Acórdão Nº 0305957-17.2015.8.24.0008 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo0305957-17.2015.8.24.0008
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0305957-17.2015.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador MARIANO DO NASCIMENTO

APELANTE: JEFFERSON PEREIRA (AUTOR) APELADO: BANCO J. SAFRA S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Por brevidade, adota-se o relatório da sentença (evento 86), verbis:

Cuida-se de ação movida por JEFFERSON PEREIRA em face de BANCO J. SAFRA S.A.

Alegou, em síntese, que firmou com a parte ré contrato de financiamento de veículo ("PAS/AUTOMÓVEL, FIAT/UNO VIVACE 1.0, ANO/MOD 2011/2012, COR VERMELHA, PLACA MJP 4668, RENAVAM 392803224"), a ser pago em 60 (sessenta) parcelas de R$ 599,22 (quinhentos e noventa e nove reais e vinte e dois centavos). Todavia, verificou que o pacto é eivado de abusividades, a saber: capitalização diária de juros remuneratórios; cláusula de vencimento antecipado; cobrança de tarifas para análise do crédito (TAC, TEC, tarifa de Cobrança e Tarifa de Contratação); cumulação indevida de comissão de permanência com outros encargos; e utilização da Tabela PRICE.

Requereu a revisão das cláusulas contratuais impugnadas e a descaracterização da mora contratual. Postulou, ainda, a concessão de tutela provisória de urgência para autorizar o depósito judicial do valor incontroverso das parcelas e manter a parte autora na posse do imóvel objeto de contrato; e o deferimento da justiça gratuita (evento 1).

Foi deferida a justiça gratuita (evento 3).

A petição inicial foi indeferida (evento 21).

A parte autora interpôs apelação (evento 26), que foi conhecida e provida pelo TJSC para cassar a sentença recorrida (evento 41).

O pedido de tutela de urgência foi indeferido (evento 47).

Citada, a parte ré contestou, defendendo a legalidade do contrato firmado entre as partes e impugnando a concessão da justiça gratuita à parte autora (evento 56).

Houve réplica (evento 70).

Determinou-se a intimação da parte autora para apontar detalhadamente as cláusulas que entende abusivas.

Houve manifestação da parte autora (evento 79) e, em seguida, da parte ré (evento 84).

Após, os autos vieram conclusos.

É o relato do essencial. (grifo original)

Entregando a prestação jurisdicional, o magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos à inicial, nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos para declarar a nulidade da cláusula do contrato n. 009000066535 que prevê a cobrança de comissão de permanência cumulada com juros remuneratórios, juros de mora e multa moratória.

Diante da sucumbência mínima, da parte ré condeno a parte autora ao pagamento integral das custas e dos honorários, estes fixados em 15% do valor atualizado da causa (art. 86, par. ún., do CPC), cuja exigibilidade suspendo por força da Justiça Gratuita.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. (evento 86 - grifo original)

Opostos embargos de declaração pela casa bancária (evento 93) estes foram rejeitados (evento 95).

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação alegando, preliminarmente, o cerceamento do direito de defesa ante o julgamento antecipado da lide. No mérito, requereu: a) a incidência de juros remuneratórios de 0,99% ao mês ou 12% ao ano; b) o afastamento da capitalização de juros em qualquer periodicidade; c) a descaracterização da mora, com o "expurgo da cobrança de encargos moratórios como a multa contratual, juros moratórios e comissão de permanência, pois o saldo devedor somente poderá ser apurado após a liquidação da sentença, por ora, em razão da descaracterização da mora por culpa do credor, não há mora por parte da Apelante, sendo que o momento equacionador do saldo devedor neste tipo de procedimento é o transito em julgado da ação, quando será conhecido o montante legalmente exigível" (evento 90, doc. 1, p. 31); d) seja declarada a nulidade da cláusula que prevê o vencimento antecipado do contrato; e) declarada a ilegalidade da cobrança das Tarifas de Análise de Crédito e Emissão de Carnê; f) a repetição do indébito na forma dobrada. Ao final, pugnou pela manutenção do benefício da justiça gratuita já concedido pelo Juízo de primeira instância, bem como o conhecimento e provimento do recurso (evento 90).

Ofertadas contrarrazões (evento 106), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Inicialmente distribuído à 2ª Câmara de Direito Comercial, o processo foi redistribuído a este relator em razão do julgamento do processo n. 0305957-17.2015.8.24.0008.

Vieram-me, então, conclusos os autos.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Jefferson Pereira em face da sentença que julgou parcialmente procedente a "Ação Revisional" n. 0305957-17.2015.8.24.0008, movida em desfavor de Banco J. Safra S.A.

Conheço do recurso, exceto no tocante ao pedido de afastamento das Tarifas de Análise de Crédito e Emissão de Carnê.

Explico.

Quanto à temática, restou consignado pelo Juízo singular: "No caso concreto, não assiste interesse de agir na discussão atrelada à TAC e à TEC, porquanto a prova documental demonstra não ter havido a sua contratação, tampouco a sua cobrança." (evento 86 - grifei)

Com efeito, o recurso de apelação deve conter os fundamentos de fato e de direito pelos quais a sentença deve ser reformada, em obediência ao comando ínsito no artigo 1.010 do Código de Processo Civil.

Ocorre que, na vertente hipótese, o fundamento utilizado pelo Juízo singular para não se manifestar a respeito das indigitadas tarifas - inexistência da cobrança - sequer foi impugnado nas razões recursais, as quais se revelam totalmente dissociadas do conteúdo decisório neste particular.

Assim, evidenciada a afronta ao princípio da dialeticidade, o recurso não pode ser conhecido, no ponto.

No mais, atendidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, sendo o demandante beneficiário da justiça gratuita, conheço do recurso.

Feitos os necessários apontamentos, passa-se à análise pormenorizada das insurgências recursais.

1. Da preliminar de cerceamento do direito de defesa

O requerente sustenta que o julgamento antecipado da lide ocasionou-lhe o cerceamento de defesa, tendo em vista que pretendia a oitiva do gerente da loja revendedora do veículo financiado bem como a produção de prova pericial dos contratos originais, a fim de comprovar que o valor da parcela inicialmente acordado não condiz com o valor constante no carnê de pagamento.

A tese, contudo, não merece prosperar.

Como é cediço, ao magistrado da causa é atribuído determinar, de acordo com o seu livre convencimento, a realização de provas necessárias ao deslinde da controvérsia, bem como indeferir as diligências inúteis ou protelatórias (art. 370, p. único, CPC/2015).

Além disso, também lhe é conferida a possibilidade de julgar antecipadamente a lide quando a questão for unicamente de direito ou caso entenda pela desnecessidade da dilação probatória (art. 355, CPC/2015).

Sobre a matéria, leciona Fredie Didier Jr.:

O magistrado entende ser possível proferir decisão de mérito apenas com base na prova documental produzida pelas partes. O julgamento antecipado da lide é uma técnica de abreviamento do processo. É manifestação do princípio da adaptabilidade do procedimento, pois o magistrado, diante de peculiaridades da causa, encurta o procedimento, dispensando a realização de toda uma fase do processo. É bom frisar que o adjetivo "antecipado" justifica-se exatamente no fato de o procedimento ter sido abreviado, tendo em vistas particularidades do caso concreto (Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 16ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 1. p. 562/563).

Na vertente hipótese, vislumbra-se que a cópia do contrato originário foi juntada aos autos pela instituição financeira demandada no evento 56, docs. 46-47, contando, inclusive, com a assinatura do autor, a qual não foi impugnada.

Ademais, em se tratando de revisão de cláusulas contratuais, desnecessária a oitiva do gerente da revendedora do veículo alienado fiduciariamente, restringindo-se a celeuma ao constante no pacto entabulado entre as partes.

Dessarte, os documentos acostados ao processo mostram-se suficientes ao julgamento do feito, não havendo que se falar, portanto, em cerceamento de defesa. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. [...] AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911, DE 1º.10.1969. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO, COM GARANTIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. MATÉRIA DEBATIDA QUE NÃO RECLAMA A PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM RAZÃO DO TRABALHO REALIZADO EM GRAU DE RECURSO PELO ADVOGADO DA AUTORA. ARTIGO 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0302237-36.2018.8.24.0073, de Timbó, rel. Des. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 22-08-2019).(grifei)

Assim, afasto esta proemial.

2. Dos juros remuneratórios

O requerente afirma que os juros foram verbalmente pactuados em 0,99% ao mês, ou 12% ao ano, razão pela qual devem ser limitados a tal índice.

Inviável, contudo, acolher o inconformismo.

Como sabido, o Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimentos assentando que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade" (Súmula n. 382) e que "nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor" (Súmula n. 530).

Necessário se faz registrar que o cálculo realizado pelas instituições financeiras, devidamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho Monetário Nacional, na busca pelo percentual de juros a serem praticados junto aos seus clientes leva em conta diversas rubricas, dentre essas o custo da captação do dinheiro, os...

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