Acórdão Nº 0306824-82.2016.8.24.0005 do Quarta Câmara de Direito Público, 11-08-2022
Número do processo | 0306824-82.2016.8.24.0005 |
Data | 11 Agosto 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara de Direito Público |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 0306824-82.2016.8.24.0005/SC
RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI
APELANTE: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC (EMBARGADO) APELADO: WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA. (EMBARGANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Balneário Camboriú, nos autos dos Embargos à Execução Fiscal n. 0306824-82.2016.8.24.00005, opostos por WMS Supermercados do Brasil Ltda., inconformado com a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para minorar o valor da multa aplicada pelo PROCON para R$ 10.000,00 (dez mil reais) e, ainda, condenou o embargado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ex vi do art. 85, § 3º, I, do CPC (Evento 44, dos autos de origem).
Sustenta que o processo administrativo que culminou na aplicação de multa pelo PROCON foi absolutamente regular, inclusive, no tocante à dosimetria da penalidade, nos moldes do art. 57 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) c/c art. 28 do Decreto n. 2.181/1997, conforme reconhecido na própria sentença e, assim, não há justificativa para a redução do quantum arbitrado administrativamente. Salienta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem chancelando os valores aplicados pelos PROCONs no âmbito nacional, com valores condizentes com os danos causados, o lucro visado e o porte do infrator. Afirma que a "sentença proferida, ao comparar o valor da multa imposta ao fornecedor com o valor do objeto da infração e com possível indenização de cunho moral do consumidor, feriu de morte a legislação consumerista, uma vez que esta visa a coibir e reprimir o mau-fornecedor, protegendo consumidor de práticas e técnicas ilegais e abusivas na relação de consumo conforme disposto no art. 4º, incisos I e VII, do CDC". Diz, ademais, que é vedado ao Poder Judiciário o exame do mérito do ato administrativo de caráter vinculado, caso dos autos. Argumenta, por fim, que os ônus de sucumbência devem recair sobre o devedor, pois foi quem deu causa ao ajuizamento da execução fiscal. Requer, pois, a reforma da sentença, para que seja mantida a multa originalmente aplicada, bem como invertidos os ônus sucumbenciais (Evento 50, dos autos de origem).
Em contrarrazões, WMS Supermercados do Brasil Ltda. defende a manutenção da sentença, alegando que a multa aplicada pelo PROCON viola o princípio da legalidade, posto que foram ignoradas as diretrizes constantes do art. 57 do CDC e dos arts. 26, inc. I, 27 e 28 do Decreto n. 2.181/1997, e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, implicitamente previstos na Constituição Federal e expressamente consignados no art. 2º da Lei n. 9.784/1999 (Evento 56).
É o relatório.
VOTO
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O Município de Balneário Camboriú insurge-se contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos à execução fiscal opostos por WMS Supermercados do Brasil Ltda. para reduzir a multa aplicada pelo PROCON, orignalmente no valor de 63.436,38 (sessenta e três mil quatrocentos e trinta e seis reais e trinta e oito centavos) UFIR, equivalente a R$ 67.502,65 (sessenta e sete mil quinhentos e dois reais e sessenta e cinco centavos) (em 13/09/2011 - Evento 1, INF. 13), para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A magistrada de origem justificou que, "ainda que legítima a cobrança da multa, o valor da sanção pecuniária ultrapassa os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo inclusive superior a eventual quantia que poderia ser alcançada pela cliente caso processasse civilmente a empresa executada", razão pela qual utilizou "como parâmetro para a valoração da multa a quantia aplicada em casos de indenização de dano moral movidas por consumidores pela prática infração consumerista como a dos autos" (Evento 44).
O apelante, por seu turno, discorda da redução da multa, ressaltando, sobretudo, a observância dos critérios legais e a finalidade da sanção.
A despeito da argumentação trazida no recurso, entendo que a sentença, no ponto, merece ser mantida.
A multa decorre de reclamação feita por consumidor, por falha prestação de serviço, ao pretender quitar prestações do cartão de crédito pessoal e da esposa e os valores terem sido creditados em apenas um dos cartões, o que resultou em débito e cobrança de juros no outro.
A pena de multa está prevista no art. 56, I, do CDC, devendo ser mensurada de acordo com o art. 57 do mesmo diploma legal e do art. 28 do Decreto n. 2.181/1997, observados a gravidade da prática infrativa, a extensão do dano causado ao consumidor, a vantagem auferida com o ato infrativo e a condição econômica do infrator.
Da leitura da decisão administrativa, observo que a multa foi fixada inicialmente em 17.300,83 (dezessete mil e trezentos reais e oitenta e três centavos) UFIR, de acordo com o faturamento estimado do infrator.
Em seguida, diante do enquadramento e da gravidade da infração, foi acrescida de 30% (trinta por cento).
Após, considerando a vantagem auferida pela empresa autuada, e sendo o dano classificado como de caráter individual, houve novo acréscimo de 10% (dez por cento), resultando na multa de 31.718,19 (trinta e um mil setecentos e dezoito reais e dezenove centavos) UFIR.
Finalmente, a multa foi dobrada para 63.436,38 (sessenta e três mil quatrocentos e trinta e seis reais e trinta e oito centavos) UFIR, aplicado-se a agravante da reincidência.
As causas de elevação consideradas (gravidade da infração e dano individual), no entanto, têm a mesma origem e, assim, caracterizam bis in idem.
Além disso, não se ignora o elevado faturamento mensal da empresa infratora, uma vez que é grande rede de supermercados. Contudo, é forçoso reconhecer a desproporcionalidade da multa aplicada ao caso concreto, em que o consumidor reclama por equívoco no pagamento de prestação de apenas R$ 101,90 (cento e um reais e noventa centavos) (Evento 1, INF12).
Evidencia-se, nesse contexto, nítido excesso do poder de polícia exercido pelo órgão administrativo.
Leciona, a propósito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto; quanto aos dois últimos, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites traçados pela lei.
[...]
Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais. (Direito Administrativo, 29 ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016, p. 161, grifei).
Em caso análogo ao presente, também oriundo de multa aplicada pelo PROCON de Balneário Camboriú...
RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI
APELANTE: MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ/SC (EMBARGADO) APELADO: WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA. (EMBARGANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Balneário Camboriú, nos autos dos Embargos à Execução Fiscal n. 0306824-82.2016.8.24.00005, opostos por WMS Supermercados do Brasil Ltda., inconformado com a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, com fulcro no art. 487, I, do CPC, para minorar o valor da multa aplicada pelo PROCON para R$ 10.000,00 (dez mil reais) e, ainda, condenou o embargado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ex vi do art. 85, § 3º, I, do CPC (Evento 44, dos autos de origem).
Sustenta que o processo administrativo que culminou na aplicação de multa pelo PROCON foi absolutamente regular, inclusive, no tocante à dosimetria da penalidade, nos moldes do art. 57 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) c/c art. 28 do Decreto n. 2.181/1997, conforme reconhecido na própria sentença e, assim, não há justificativa para a redução do quantum arbitrado administrativamente. Salienta que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem chancelando os valores aplicados pelos PROCONs no âmbito nacional, com valores condizentes com os danos causados, o lucro visado e o porte do infrator. Afirma que a "sentença proferida, ao comparar o valor da multa imposta ao fornecedor com o valor do objeto da infração e com possível indenização de cunho moral do consumidor, feriu de morte a legislação consumerista, uma vez que esta visa a coibir e reprimir o mau-fornecedor, protegendo consumidor de práticas e técnicas ilegais e abusivas na relação de consumo conforme disposto no art. 4º, incisos I e VII, do CDC". Diz, ademais, que é vedado ao Poder Judiciário o exame do mérito do ato administrativo de caráter vinculado, caso dos autos. Argumenta, por fim, que os ônus de sucumbência devem recair sobre o devedor, pois foi quem deu causa ao ajuizamento da execução fiscal. Requer, pois, a reforma da sentença, para que seja mantida a multa originalmente aplicada, bem como invertidos os ônus sucumbenciais (Evento 50, dos autos de origem).
Em contrarrazões, WMS Supermercados do Brasil Ltda. defende a manutenção da sentença, alegando que a multa aplicada pelo PROCON viola o princípio da legalidade, posto que foram ignoradas as diretrizes constantes do art. 57 do CDC e dos arts. 26, inc. I, 27 e 28 do Decreto n. 2.181/1997, e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, implicitamente previstos na Constituição Federal e expressamente consignados no art. 2º da Lei n. 9.784/1999 (Evento 56).
É o relatório.
VOTO
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O Município de Balneário Camboriú insurge-se contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos à execução fiscal opostos por WMS Supermercados do Brasil Ltda. para reduzir a multa aplicada pelo PROCON, orignalmente no valor de 63.436,38 (sessenta e três mil quatrocentos e trinta e seis reais e trinta e oito centavos) UFIR, equivalente a R$ 67.502,65 (sessenta e sete mil quinhentos e dois reais e sessenta e cinco centavos) (em 13/09/2011 - Evento 1, INF. 13), para R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A magistrada de origem justificou que, "ainda que legítima a cobrança da multa, o valor da sanção pecuniária ultrapassa os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo inclusive superior a eventual quantia que poderia ser alcançada pela cliente caso processasse civilmente a empresa executada", razão pela qual utilizou "como parâmetro para a valoração da multa a quantia aplicada em casos de indenização de dano moral movidas por consumidores pela prática infração consumerista como a dos autos" (Evento 44).
O apelante, por seu turno, discorda da redução da multa, ressaltando, sobretudo, a observância dos critérios legais e a finalidade da sanção.
A despeito da argumentação trazida no recurso, entendo que a sentença, no ponto, merece ser mantida.
A multa decorre de reclamação feita por consumidor, por falha prestação de serviço, ao pretender quitar prestações do cartão de crédito pessoal e da esposa e os valores terem sido creditados em apenas um dos cartões, o que resultou em débito e cobrança de juros no outro.
A pena de multa está prevista no art. 56, I, do CDC, devendo ser mensurada de acordo com o art. 57 do mesmo diploma legal e do art. 28 do Decreto n. 2.181/1997, observados a gravidade da prática infrativa, a extensão do dano causado ao consumidor, a vantagem auferida com o ato infrativo e a condição econômica do infrator.
Da leitura da decisão administrativa, observo que a multa foi fixada inicialmente em 17.300,83 (dezessete mil e trezentos reais e oitenta e três centavos) UFIR, de acordo com o faturamento estimado do infrator.
Em seguida, diante do enquadramento e da gravidade da infração, foi acrescida de 30% (trinta por cento).
Após, considerando a vantagem auferida pela empresa autuada, e sendo o dano classificado como de caráter individual, houve novo acréscimo de 10% (dez por cento), resultando na multa de 31.718,19 (trinta e um mil setecentos e dezoito reais e dezenove centavos) UFIR.
Finalmente, a multa foi dobrada para 63.436,38 (sessenta e três mil quatrocentos e trinta e seis reais e trinta e oito centavos) UFIR, aplicado-se a agravante da reincidência.
As causas de elevação consideradas (gravidade da infração e dano individual), no entanto, têm a mesma origem e, assim, caracterizam bis in idem.
Além disso, não se ignora o elevado faturamento mensal da empresa infratora, uma vez que é grande rede de supermercados. Contudo, é forçoso reconhecer a desproporcionalidade da multa aplicada ao caso concreto, em que o consumidor reclama por equívoco no pagamento de prestação de apenas R$ 101,90 (cento e um reais e noventa centavos) (Evento 1, INF12).
Evidencia-se, nesse contexto, nítido excesso do poder de polícia exercido pelo órgão administrativo.
Leciona, a propósito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto; quanto aos dois últimos, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites traçados pela lei.
[...]
Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais. (Direito Administrativo, 29 ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016, p. 161, grifei).
Em caso análogo ao presente, também oriundo de multa aplicada pelo PROCON de Balneário Camboriú...
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