Acórdão Nº 0306065-27.2018.8.24.0045 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 30-01-2020

Número do processo0306065-27.2018.8.24.0045
Data30 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemPalhoça
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0306065-27.2018.8.24.0045, de Palhoça

Relatora: Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). ARGUIÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO AUTOR.

VÍCIO DE CONSENTIMENTO. TESE ACOLHIDA. CONSUMIDOR INDUZIDO A ERRO. AUSÊNCIA DE CLARA INFORMAÇÃO SOBRE A MODALIDADE DO CONTRATO FIRMADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E PRÁTICA ABUSIVA EVIDENCIADA. NULIDADE DA AVENÇA. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE.

RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE E DE FORMA DOBRADA. SUBSISTÊNCIA. APLICAÇÃO DA PENALIDADE PREVISTA NO ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PERMITIDA A COMPENSAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 368 DO CÓDIGO CIVIL. INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS, À RAZÃO DE 1% A.M. (UM POR CENTO AO MÊS), A CONTAR DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO DESEMBOLSO.

DANO MORAL. PERTINÊNCIA. ABALO ANÍMICO PRESUMIDO. VALOR INDENIZATÓRIO. ARBITRAMENTO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA DA DATA DO ARBITRAMENTO. SÚMULA 362 DO STJ. JUROS MORATÓRIOS DA DATA DO EVENTO DANOSO. SÚMULA 54 DO STJ.

ÔNUS SUCUMBENCIAIS INVERTIDOS.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0306065-27.2018.8.24.0045, da Comarca de Palhoça, 1ª Vara Cível, em que é Apelante Célio de Oliveira Rodrigues e Apelado Banco Bmg S/A.

A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos da fundamentação. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Tulio Pinheiro, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Gilberto Gomes de Oliveira.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2020.

Bettina Maria Maresch de Moura

Relatora


RELATÓRIO

Célio de Oliveira Rodrigues ajuizou "Ação Anulatória de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável" contra Banco BMG S/A objetivando, em síntese, a declaração de nulidade do contrato firmado com o Réu. Alegou que sua pretensão, ao buscar os serviços da Financeira, seria a de realizar mero empréstimo consignado, surpreendendo-se, após a contratação, com descontos sobre os seus rendimentos de aposentadoria, os quais seriam estritamente relativos aos encargos moratórios do mútuo e não destinados à amortização do importe emprestado. Sustentou a ilegalidade da prática engendrada pela Casa Bancária ante o alegado vício de consentimento constante da avença. Pugnou pela inversão do ônus probatório, a condenação do Réu à repetição dúplice do indébito, bem como ao pagamento de indenização por danos morais a ser arbitrada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Por fim, requereu a concessão do benefício da justiça gratuita e a antecipação dos efeitos da tutela a fim de que Banco se abstivesse de proceder o desconto de RMC no seu benefício (fls. 1/18).

O Réu apresentou contestação (fls. 32/39). Argumentou que o Autor, ciente dos termos do pacto, contratou serviço de cartão de crédito consignado. Defendeu a inexistência de vícios nas negociações, discorreu acerca da inobservância do dever de ressarcir valores e da ausência de abalo à honra subjetiva do Consumidor. Subsidiariamente, requereu a devolução do valor por este recebido.

Às fls. 93/94 foi concedida a gratuidade da justiça e deferida a liminar pretendida.

Houve réplica (fls. 100/116).

Sobreveio sentença (fls. 118/121), tendo o Magistrado a quo julgado improcedente o pedido e revogado a medida liminar concedida anteriormente, nos seguintes termos:

Ante o exposto, rejeito os pedidos articulados na petição inicial.

Revogo a tutela de urgência deferida às ps. 93/94.

Condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e do art. 85, § 2.º do CPC, observada a suspensão de que trata o art. 98, § 3.º, do CPC, ante a gratuidade da justiça que lhe foi deferida (p. 93).

Irresignado, o Autor apelou (fls. 125/140). Em suas razões, repisa os argumentos manifestados na exordial no sentido de ter sido induzido a erro ante as informações viciadas da avença. Assevera jamais ter anuído com os descontos de RMC e que o Réu empreendeu prática abusiva de venda casada. Alfim, reiterou os pedidos de condenação à repetição em dobro dos valores pagos a maior, bem como à indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Com contrarrazões (fls. 167/171), ascenderam os autos a esta Corte.

Este é o relatório.


VOTO

1 Da admissibilidade do recurso

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação.

Neste sentido, é orientação do Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado Administrativo n. 3:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Do mérito

2.1 Da nulidade do contrato por vício de consentimento

Na vestibular, sustentou o Recorrente a nulidade da avença celebrada, por vício de consentimento, uma vez que assinou contrato para emissão de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com desconto em seu benefício previdenciário, induzido por informações equivocadas por parte da Casa Bancária. Ressaltou que acreditava estar celebrando mero empréstimo consignado.

Por primeiro, destaca-se que o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal, em recente decisão para afastar a admissibilidade de incidente de demandas repetitivas sobre o tema, constatou que a questão não é puramente de direito, em que basta a declaração da ilegalidade da contratação do cartão com margem consignada, mas que é imprescindível a análise de cada caso em concreto, especialmente a conduta das partes litigantes, ante a licitude do objeto pactuado. A propósito:

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE - ELEMENTO FÁTICO DECISIVO NO JULGAMENTO DA LIDE - QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO INOCORRENTE - REQUISITO INDISPENSÁVEL À ADMISSÃO DO IRDR INEXISTENTE - INCIDENTE INADMITIDO. Demandando a questão controvertida juízo de valor sobre o comportamento do consumidor litigante, a matéria não envolve questão unicamente de direito, mas também de fato, a afastar a admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de um de seus indispensáveis requisitos de coexistência obrigatória. (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, da Capital, Rel. Des. Monteiro Rocha, Grupo de Câmaras de Direito Comercial. Data do julgamento: 12.06.2019) (g.n.)

Devolvida a matéria para análise em sede de apelação, observa-se que, na hipótese em análise, assiste razão ao Recorrente.

Constam nos autos cópia do instrumento contratual devidamente assinado (fls. 40/43), bem como da disponibilização, por meio de saque, do valor solicitado (fl. 52).

Todavia, ainda que não se questione a concretização do empréstimo e da percepção do valor solicitado pelo Apelante/Autor, subsiste a disputa em relação à natureza da avença firmada.

A prova colacionada corrobora a tese autoral, de que não houve observância, pelo Apelado/Réu, do dever de prestar informações claras, sendo que a partir da linguagem do contrato, é plausível afirmar que o consumidor acreditava estar assumindo, crédito consignado, com desconto em folha de pagamento.

Conforme se extrai do pacto (fls. 40/43), ainda que denominado de "cartão de crédito consignado", houve mera disponibilização ao Contratante um "saque", o qual, de fato, ocorreu, no importe de R$ 1.095,63 (mil e noventa e cinco reais e sessenta e três centavos) (fl. 52).

Porém, da ficha de compensação acostada aos autos (fl. 80), a qual igualmente atesta tal valor, denota-se que, em verdade, o importe fora transferido entre contas bancárias, realçando a ideia do Consumidor de estar diante de empréstimo consignado.

Nada mais há, em especial, no que diz respeito ao desbloqueio e uso efetivo de cartão de crédito.

O termo de adesão utiliza-se de expressões que não individualizam o produto em tese adquirido, o que acaba por levar o consumidor a erro justificável, mesmo para àqueles habituados com a contratação de empréstimo consignado em sua forma simples. Note-se que no instrumento contratual não há sequer referência, a bandeira do cartão contratada.

Neste contexto, tem-se que o contrato, para o Recorrente, transpareceu como mero empréstimo consignado, sendo presumido que esta era a sua real vontade, quando firmou a avença. A consequência é que, induzido a erro, o consumidor acreditou que do seu benefício previdenciário estariam a ser descontadas parcelas, de um empréstimo consignado, quando em verdade, o que se deduzia eram os juros e encargos moratórios, referentes a uma fatura de cartão de crédito inadimplida.

Houve falta de informação clara quanto aos termos do contrato, dificultando a compreensão do negócio jurídico em seu sentido e alcance. Configurada, no caso, a violação às normas insertas no subsistema de proteção ao consumidor, notadamente os artigos 6º, inciso III, 31, 39, IV, e 46.

Logo, constatado o vício de consentimento do Consumidor e a prática abusiva perpetrada pela Casa Bancária, na confecção do instrumento, deve ser reconhecida a inexistência do vínculo contratual como sanção.

Do ensinamento de Cláudia Lima Marques extrai-se:

A sanção para o cumprimento por parte do...

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