Acórdão Nº 0305811-03.2014.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Público, 01-10-2020

Número do processo0305811-03.2014.8.24.0075
Data01 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0305811-03.2014.8.24.0075, de Tubarão

Relatora: Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA, CUMULADA COM DEMOLIÇÃO E PEDIDO INDENIZATÓRIO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NA FORMA DO ART. 485, VI, DO CPC/2015. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR.

INTERESSE PROCESSUAL NA BUSCA DA TUTELA JURISDICIONAL. TESE SUBSISTENTE. DIREITO CONSTITUCIONAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO, QUE NÃO EXIGE, DE ORDINÁRIO, O ESGOTAMENTO PRÉVIO DA VIA ADMINISTRATIVA. PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, COMPATÍVEL COM A PRETENSÃO DE OBTER A SATISFAÇÃO DE LITÍGIO, NA VIA JUDICIAL. CASSAÇÃO DO ÉDITO FUSTIGADO, QUE SE IMPÕE.

POSSIBILIDADE DE EXAME DO MÉRITO, NESTA INSTÂNCIA, NOS TERMOS DO ART. 1.013, § 3º, INC. I, DO CPC/2015.

CONSTRUÇÃO DA OBRA EM DESCONFORMIDADE COM AS NORMAS DO MUNICÍPIO DE TUBARÃO. FATO INCONTROVERSO. RÉU QUE NÃO OFERTOU CONTESTAÇÃO, PUGNANDO TÃO SOMENTE, PELA PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA REGULARIZAR A EDIFICAÇÃO. AUTOR QUE, DE OUTRO GIRO E NO CURSO DO PROCESSO, RECONHECEU SER VIÁVEL A REGULARIZAÇÃO. ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO INAUGURAL, PARA CONDENAR O RÉU A REGULARIZAR A OBRA, NO PRAZO DE 90 (NOVENTA) DIAS, SOB PENA DE DEMOLIÇÃO.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. PLEITO ARREDADO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA REPERCUSSÃO DA IRREGULARIDADE PARA A COLETIVIDADE.

REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0305811-03.2014.8.24.0075, da Comarca de Tubarão, Vara da F. Púb. E. Fisc. A. do Trab. e Reg. Púb., em que é Apelante Município de Tubarão e Apelado Geraldo Westphal.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para cassar a sentença e, com fundamento no art. 1.013, § 3º, inc. I, do CPC/2015, examinar o mérito e julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, redistribuindo-se os ônus sucumbenciais. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa. Vera Lúcia Ferreira Copetti, com voto e dele participou o Des. Luiz Fernando Boller.

Florianópolis, 1º de outubro de 2020.

Bettina Maria Maresch de Moura

Relatora


RELATÓRIO

Município de Tubarão ajuizou Ação de Nunciação de Obra Nova c/c Demolitória contra Geraldo Westphal, aduzindo, em síntese, que este "construiu uma edificação [...] sem o competente Alvará de Licença para Construção, que é fornecido pela Secretaria de Urbanismo deste Município", tendo sua obra embargada em 17.04.2013. Asseverou que, no entanto, o Réu "não respeitou o Auto de Embargo, nem mesmo diligenciou no sentido de regularizar a obra", motivando-lhe buscar a tutela jurisdicional. Requereu a antecipação da tutela para determinar o embargo judicial da obra até sua regularização, sob pena de multa e, ao final, a procedência dos pedidos, para determinar a imediata regularização da obra ou, não sendo possível, a sua demolição, condenando-se o Réu, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos (fls. 1/8). Valorou a causa e juntou documentos (fls. 9/14).

Pelo decisum de fls. 15/16, deferiu-se "liminarmente o embargo para determinar a imediata suspensão da obra, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para o caso de inobservância desse preceito (art. 936, II, do CPC), sem prejuízo de eventual configuração do crime de desobediência (art. 330 do CP)".

À fl. 24, o Oficial de Justiça certificou que inviável cumprir o mandado, pois insuficiente o endereço fornecido pela Municipalidade.

Intimado, o Autor nada disse (fl. 25).

Despacho para intimar o Autor, na pessoa do Prefeito Municipal, a fim de promover o regular andamento do feito em 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de extinção (fl. 29), foi respondido com pedido de prorrogação do prazo, por, no mínimo, 15 (quinze) dias (fl. 30).

Novo despacho (fl. 31), deferindo o requerimento, com advertência para impulsionar o feito, novamente sob pena de extinção.

Indicado endereço completo do Réu (fl. 32), o Oficial de Justiça citou e intimou o Réu, fazendo constar da certidão que a obra já estava concluída.

Petitório do Réu às fls. 38/41, com documentos de fls. 42/47, pela suspensão do processo, com a "concessão de dilação do prazo para regularização de documentação de obra" e pela concessão da gratuidade da justiça.

Pelo despacho de fl. 48, o togado determinou a intimação do Autor para se manifestar sobre o pedido do Réu e a intimação deste, para comprovar a hipossuficiência.

À fl. 51, o Autor manifestou concordância com a suspensão requerida pelo Réu, para regularizar a obra.

O Réu, por sua vez, trouxe documentos, às fls. 54/56, para comprovar a necessidade da justiça gratuita.

Despacho de fls. 57/58, entendendo insuficiente a prova da hipossuficiência, ordenando fosse complementada, bem como intimado o Autor para informar se o Réu concluiu a regularização.

Por meio da petição de fls. 61/62, o Autor noticiou que a obra "encontra-se com pendências de apresentação do detalhe do rebaixamento do meio fio no projeto", mas que isso poderia ser solucionado. Pugnou, assim, pela intimação do Réu para que comprovasse a regularização neste ponto.

Certificou-se a falta de manifestação do Réu acerca do despacho para que complementasse a prova documental da hipossuficiência (fl. 63).

Sobreveio sentença (fls. 64/72), nos seguintes termos:

"[...] Ante o exposto, reconheço a ausência de interesse processual e, por consequência, extingo o processo sem resolução do mérito, o que faço com fundamento no art. 485, VI, do CPC.

Despesas pela parte autora, com a ressalva de que se for ente público é isento no que tange ao pagamento das custas processuais, em atenção à isenção disposta na Lei Complementar Estadual n. 156/97.

Sem honorários porque o réu é revel.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Interposta possível apelação, certifique-se a tempestividade e voltem conclusos para juízo de retratação (CPC, art. 485, §7º).

Transitada em julgado, após as formalidades legais, certifique-se e arquivem-se".

Irresignado, o Autor interpôs apelação (fls. 76/81). Sustenta, em resumo, que inequívoco o seu interesse na tutela jurisdicional, porquanto muitas vezes o seu poder de polícia é confrontado, de modo que não consegue sanar conflitos com os munícipes apenas na esfera administrativa. Alega que a extinção viola o direito de acesso ao Judiciário e insiste na procedência dos pedidos iniciais, de condenação do Réu à regularização da obra embargada, sob pena de multa, ou a demolição, na hipótese de não ser aquela medida viável, e de pagamento de indenização por danos morais. Requer, também, o "deferimento de medida liminar para manter a obra embargada até sua regularização, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais)".

À fl. 83, o magistrado a quo manteve a sentença e consignou a desnecessidade de intimar o Réu para contrarrazões, pois revel.

Ainda assim, foi ele intimado, mas o prazo fluiu in albis (fl. 87).

O Ministério Público, no primeiro grau, manifestou-se pela desnecessidade da intervenção, relegando a possibilidade de ser exarado parecer nesta Instância (fls. 91/98).

Os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jacson Corrêa (fls. 107/112), "pelo conhecimento e parcial provimento do reclamo, a fim de reconhecer o interesse processual do Município de Tubarão, conferindo-se ao requerido prazo razoável para a regularização da obra construída ao arrepio da lei municipal, sob pena de demolição".

Este é o relatório.


VOTO

1. Da admissibilidade do recurso

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Neste sentido, é orientação do Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado Administrativo n. 3:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Do mérito

Trata-se de apelação interposta pelo Município de Tubarão contra sentença que julgou extinta, sem resolução de mérito, por falta de interesse processual, a Ação de Nunciação de Obra Nova c/c Demolitória por si deflagrada contra Geraldo Westphal.

Sustenta, em apertada síntese, que inequívoco o seu interesse na tutela jurisdicional, porquanto muitas vezes o seu poder de polícia é confrontado, de modo que não consegue sanar conflitos com os munícipes, apenas na esfera administrativa. Alega que a extinção viola o direito de acesso ao Judiciário, devendo ser acolhidos os pedidos iniciais, de condenação do Réu à regularização da obra embargada, sob pena de multa, ou a demolição, na hipótese de não ser aquela medida viável, e de pagamento de indenização por danos morais. Requer, também, o "deferimento de medida liminar para manter a obra embargada até sua regularização, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais)".

Adianta-se que razão lhe assiste, em parte.

De saída, registre-se que a causa de pedir tem origem na realização de uma construção, pelo Apelado/Réu, em descompasso com a legislação do Município de Tubarão, fato este incontroverso.

Pois bem.

Diferentemente do que constou no édito fustigado, o acesso ao Judiciário está assegurado na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXV), sendo desarrazoado condicioná-lo ao prévio esgotamento da composição do litígio na via administrativa. Assim também ocorre com a Administração Pública, inexistindo incompatibilidade com o poder de polícia que lhe é conferido.

Ademais, dos documentos que instruíram a petição...

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