Acórdão Nº 0306195-63.2014.8.24.0075 do Quarta Câmara de Direito Público, 14-07-2022

Número do processo0306195-63.2014.8.24.0075
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0306195-63.2014.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO

APELANTE: MUNICÍPIO DE TUBARÃO/SC APELADO: OZEIAS GODOY DE SOUZA

RELATÓRIO

Na comarca de Tubarão, a municipalidade ingressou com ação de nunciação de obra nova c/c demolitória em face de Ozeias Godoy de Souza.

Alega que o réu passou a executar obras de construção em sua propriedade, situada na Rua Lucas Fermiano Sampaio, n. 60, bairro Passagem, isto "sem o competente Alvará de Licença para Construção, que é fornecido pela Secretaria de Urbanismo d[o] Município". Afirma que, apesar do embargo da obra em 10-9-2014 (ocorrência n. 240154), o demandado "não respeitou o Auto de Embargo, nem mesmo diligenciou no sentido de regularizar a obra", não obstante a desatenção à legislação local específica. Daí postular, inclusive em sede de liminar, o embargo da obra, com a suspensão imediata das atividades destinadas à construção, além da demolição da edificação irregular. Postula, ainda, a condenação do acionado ao pagamento de indenização a título de dano moral coletivo (Ev. 1, Pet1 - 1G).

De pronto, deferiu-se o pleito liminar "para determinar a imediata suspensão da obra, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para o caso de inobservância desse preceito (art. 936, II, do CPC), sem prejuízo de eventual configuração do crime de desobediência (art. 330 do CP)" (Ev. 3 - 1G).

Citado (Ev. 17 - 1G), o demandado não apresentou resposta (Ev. 20 - 1G).

Com parecer ministerial (Ev. 24 - 1G), o magistrado a quo julgou extinto o feito, na forma do art. 485, VI, do Código de Processo Civil (Ev. 26, Sent19 - 1G).

Insatisfeito, o ente municipal interpôs recurso de apelação, no qual sustenta a presença do interesse processual, fundado no direito constitucional de ação, garantido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Assim, reavivando os fatos e fundamentos da inicial, pretende a desconstituição da sentença e o consequente julgamento do mérito pelo Tribunal, com a procedência dos pedidos (Ev. 33 - 1G).

Dispensada a intimação do réu revel (Ev. 36 - 1G), os autos subiram a este Tribunal de Justiça.

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça indicando ausência de interesse na causa (Ev. 17 - 2G).

Por fim, migrou-se o processo para o sistema Eproc (Ev. 22 - 2G).

É o relatório.

VOTO

1. Tendo a sentença combatida sido publicada em 7-12-2017, isto é, quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, o caso será analisado sob o regramento do novo Diploma, "respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada" (art. 14 do CPC).

Diante disso, o recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido; recebo-o também em seus efeitos legais.

2. Por primeiro, aponta-se que a sentença de extinção, sem resolução do mérito (art. 485, VI, do CPC), acarreta "em lesão grave ao Município, notadamente por lhe negar o acesso à justiça no momento em que reconhece a falta de interesse processual nas ações referentes às obras irregulares" (Ev. 33, p. 2 - 1G).

Com razão!

Cediço que o acesso à Justiça (direito de ação) encontra-se constitucionalmente consagrado, em especial quando afirma-se que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV) -, preceito este que "deve "ser reconhecido como um direito efetivo, e não uma mera perspectiva teórica e abstrata" (STF, ADPF n. 504/MT, rela. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 20-10-2020, DJe 26-11-2020).

Da mesma forma, o Código de Processo Civil, em seu art. 3º, dispõe que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito".

Sabe-se, de outro tanto, que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade" (art. 17 do CPC), sob pena de nada alcançar (art. 485, VI, do CPC).

Acerca do interesse processual, PEREIRA leciona:

A ação é apropriadamente utilizada quando o autor tem a necessidade de usar o mecanismo judicial, bem assim quando tal circunstância lhe venha trazer utilidade.

A necessidade corresponde à imprescindibilidade do ingresso da ação. A jurisdição deve ser invocada quando não tenha o autor possibilidade de obter a satisfação de seu direito pelos meios extrajudiciais ordinários. [...]

A utilidade, por sua vez, representa que o processo, se exitoso, trará para o autor uma posição de vantagem, concedendo-lhe um benefício jurídico. (PEREIRA, Hélio do Valle. Manual de direito processual civil: roteiros de aula - processo de conhecimento. 2. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 87-88, grifo no original)

Tocante à hipótese em apreço (ação de nunciação de obra nova c/c demolição proposta pelo Município de Tubarão), como mencionado pelo togado singular, ela é reiterada naquela comarca -, o que faz, deveras, brotar inúmeras reflexões. Não à toa que se fala (nos Tribunais pátrios) que o magistrado de primeiro grau conhece (em maior medida) a controvérsia e seus meandros, consequência do princípio da imediatidade ou da imediação.

Mas a questão, in casu, não ficou restrita à origem, eis que a partir de inúmeras decisões lá proferidas (a maioria sem resolução do mérito quanto ao pedido de nunciação/demolição) este Tribunal de Justiça pôde, igualmente, enfrentar a celeuma (acentue-se, dezenas delas), cenário não sonegado em primeira instância; pelo contrário, houve diligente investigação em relação à orientação que emana das - na época 4 - Câmaras de Direito Público, inclusive com realce à posição majoritária - que foi superada (com destaque a voto...

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