Acórdão Nº 0305668-08.2018.8.24.0064 do Terceira Câmara de Direito Civil, 02-03-2021

Número do processo0305668-08.2018.8.24.0064
Data02 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 0305668-08.2018.8.24.0064/SC



RELATOR: Desembargador MARCUS TULIO SARTORATO


APELANTE: ROBSON LINARDI (AUTOR) APELANTE: IARA MARIA GAIESKI PINOS (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado ao Evento 78, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:
Trata-se de "ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos c/c pensionamento c/c obrigação de prestar assistência médica" proposta por Robson Linardi contra Iara Maria Gaieski Pinós, por meio da qual requer a condenação da ré ao pagamento de danos morais no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), danos estéticos no valor de 10.000,00 (dez mil reais), danos corporais de acordo com a tabela de graduação (RCF) e pensão mensal no valor de um salário mínimo.
Sustenta o demandante que, em 28 de novembro de 2017, trafegava na faixa da esquerda na Avenida Beira Mar Norte, na cidade de Florianópolis/SC, quando teve sua trajetória cortada pelo veículo conduzido pela requerida, vindo a cair de sua motocicleta. Afirmou que, em decorrência do acidente de trânsito, sofreu diversas fraturas no corpo, cujas sequelas implicaram na redução de sua capacidade laboral e em cicatrizes visíveis.
Com a inicial, juntou procuração e documentos (fls. 14/52). Embora devidamente citada (fl. 55), a requerida deixou transcorrer in albis o prazo para oferecer contestação (fl. 58). À fl. 57, a parte autora pugnou pela decretação da revelia da demandada e pelo prosseguimento do feito.
Após, os autos vieram conclusos.
A MMª. Juíza Substituta da 3ª Vara Cível da Comarca de São José, Dra. Tiane Lohn Mariot decidiu a lide nos seguintes termos:
Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Robson Linardi contra Iara Maria Gaieski Pinós, para CONDENAR a parte ré ao pagamento do montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de danos morais, sobre o qual deverá incidir correção monetária pelo INPC, a partir da data da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar do evento danoso (acidente de trânsito - 28/11/2017).
Ante a sucumbência recíproca, CONDENO ambas as partes, na proporção de metade para cada uma, ao pagamento das despesas processuais. Fica suspensa, todavia, a exigibilidade das verbas sucumbenciais em relação ao demandante, eis que beneficiário da justiça gratuita.
Condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios, estes que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com base no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado e cumpridas as providências de praxe, arquivem-se.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (Evento 16), no qual sustenta, em suma, que a dinâmica do acidente foi diversa daquela narrada nos autos, de maneira que ambos os condutores percorriam duas faixas no mesmo sentido e não foi responsável por nenhuma manobra imprudente ou ilícita. Alega que não houve demonstração de culpa de sua parte, devendo ser afastada a condenação por ausência de pressupostos da responsabilidade civil. Subsidiariamente, postula o reconhecimento da culpa concorrente da vítima, com a redução da indenização a título de danos morais.
Em contrarrazões (Evento 21), o autor requer o desprovimento do recurso. Na sequência, interpôs recurso adesivo (Evento 22), pugnando a majoração para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) dos danos morais, além da condenação por danos estéticos em R$ 10.000,00 (dez mil reais) e fixação de pensão em um salário mínimo pela perda da capacidade laboral

VOTO


1. Dispõe o artigo 344 do Código de Processo Civil que "[s]e o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor".
Conforme se observa, o referido dispositivo estabelece, como consequência à revelia do réu, uma presunção de veracidade dos fatos narrados à inicial. A presunção que daí advém, todavia, é apenas relativa: entende a doutrina e a jurisprudência que, ainda que o réu não compareça ao processo para contestar a demanda, pode o julgador afastar essa presunção quando as provas produzidas nos autos contradigam as alegações veiculadas na inicial ou quando os fatos afirmados nesta peça demonstrem-se absolutamente impossíveis ou improváveis.
Discorrendo sobre os efeitos da revelia, ensina o mestre Cândido Rangel Dinamarco:
É relativa e não absoluta a presunção estabelecida pelos arts. 302 e 319 do Código de Processo Civil.
Pela técnica das presunções relativas, a lei exclui a necessidade da prova sobre um fato, o que significa que ele permanece fora do objeto da prova e o interessado, dispensado do onus probandi (art. 334, inc. III: supra, n. 821). O que autoriza o legislador a instituir presunções é juízo de probabilidade que faz, sabendo que, no desenvolvimento das coisas do mundo e das relações entre as pessoas, há fatos que são ordinariamente indicativos da ocorrência de outros fatos (supra, n. 823). O efeito da revelia é ditado no art. 319 porque o legislador entendeu que a inatividade do réu seja significativa de seu desinteresse pela causa.
[...]
Como toda presunção relativa, também essa não tem o valor tarifado e invariável próprio aos sistemas de prova legal. No sistema da livre apreciação da prova segundo os autos (livre convencimento, art. 131: supra, nn. 814 ss.), o juiz dar-lhe-á o valor que sua inteligência aconselhar, feito o confronto com o conjunto dos elementos de convicção eventualmente existentes nos autos e levando em conta a racional probabilidade de que os fatos hajam ocorrido como disse o autor. A Lei dos Juizados Especiais, que impõe o efeito da revelia ao réu que não comparece, faz expressa ressalva: "salvo se o contrário resultar da convicção do juiz" (art. 20); essa é uma norma federal de direito processual, posterior ao Código de Processo Civil, que se impõe em todos os setores do processo civil nacional. A convicção contrária pode resultar da existência de prova nos autos, desmentido ou pondo em dúvida as alegações do autos; essa prova pode ter sido produzida até por este mesmo (princípio da aquisição da prova) ou pelo réu que, embora apresentando resposta tardia e por isso sendo revel, haja trazido documentos aos autos (infra, n. 802). (Instituições de direito processual civil: volume III. 4. ed.,. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 534-535).
Linhas após, o doutrinador acrescenta outras hipóteses, além daquelas previstas expressamente no Código de Processo Civil, que autorizam o afastamento da presunção de veracidade decorrente da revelia:
À margem das disposições legais específicas, a doutrina e os tribunais desenvolveram um contexto de situações em que também não se aplica o disposto nos art. 302 e 319 do Código de Processo Civil, todas elas girando em torno do princípio racional que rege essas sanções e da excepcionalidade da dispensa de prova de fatos alegados (infra, n. 1.127).
A mais notória é a exclusão da presunção de veracidade em relação a fatos impossíveis ou improváveis, que tem por fundamento o poder de livre convencimento do juiz (art. 131) e constituiu uma ressalva imposta por respeito à inteligência deste, a quem não é lícito impor falsas convicções, contrária ao senso-comum (supra, n. 788). Impossíveis, para esse efeito, não são somente fatos contrários às leis naturais ou dogmas da matemática, mas também aqueles cuja ocorrência a lógica exclui, nas circunstâncias das pessoa, do lugar, do tempo e do próprio contexto histórico descrito na petição inicial. Improváveis são aqueles que o espírito do homem comum tem mais razões para descrer, do que para crer (Malatesta). Tanto a impossibilidade com a improbabilidade do fato alegado são aferidas com grande carga de subjetivismo e influência culturais daquele a quem são alegados. Um milagre de Deus é para o crente um fato possível, ainda que extraordinário e portanto pouco provável; para os cético, impossível. Ambos ficam excluídos das presunções estabelecidas nos art. 302 e 319 do Código de Processo Civil, mas a quem houver alegado é indispensável que se ofereça a oportunidade de comprová-los, justamente porque o poder do juiz não chega ao ponto de impor arbitrariamente a sua descrença e isso transgrediria as garantias constitucionais de acesso à justiça e direito à prova. (Op. Cit, p. 541/542)
No mesmo sentido caminha a lição do doutrinador Fredie Didier Jr.:
O simples fato da revelia não pode tornar verossímil o absurdo: se não houver o mínimo de verossimilhança na postulação do autor, não dará a revelia que lhe conferirá a plausibilidade que não possui. Se a postulação não vier acompanhada do mínimo de prova que a lastreie, não se poderá dispensar o autor de provar o que alega pelo simples fato da revelia. A revelia não é fato com dons mágicos (Curso de direito processual civil: volume 1 - introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15. ed. Salvador: JusPODIVM, 2013, p. 572).
No caso em apreço, embora devidamente citada (Evento 7), a ré deixou de apresentar contestação tempestivamente (Evento 9), motivo pelo qual foi decretada sua revelia.
E, na espécie, versando os autos sobre direitos disponíveis, relacionados a responsabilidade civil fundada em acidente de trânsito e, havendo prova documental dando lastro à versão inicial, incidem os efeitos próprios da revelia, tal como entendido pelo ilustre juízo a quo.
2. O art. 186 do Código Civil dispõe que: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, fica obrigado a reparar o dano".
A responsabilidade civil subjetiva pressupõe, assim, a demonstração da culpa ou dolo do agente, do nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano, e o prejuízo "que...

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