Acórdão Nº 0306290-54.2016.8.24.0033 do Quarta Câmara de Direito Civil, 23-04-2020

Número do processo0306290-54.2016.8.24.0033
Data23 Abril 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0306290-54.2016.8.24.0033, de Itajaí

Relator: Des. Luiz Felipe Schuch

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. IRREGULARIDADE NA DOCUMENTAÇÃO DO VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO VENDIDO PELA MONTADORA REQUERIDA. NUMERAÇÃO DO MOTOR DIVERSO DAQUELE INDICADO NA NOTA FISCAL. INVIABILIDADE DE TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS. DECADÊNCIA RECONHECIDA QUANTO AO PLEITO REPARATÓRIO DOS PREJUÍZOS PATRIMONIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA NO TOCANTE AO ABALO ANÍMICO. INSURGÊNCIA DA AUTORA.

SUSTENTADA OMISSÃO NO JULGADO. ACOLHIMENTO. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO DECADENCIAL SUSCITADA NA RÉPLICA E NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NÃO ANALISADA PELO JUÍZO A QUO. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO. CONTAGEM DO PRAZO OBSTADA APÓS RECLAMAÇÃO DA CONSUMIDORA JUNTO À FORNECEDORA (ART. 26, § 2º, I, DO CDC). AUSÊNCIA DE RESPOSTA NEGATIVA. SUSPENSÃO MANTIDA. DECADÊNCIA AFASTADA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. CAUSA MADURA. POSSIBILIDADE DE IMEDIATO JULGAMENTO, NOS TERMOS DO ART. 1.013, § 4º, DO CPC. NECESSIDADE DE ANÁLISE DAS PRELIMINARES SUSCITADAS NA CONTESTAÇÃO NÃO APRECIADAS NA 1ª INSTÂNCIA.

FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ALEGAÇÃO DE QUE COMPETIA À DEMANDANTE VERIFICAR O FIM DA CONTROVÉRSIA PELOS MEIOS ADMINISTRATIVOS. DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA EXTRAJUDICIAL. DECORRIDOS OS TRINTA DIAS DADOS AO FORNECEDOR PARA SANAR O VÍCIO (ART. 18, § 1º, CDC). DIREITO DO CONSUMIDOR DE EXIGIR (ALTERNATIVAMENTE E À SUA ESCOLHA) A SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO, A RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA OU O ABATIMENTO PROPORCIONAL DO PREÇO. PRELIMINAR AFASTADA.

PRESCRIÇÃO TRIENAL. DATAS APRESENTADAS PELA DEMANDADA QUE NÃO ULTRAPASSAM OS TRÊS ANOS. TESE DA DEFESA SEM EFEITO PRÁTICO.

PEDIDO DA RÉ DE DENUNCIAÇÃO À LIDE DO DIRETOR DO ÓRGÃO DE TRÂNSITO POR ENTENDER SER O RESPONSÁVEL PELA REGULARIZAÇÃO DA NUMERAÇÃO DO MOTOR DO VEÍCULO. REJEIÇÃO. REGISTRO DO AUTOMÓVEL REALIZADO CONFORME AS INFORMAÇÕES PRESTADAS PELA MONTADORA. ERRO NO PREENCHIMENTO DA NOTA FISCAL VERIFICADO. RESPONSABILIDADE DA FORNECEDORA.

MÉRITO.

DANO MATERIAL. EQUÍVOCO ADMITIDO PELA FÁBRICA. FALHA DO SISTEMA. TENTATIVA DE RESOLUÇÃO DO PROBLEMA PELA MONTADORA JUNTO AO DETRAN. PEDIDO NEGADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. DUPLICIDADE NA NUMERAÇÃO. ALEGADA AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA RÉ. RESOLUÇÃO DO COTRAN QUE, SEGUNDO ADUZIDO, PERMITE MAIS DE UM VEÍCULO COM MESMO NÚMERO DE MOTOR. SITUAÇÃO QUE NÃO EXIME A DEMANDADA DE SUAS OBRIGAÇÕES. VÍCIO REMANESCENTE. IMPOSSIBILIDADE DA DEMANDANTE DE TRANSFERIR O BEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE RESSARCIMENTO RECONHECIDO EM VALOR CORRESPONDENTE AO PREÇO DE MERCADO DO VEÍCULO NA ÉPOCA QUE FICOU IMPOSSIBILITADA DE ALIENÁ-LO. USO DO BEM DURANTE CINCO ANOS. NECESSIDADE DE SE EVITAR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. RETORNO AO STATUS QUO. DEVOLUÇÃO DO BEM À DEMANDADA. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. PROCEDÊNCIA DO ALUDIDO PLEITO.

DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL VERIFICADA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 186 E 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC/2002. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO CONFORME PARÂMETROS DESTA CORTE, GUARDANDO O NECESSÁRIO CARÁTER PEDAGÓGICO E INIBIDOR AO CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DECISUM ALTERADO.

ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. ALTERAÇÃO DO JULGADO NESTA INSTÂNCIA. REDISTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA AUTORA. CONDENAÇÃO DA DEMANDADA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, CONFORME O ART. 85, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE O JULGADOR SE MANIFESTAR SOBRE TODOS OS DISPOSITIVOS APONTADOS PELAS PARTES QUANDO NÃO SE MOSTRAREM RELEVANTES PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0306290-54.2016.8.24.0033, da comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é apelante Leilani Machado Rosa e apelada Renault do Brasil S/A.

A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, a) conhecer do recurso e dar-lhe provimento para afastar a decadência e, nos termos do art. 1.013, § 4º, do CPC, julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando a requerida ao pagamento de indenização (a1) de R$ 17.831,00 (dezessete mil, oitocentos e trinta e um reais), a título de dano material, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação e de correção monetária pelo INPC desde julho de 2013; (a2) de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a título de abalo moral, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação (art. 405, CC) e de correção monetária pelo INPC a partir da publicação deste acórdão; b) condenar a acionada ao pagamento das verbas de sucumbência na forma da fundamentação. Custas legais.

O julgamento, realizado em 23 de abril de 2020, foi presidido pelo Desembargador Helio David Vieira Figueira dos Santos, com voto, e dele participou o Desembargador Selso de Oliveira.

Florianópolis, 24 de abril de 2020.


Luiz Felipe Schuch

RELATOR


RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença de fls. 114-119, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Leilani Machado Rosa, devidamente qualificada nos autos, por intermédio de seu procurador, propôs a presente Ação de Reparação de Danos c/c Obrigação de Fazer contra Renault do Brasil S/A, igualmente identificada, alegando, em síntese, que no dia 15.05.2008 compareceu a um concessionária autorizada da requerida e adquiriu o veículo Logan Sedan Authentique 0KM, ano/modelo 2008, placas MET-1864, cor vermelha, RENAVAM 965896072, motor n. D4DH760Q021812, pelo valor de R$ 33.490,00 (trinta e três mil quatrocentos e noventa reais).

Afirma que passados pouco mais de cinco anos da aquisição do bem foi tentar vendê-lo quando foi surpreendida com a notícia de que não poderia alienar o automóvel, pois a numeração do motor no documento não coincidia com o número do motor de fato instalado no veículo.

Assevera que procurou a requerida para esclarecer a situação e que esta reconheceu o erro e forneceu a declaração exata da informação, porquanto se tratava de um erro de sistema.

Noticia que procurou o órgão de trânsito competente, onde então foi informada que não poderia realizar a correção do documento do veículo, tendo em vista que outro automóvel produzido pela requerida já se encontrava transitando com um motor com o número idêntico ao que estava instalado em seu carro.

Requereu seja a presente ação julgada procedente para condenar a requerida ao pagamento de danos morais, materiais e, sucessivamente, a determinação da regularização jurídica do veículo.

Juntou documentos às fls. 18/29 e 33/36.

Devidamente citada (fl. 40), a requerida apresentou contestação (fls. 42/60), alegando, preliminarmente, a decadência, a falta de interesse de agir, prescrição e denunciação a lide e, no mérito, pleiteou a improcedência do pedidos da requerente.

Juntou documentos às fls. 61/82.

Houve réplica às fls. 86/102.

As partes requereram o julgamento antecipado da lide às fls. 106/107.

Os autos, então, vieram-me conclusos.

O Magistrado de primeiro grau julgou extinto o processo, nos seguintes termos:

Ante exposto, JULGO EXTINTA em relação ao pedido de obrigação de fazer, diante da ocorrência da decadência, e JULGO IMPROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais desta ação autuada sob o nr. 0306290-54.2016.8.24.0033, proposta por Leilani Machado Rosa contra Renault do Brasil S/A.

Condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do procurador da requerida no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).


A autora opôs embargos declaratórios (n. 0008679-51.2017.8.24.0033), os quais foram rejeitados.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, interpôs apelação. Em preliminar, aduz que o prazo decadencial não se consumou. Entende que a contagem foi interrompida (por meio da reclamação formulada perante a fornecedora ré), mas não foi retomada por eventual resposta negativa, como preceitua o art. 26, § 2º, I, do CDC. Suscita, ainda em prefacial, nulidade do decisum por ausência de fundamentação, por ter o magistrado singular deixado de contrapor precedente desta Corte citado (AC n. 0017875-89.2010.8.24.0033), por meio do qual "se firmou entendimento de que apenas a resposta negativa por parte do fornecedor tem o condão de dar novo fluxo ao transcurso do prazo decadencial" (fl. 139). No mérito, salienta o fato de a demandada ter reconhecido o vício no produto, ensejando dupla responsabilização: "pelo prejuízo material decorrente da impossibilidade de transferência do bem; e pelo abalo emocional decorrente da situação em si de ver-se privado de se desfazer de um bem que adquiriu regularmente" (fl. 137). Prequestiona o art. 26 do CDC (fls. 127-142).

Contrarrazões às fls. 149-157.


VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a exceção contida no § 2º, VII, segunda parte, do mesmo dispositivo legal.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.


1 PRELIMINARES

1.1 Omissão na sentença

Infere-se que, de fato, o julgador a quo deixou de analisar causa "interruptiva" do prazo decadencial, prevista no art. 26, § 2º, I, do CDC, suscitada na réplica pela demandante, bem como o precedente citado à fl. 89 (AC n. 0017875-89.2010.8.24.0033), relativo ao tema.

O art. 489 do CPC estabelece:

Art. 489. [...]

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