Acórdão Nº 0306135-83.2014.8.24.0045 do Quarta Câmara de Direito Civil, 19-05-2022

Número do processo0306135-83.2014.8.24.0045
Data19 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0306135-83.2014.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO

APELANTE: TANIA ELOI DA SILVA NORONHA (AUTOR) APELADO: BAIA SUL DAY HOSPITAL S.A (RÉU) APELADO: LUIZ EDUARDO RAU (RÉU)

RELATÓRIO

A bem dos princípios da celeridade e da economia processual, bem como para melhor explanar a situação fática, adoto o relatório elaborado na sentença, por delinear com precisão os contornos da lide [evento 155 - EPROC1]:

"TANIA ELOI DA SILVA NORONHA ajuizou ação de conhecimento, submetida ao procedimento comum, contra BAIA SUL DAY HOSPITAL S.A e LUIZ EDUARDO RAU, ambos devidamente qualificados e representados no feito.

Em síntese, alegou que a) se submeteu a cirurgia visando solucionar um um problema de joanete (nome científico: hállux valgus bilateral), cirurgia essa realizada pelo 2º réu (médico), nas dependências e instalações do 1º réu (hospital), em 26/10/2009; b) que a cirurgia foi custeada por seu plano de saúde, mas que o médico requerido exigiu o pagamento de R$ 1.250,00 "por fora", pagos pela autora por meio de cheques; c) que ficou insatisfeita com a cirurgia, pois os joanetes estavam reaparecendo, estava sentindo dores insuportáveis em todo o pé, ficou uma cicatriz bem feia, e ainda, a impossibilidade de usar sapatos fechados, inclusive tênis; d) que o médico requerido sugeriu a realização de nova cirurgia; e) que em consulta a um segundo médico, realizou exames e, na consulta de retorno ocorrida em 20/03/2012, o segundo médico, analisando os exames (radiografia digital e ultrassonografia), informou que havia um corpo estranho instalado no osso do pé esquerdo da autora, muito provavelmente uma broca; f) que, desde então, a Autora, sem condições financeiras, convive com a dor e está impossibilitada de fazer um cirurgia reparadora; e adquiriu, em razão do problema, depressão, início de diabetes, aumento do colesterol, desregularização do metabolismo; g) que os prejuízos por ela sofridos seriam decorrentes de erro médico, razão por que devem ser indenizados.

Ao final, postulou: a) a condenação do 2º Réu/Médico à devolução para autora dos R$ 1.250,00 (um mil, duzentos e cinquenta reais) cobrados pela cirurgia; b) a condenação dos Réus no pagamento das verbas provenientes dos danos materiais da Autora, no valor dos comprovantes que forem juntados aos autos no decorrer da demanda, mais juros e correção monetária; c) a condenação dos Réus ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado; d) a condenação dos Réus ao pagamento de pensão vitalícia; e) a concessão de gratuidade da justiça; f) produção de provas, inclusive pericial, para a qual indicou quesitos. Valorou a causa. Juntou documentos.(p.01-11)

Deferida a gratuidade da justiça à parte autora. (p.12)

Regularmente citado, LUIZ EDUARDO RAU apresentou resposta sob a forma de contestação. Requereu, preliminarmente, "i) seja determinado o processamento do feito sob os efeitos do segredo de justiça; (ii) sejam acolhidas as preliminares de mérito e reconhecida a falta de pressupostos da responsabilidade civil, fulminando os pedidos da exordial, com a devida extinção processual com julgamento do mérito; vi) requer a concessão do prazo em dobro nos prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos, já que no presente feito encontramos litisconsortes passivos com procuradores diferentes, como determina o art. 191 e 241, III do Código Processual Civil". No mérito, contrapôs-se aos argumentos e pedidos articulados na petição inicial. Pugna, ao final, pela improcedência total dos pedidos formulados na exordial. Requereu produção de provas, inclusive perícia médica; condenação da autora nas penas de litigância de má-fé. Juntou documentos. (p. 53-62)

Regularmente citado, BAÍA SUL DAY HOSPITAL S/A apresentou resposta sob a forma de contestação. Suscitou a preliminar de ilegitimidade passiva. Pleiteou que o processo tramitasse sob segredo de justiça. No mérito, contrapôs-se aos argumentos e pedidos deduzidos na inicial. Requereu o acolhimento da preliminar, a condenação da autora às penas de litigância de má-fé e a rejeição dos pedidos articulados na petição inicial. Juntou documentos. (p.65-72)

Houve réplica. (p. 77-78)

Decisão saneadora de EV.83 fixou os pontos controvertidos; indeferiu fundamentadamente a inversão do ônus da prova; deferiu provas pericial e oral; indeferiu o pedido de trâmite do feito sob segredo de justiça, por não estar contido nas hipóteses legais; porém, determinou que o prontuário médico da autora (ps.199/215e262/282) seja cadastrado como "documentos sigilosos".

No EV. 109, juntou-se o laudo pericial, sobre o qual se pronunciaram ambas as partes. No EV. 136, juntado laudo pericial complementar, sobre o qual foi oportunizada a manifestação das partes.

Na audiência de conciliação, instrução e julgamento (EV. 147), sem acordo, foram tomados os depoimentos pessoais da autora e do réu Luiz Eduardo Rau, e ouvidas duas testemunhas arroladas pela parte ré Baia Sul (Tatiana Vidal e Cássia Brasil) e uma testemunha arrolada pela parte ré Luiz Eduardo Rau (Renan Gallas Mombach),qualificadas na própria gravação, tudo em sistema audiovisual.

As partes requeridas ofereceram as derradeiras alegações por memoriais (EV.s 149 e 150). A parte autora deixou de apresentar suas alegações finais, conforme certidão de EV. 151".

Sobreveio sentença, tendo o ilustre magistrado de primeiro grau, julgado improcedentes os pedidos, com fundamento no art. 487, I, do CPC, condenando a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2.º do CPC, ficando, suspensa a exigibilidade em razão da justiça gratuita [evento 155 - EPROC1].

Inconformada a Requerente interpôs Recurso de Apelação [evento 162 - EPROC1], arguindo, preliminarmente, a legitimidade passiva do hospital, aduzindo que o STJ tem se posicionado no sentido de que, quando o defeito na prestação de serviço decorre de conduta de médico, isto é, por ato de terceiro, o hospital continua a responder de forma objetiva.

No mérito, defende a ocorrência de ato ilícito, consubstanciado por erro médico, sustentando em síntese que: a) restou incontroverso o fato da Requerente ter se submetido à cirurgia visando solucionar sua joanete, procedimento realizado pelo 2º Requerido, nas dependências do 1º Requerido; b) os prejuízos de ordem material e moral restaram evidenciados, pois embora a Requerente tenha procurado o 2º requerido para realizar o procedimento por dores pretéritas, se o procedimento fosse realizado de maneira correta, seria muito simples, sequer necessário o afastado do trabalho, o que precisou em razão do objeto esquecido, visto que a recuperação da mesma levou mais tempo; b.1) o exame de imagem [evento 114, INF 129], demonstra que a Requerente suportou erro médico consistente no esquecimento de corpo estranho na cirurgia e, que a retirada do mesmo se daria por novo procedimento, fazendo incidir a responsabilidade dos Requeridos; b.2) o depoimento pessoal do 2º Requerido (02 min e 16 seg.), é enfático quando afirma que no ato do procedimento cirúrgico houve a quebra da broca e, em acordo com o outro cirurgião, Dr. Luciano, optaram por deixar o corpo estranho. Inclusive, ressalta que na hora da cirurgia perceberam a quebra da broca; b.3) afirma que o fato não lhe foi comunicado, sendo que a mesma só ficou sabendo dois meses após o procedimento, em razão da dor frequente que sentia; b.4) ratifica a manutenção de dor na utilização de sapatos fechados; b.5) é incontroverso o esquecimento de material cirúrgico no pé da Requerente, motivo pelo qual deve ser reconhecido o erro médico e o dever de indenizar.

Contrarrazões pelos Requeridos [evento 167 e 168 - EPROC1].

Este é o relatório.

VOTO

Ab initio, sobreleva consignar que a sentença objurgada e sua publicação ocorreram sob a vigência do Diploma Processual Civil de 2015, atraindo, portanto, a aplicação do Enunciado Administrativo n. 3 da Corte da Cidadania à hipótese em análise, in verbis:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

No mais, o recurso de apelação interposto é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual defiro o seu processamento, passando a análise das teses recursais.

1. Preliminarmente

1.1. Da Alegada Legitimidade Passiva do Hospital

Inicialmente defende a Requerente a reforma da sentença no que diz respeito a legitimidade passiva do hospital.

Sem razão a Apelante.

Analisando-se a legislação aplicável à espécie, denota-se que a responsabilidade civil do profissional que fez o atendimento e da clínica ou hospital em que ele é realizado submetem-se a disciplinas jurídicas distintas.

A respeito, cumpre delinear que a relação estabelecida entre médico, hospital e paciente atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, cuja determinação é que, a priori, a responsabilidade do nosocômio, enquanto prestador de serviços, é objetiva (art. 14, caput); em contrapartida, o médico, profissional liberal que é, responde subjetivamente pela sua atuação, mediante a verificação de culpa (art. 14, § 4º).

Daí, resulta que a responsabilidade civil do hospital por conduta de médico que não é seu empregado e/ou preposto está restrita aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc.

É também a lição do Min. Ruy Rosado:

"O hospital responde pelos atos médicos dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT