Acórdão Nº 0306773-51.2015.8.24.0023 do Terceira Câmara de Direito Civil, 10-03-2020

Número do processo0306773-51.2015.8.24.0023
Data10 Março 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0306773-51.2015.8.24.0023

Relator: Desembargador Marcus Tulio Sartorato

CONSUMIDOR. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO. EMBARCAÇÃO DE PESCA. NAUFRÁGIO DO BOTE AUXILIAR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. ALEGAÇÃO DE QUE O "CAÍCO", AS REDES DE PESCA E AS DEMAIS FERRAMENTAS UTILIZADAS NA PRÁTICA PESQUEIRA DESENVOLVIDA PELO AUTOR SE INCLUEM NA COBERTURA SECURITÁRIA CONTRATADA. INSUBSISTÊNCIA. OBJETOS NÃO COBERTOS. APÓLICE QUE SE LIMITOU A SEGURAR A EMBARCAÇÃO PRINCIPAL E OS EQUIPAMENTOS IMPRESCINDÍVEIS PARA O SEU FUNCIONAMENTO. CLÁUSULA LIMITATIVA. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO AMPLIATIVA POR PARTE DO AUTOR. INVIABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 47 DO CÓDIGO CONSUMERISTA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO PACTO SECURITÁRIO. EXEGESE DO ART. 757 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. A essência do contrato de seguro é a predeterminação dos riscos (art. 757 do Código Civil). Logo, estes devem ser interpretados de modo restritivo, uma vez que ampliá-los pela via interpretativa seria o mesmo que indeterminá-los, o que resultaria na deturpação da essência do contrato e no desequilíbrio da delicada relação risco-prêmio que se encontra no fundamento do pacto securitário.

2. Nem toda cláusula restritiva de direitos é abusiva. O reconhecimento da abusividade depende da constatação de alguma das condições previstas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, isto é, que se demonstre, no caso concreto, a existência de um desequilíbrio significativo que demande intervenção por parte do Poder Judiciário naquele contrato, a fim de proteger o consumidor. Não caracterizada a situação, o pacto deve ser aplicado exatamente como foi celebrado, tudo para evitar que o pilar da segurança jurídica, cuja preservação em última análise não é mais importante para as seguradoras do que para os segurados, seja lenta e irreversivelmente corroído - e pior, sob a batuta do Poder Judiciário - ao ponto de encarecer e, em um cenário extremo, até inviabilizar as contratações de seguro no país.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0306773-51.2015.8.24.0023, da comarca da Capital 6ª Vara Cível em que é Apelante Arlindo Isaac da Costa Junior e Apelada Aliança do Brasil Seguros S/A.

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso e fixar honorários recursais nos termos do voto. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, com votos vencedores, a Exma. Sra. Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta e o Exmo. Sr. Des. Saul Steil.

Florianópolis, 10 de março de 2020.

Desembargador Marcus Tulio Sartorato

Presidente e Relator


RELATÓRIO

Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado às fls. 271/272, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:

ARLINDO ISAAC DA COSTA JÚNIOR, já devidamente qualificado, propôs a presente "Ação Ordinária" contra ALIANÇA DO BRASIL SEGUROS S/A, também já qualificada, alegando, em síntese, que celebrou contrato de seguro com a ora ré, a fim de proteger sua embarcação pesqueira, denominada Gavião Pescador III (anteriormente, Aurart), registrada junto à Capitania de Portos de Santa Catarina, sob o n. 443-047430-3. Ocorre que, após sinistro sofrido ao bem, o qual ocasionou o naufrágio da "panga" (bote auxiliar utilizado para efetuar o cerco do cardume) e demais equipamentos inerentes a atividade pesqueira, a requerida se negou a cobrir os prejuízos sofridos, sob o argumento de que esses não estavam aparados pelos termos constantes na apólice do seguro.

Assim, após emenda da sua inicial (fls. 79/82), o autor requereu a condenação da ré ao pagamento dos prejuízos efetivamente suportados, cuja monta perfaz R$ 395.647,62 ou, alternativamente, da estimativa dos danos, esta no valor de R$ 347.656,50. De igual modo, requereu a condenação aos honorários sucumbenciais.

Ao final, pleiteou a inversão do ônus da prova, juntou documentos e protestou pela produção de provas.

Citada, a ré apresentou contestação, aduzindo, sucintamente, que os danos foram sofridos na embarcação auxiliar, a qual não estava protegida pela apólice do seguro. Alega que referido bem não estava presente à época da vistoria da embarcação, bem como que a limitação da cobertura securitária resta-se ampara pela legislação pátria. Alternativamente, no caso do reconhecimento da obrigação de indenizar, argumentou que deve ser descontado do valor pretendido a franquia constante no contrato de seguro. Ainda, asseverou que o termo inicial dos juros moratórios, bem como a correção monetária incidem a partir da sentença ou, sucessivamente, da citação válida. Por fim, impugnou o requerimento de inversão do ônus da prova, juntou documentos, protestou pela produção de provas e, no mérito, suplicou pela improcedência da ação e pela condenação do autor ao pagamento dos honorários sucumbenciais.

Em sua réplica (fls. 259/270), o autor se insurgiu contra a limitação da proteção contratada, alegando que, caso existente, deveria estar disposta em termos claros e destacados no contrato celebrado, conforme prevê o código consumerista.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

O MM. Juiz de Direito, Dr. Celso Henrique de Castro Baptista Vallim, decidiu a lide nos seguintes termos (fls. 275/276):

Diante do exposto, na forma do art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Arlindo Isaac Da Costa Júnior contra Aliança do Brasil Seguros S/A.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios dos procuradores da ré, este fixado em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 2º, do CPC, considerando a natureza e importância da matéria trazida a conhecimento, o grau de zelo dos procuradores, o tempo que lhes foi exigido para o serviço e o lugar da sua prestação.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 282/294) no qual argumenta que não há como excluir da cobertura securitária os equipamentos utilizados para a atividade econômica realizada por si. Explicou que a panga, ou bote de apoio é equipamento pertencente a embarcação principal, o qual se encontrava a bordo no momento da vistoria pela seguradora, juntamente com as redes, razão pela qual possui cobertura securitária. Requereu, por fim, a reforma da sentença, para que sejam julgados procedentes os pedidos exordiais.

Sem contrarrazões pela parte ré.


VOTO

1. Inicialmente, há que se reconhecer a relação de consumo existente entre as partes, as quais se enquadram no conceito de consumidor e fornecedor de serviços, estatuídos nos artigos e , respectivamente, do Código de Defesa do Consumidor. Prescrevem os mencionados dispositivos que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", e que "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Esse é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"A pessoa jurídica que firma contrato de seguro visando à proteção de seu próprio patrimônio é considerada destinatária final dos serviços securitários, incidindo, assim, em seu favor, as normas do Código de Defesa do Consumidor" (T-4, AgIntREsp n. 1.214.034, Min. Raul Araújo; T-3, AgRgAREsp n. 735.249, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

No âmbito desta Corte de Justiça, também não há divergência, quanto à aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor aos contratos de seguro, conforme se depreende dos seguintes julgados:

Aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações entre segurado e seguradora (TJSC, Apelação Cível n. 2012.071554-8, de Forquilhinha, rel. Des. Fernando Carioni, com votos vencedores deste relator e da Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 30-10-2012).

Aplicam-se os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica existente entre empresa seguradora e seus clientes, a teor do artigo 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90 (TJSC, Apelação Cível n. 2011.091468-6, de Papanduva, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben , j. 29-03-2012).

É pacífico o entendimento jurisprudencial de ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor nas relações que envolvem segurado e seguradora (TJSC, Apelação Cível n. 2010.067675-2, de Blumenau, rel. Des. Saul Steil, j. 13-11-2012).

Ademais, vê-se que o autor contratou seguro para proteção de seu próprio patrimônio, isto é, da embarcação Gavião Pescador III. Logo, ele se enquadra na posição de destinatário final do...

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