Acórdão Nº 0305514-25.2014.8.24.0033 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 05-08-2021

Número do processo0305514-25.2014.8.24.0033
Data05 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0305514-25.2014.8.24.0033/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (AUTOR) ADVOGADO: MARCIO RUBENS PASSOLD (OAB SC012826) ADVOGADO: FELIPE SA FERREIRA (OAB SC017661) APELADO: SIDNEI CARLOS DA CUNHA (RÉU) ADVOGADO: FERNANDO ANDRE PINTO DE OLIVEIRA FILHO (DPE)


RELATÓRIO


Aymore Credito, Financiamento e Investimento S.A. interpôs recurso de apelação cível em face da sentença do vento 186 dos autos de origem, proferida pelo juízo da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Itajaí, que extinguiu sem resolução de mérito a ação de Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária ajuizada pela instituição financeira apelante em face de Sidnei Carlos da Cunha.
Cuida-se, na origem, de ação de Busca e Apreensão ajuizada em 6-10-2014 pela Aymoré Crédito, Financiamento E Investimento S.A, tendo por objetivo a retomada de veículo financiado objeto de contrato de alienação fiduciária firmado com Sidnei Carlos da Cunha, diante da alegada inadimplência da parte demandada, que, das 48 parcelas ajustadas, teria deixado de honrar o pagamento das prestações a partir daquela de número 8, vencida em 30-06-2014. Juntou o contrato entabulado entre as partes e notificação extrajudicial de constituição em mora enviada pelos correios para o endereço da parte demandada constante do contrato.
A medida liminar de busca e apreensão foi deferida (Evento 4 dos autos de origem).
Após primeira tentativa infrutífera de busca e apreensão do bem apreendido (Evento 11 dos autos de origem), o bem alienado restou apreendido no pátio da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina (Evento 25 dos autos de origem), oportunidade em restou negativa a citação da parte demandada.
Realizadas diversas tentativas frustadas de citação de Sidnei Carlos Cunha nos mais variados endereços (Eventos 25, 63, 78, 93, e 146 dos autos de origem), incluindo-se aquele constante do contrato e aqueles encontrados em mecanismos de auxílio ao Judiciário (como sistemas Infoseg e Siel), foi deferida pelo magistrado singular a citação por edital (Evento 152 dos autos de origem).
Citado o demandado por edital, foi nomeada a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina como curadora especial (Eventos 159 e 161 dos autos de origem).
Apresentada contestação e reconvenção pela curadora especial, na qual aduziu a nulidade da citação por edital, bem como a existência de ilegalidades contratuais com o intuito de ver descaracterizada a mora, notadamente no que tange à taxa de juros remuneratórios fixada acima da média de mercado, à cobrança de comissão de permanência no período do inadimplemento e de tarifas reputadas irregulares (Evento 166 dos autos de origem).
Réplica (Evento 172 dos autos de origem), onde a instituição financeira autora defende a regularidade da citação e a legalidade dos encargos contratados, pugnando pela procedência dos pedidos com a consolidação da posse e propriedade do veículo apreendido.
Sobreveio sentença em 30-10-2020 pelo magistrado Stephan Klaus Radloff, da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Itajaí, que julgando parcialmente procedentes os pedidos da reconvenção, extinguiu sem resolução de mérito a ação de busca e apreensão intentada pela instituição financeira autora, o que se deu nos seguintes termos (Evento 186 dos autos de origem):
AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. propôs a presente demanda em face de SIDNEI CARLOS DA CUNHA, objetivando, com fundamento no Decreto-lei n° 911/69, a busca e apreensão do bem descrito na petição inicial, em face do descumprimento do ajuste de mútuo garantido com alienação fiduciária n. 20020906262 entabulado entre as partes.
O pedido veio instruído com o contrato firmado pelas partes e a prova da constituição em mora do devedor fiduciário.
A liminar foi deferida e cumprida, não sendo a parte ré encontrada para citação, operando-se sua citação ficta (por edital) e nomeação de curador especial, o qual ofertou resposta em forma de contestação e reconvenção, sustentado nesta última, a desconstituição da mora, a existência de abusividades no contrato entabulado e refutando o pedido deduzido na peça exordial. Ao final, pugnou pela improcedência do pedido formulado na inicial.
Réplica remissiva.
Em decisão de Evento 174 foi afastada a preliminar de nulidade da citação por edital.
Após o regular trâmite, vieram os autos conclusos.
FUNDAMENTAÇÃO
Com lastro no art. 354, caput, do Código de Processo Civil, procedo ao julgamento conforme o estado do processo, vez que configurada a hipótese prevista no art. 485, IV, do mesmo diploma legal.
Na forma do art. 355, I, do CPC, antecipo o julgamento da lide já que a matéria ventilada trata-se unicamente de direito, mostrando-se desnecessária a realização de qualquer outra modalidade probatória, anotando-se, por oportuno, que aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, nos moldes da Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça.
A jurisprudência é unânime:
Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa é dever do juiz, e não mera faculdade, em assim proceder. (STJ 4 T, Resp. 2832 - RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Da mora
É sabido que, nas ações de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente, a mora do devedor decorre do simples vencimento da obrigação com termo certo, independentemente de qualquer aviso, porquanto se trata de mora ex re.
Nada obstante, o art. 2º, §2º, do Decreto-lei n. 911/69 exige para a regular constituição da mora do devedor pressupõe a prova de sua efetiva notificação. In verbis:
Art. 2º, §2º. A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.
Trata-se de requisito indispensável, na medida em que "A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente" (STJ, Súmula 72).
No caso em foco, como requisito formal para o ajuizamento da ação, a mora restou comprovada por meio da notificação de Evento 1, INF6.
Da Reconvenção
A reconvenção é, pois, uma ação incidental proposta no curso de um processo no qual já se desenvolve uma outra ação. Em outras palavras, é uma nova ação proposta dentro de outra ação.
Nos termos do art. 343 do CPC, "Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa".
A finalidade da reconvenção é possibilitar a reunião das ações do autor e do réu em um mesmo processo, quando esta tiver conexão com aquela, de maneira que ambas sejam decididas em uma única sentença, evitando-se, com isso, decisões conflitantes.
O legislador, atento aos princípios da celeridade e economia processual, possibilita ao réu o ajuizamento de uma demanda contra o autor, aproveitando o processo já instaurado.
Acerca do cabimento de reconvenção em ações de busca e apreensão, importante registrar que nada impede - e é até mesmo salutar do ponto de vista processual - o seu cabimento especialmente após o advento da Lei n. 10.931/2004.
Esse é o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 801374/RJ, da lavra da Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, senão vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DECRETO-LEI Nº 911/69. RECONVENÇÃO. CABIMENTO, MESMO ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 10.931/2004. ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AGRAVO IMPROVIDO.
Tendo em vista as modificações que a ação de busca e apreensão sofreu desde a edição do Decreto-lei n.º 911/69, com a evolução do sistema do Código de Processo Civil, o cabimento da reconvenção na busca e apreensão corrobora a consecução da efetividade da prestação jurisdicional, garantindo a celeridade e a economia processuais, diante da resolução, em um mesmo processo e sentença, de todas as questões relativas ao contrato de alienação fiduciária.
2. A Lei nº 10.931/2004 somente trouxe ao ordenamento jurídico um direito do réu na ação de busca e apreensão que a jurisprudência expressamente já reconhecia, não sendo aplicáveis as limitações do art. 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69 nem mesmo a processos anteriores ao advento da novel legislação.
Não pairam dúvidas, portanto, acerca da admissibilidade da reconvenção em processos de busca e apreensão. Passo a apreciação das matérias arguidas em sede de reconvenção.
Dos juros remuneratórios
Conforme dito acima a existência da mora é requisito da ação de busca e apreensão. Em uma análise perfunctória, a mora restou comprovada nos autos por meio da notificação extrajudicial realizada. No entanto, a presente fase processual requer uma uma análise aprofundada dos pressupostos processuais.
Acerca de sua configuração, o Tribunal da Cidadania, em decisão prolatada em sede do recurso representativo da controvérsia n. 1.061.530/RS, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, assentou que:
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA
a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora;
b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. [...] (destaquei)
Assim, verificada a abusividade dos encargos exigidos no período da normalidade contratual, descaracteriza-se a mora do devedor, devendo o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente.
A comprovação da cobrança de encargos abusivos no período da normalidade, descaracteriza a mora (Orientação n. 2 do STJ - RESP 1.061.530/RS) e, em consequência, autoriza a manutenção da posse do bem com o devedor e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT