratos bancários são tipicamente de adesão, sendo o consumidor obrigado a pactuar nos termos preestabelecidos pela instituição financeira se quiser usufruir dos serviços bancários. Bem por isso, referendou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a tese de que a intangibilidade contratual deve ser mitigada em cotejo aos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e do dirigismo contratual, inclusive para as avenças bancárias (Confira-se: AgRg no AREsp 32.884, rel. Min. Raul Araújo).

Neste quadro, todo e qualquer contrato caracterizado pela relação de consumo pode ser modificado pelo juiz, desde que as cláusulas avençadas estejam em confronto com as normas protetivas arroladas no Estatuto Consumerista.

Por oportuno, frisa-se que não há violação a direito adquirido ou ato jurídico perfeito perante a revisão de cláusulas abusivas ou ilegais, pois, "conforme a norma do art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor e a teoria moderna, devem ser relativizados para possibilitar a alteração ou declaração de nulidade das cláusulas contratuais abusivas ou ilegais que submetam alguma das partes ou que tenham sido impostas ao livre arbítrio do hipersuficiente sem a manifestação de vontade do adverso." (Apelação Cível n. 2010.012256-5, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler).

Portanto, não há qualquer óbice à revisão judicial ora pleiteada.

Juros remuneratórios.

Diz a financeira ré que as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central não são aplicáveis aos contratos por si oferecidos, uma vez que possui um perfil de clientes diferenciado, com crédito negativado e que não possuem oferta de empréstimos em outras instituições bancárias.

O recurso, adianta-se, não merece provimento.

Inicialmente, destaca-se que a jurisprudência vem admitindo variação acima da taxa média de mercado, desde que não iníqua ou abusiva, objetivando conservar a natureza do encargo. Nesta senda, merece transcrição trecho do voto da Eminente Relatora Ministra Nancy Andrighi, vazado na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no REsp n. 1.061.530/RS, para os fins do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973:

(...) conclui-se que é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada.

Necessário tecer, ainda, algumas considerações sobre parâmetros que podem ser utilizados pelo julgador para, diante do caso concreto, perquirir a existência ou não de flagrante abusividade.

Inicialmente, destaque-se que, para este exame, a meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional para a Selic - taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - é insatisfatória. Ela apenas indica o menor custo, ou um dos menores custos, para a captação de recursos pelas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Sua adoção como parâmetro de abusividade elimina o 'spread' e não resolve as intrincadas questões inerentes ao preço do empréstimo.

Por essas razões, conforme destacado, o STJ em diversos precedentes tem afastado a taxa Selic como parâmetro de limitação de juros. Descartados índices ou taxas fixos, é razoável que os...

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