Acórdão Nº 0306829-79.2018.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Civil, 15-12-2022

Número do processo0306829-79.2018.8.24.0023
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0306829-79.2018.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: TARCICIO MENEZES FAGUNDES (RÉU) ADVOGADO: DAYANA LUZ (DPE) APELADO: ORTIZ E CURTI TELEFONIA LTDA (AUTOR) ADVOGADO: MARION ELISABETE DA SILVA (OAB SC016527) ADVOGADO: CARLOS HENRIQUE KÖEHLER (OAB SC023172)

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença proferida na Comarca da Capital, da lavra do Magistrado João Batista da Cunha Ocampo Moré, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis (EVENTO 56):

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por Ortiz e Curti Telefonia Ltda. Me em face de Tarcicio Menezes Fagundes, ambos qualificados.

Alegou a parte autora, em resumo, que no mês de junho de 2015 contratou o réu para fazer a contabilidade da empresa e prestar consultoria contábil e empresarial, tendo prestado serviços à autora até fevereiro de 2017.

Sustentou que a empresa é composta por dois irmãos de origem uruguaia e que o administrador estava exercendo a função de empresário pela primeira vez, razão pela qual confiou no profissional que lhe indicaram.

Relatou que efetuava o pagamento das obrigações mensais apresentadas pelo contador, até que se viu sem condições de quitar todas as obrigações tributárias, requerendo ao réu que fosse feito o parcelamento de um valor de INSS, pois sabia ter deixado de pagá-lo.

Expôs que o réu informou que não estava conseguindo efetuar o parcelamento, quando foi surpreendido pela expropriação do valor via penhora on-line. Entrou em contato com a procuradora, descobrindo tratar-se de ação de execução fiscal movida pela União, referente à dívida de R$19.717,66 (dezenove mil, setecentos e dezessete reais e sessenta e seis centavos).

Referiu que com o auxílio de sua advogada conseguiu efetuar o parcelamento com facilidade, sendo o sistema disponibilizado eletronicamente.

Informou que notificou o réu para entrega dos livros fiscais e que, sem resposta de sua parte, foi orientado a apresentar denúncia no Conselho de Contabilidade, na qual houve decisão do primeiro colegiado contra o contador, aguardando análise de recurso.

Requereu, assim, a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos materiais emergentes, no importe de R$33.029,89 (trinta e dois mil, vinte e nove reais e oitenta e nove centavos), lucros cessantes a serem apurados em liquidação de sentença e danos morais em valor não inferior a R$20.000,00 (vinte mil reais).

Juntou documentos (fls. 15/154).

Citado (fl. 158), o réu apresentou contestação (fls. 169/178) por intermédio da Defensoria Pública e asseverou que é apenas técnico em contabilidade, não contador, sendo que não realiza atividades mais complexas como declaração de tributos federais e que o contrato entre as partes foi verbal.

Repisou que não foi contratado para o pagamento de tributos, mas somente para o setor de pessoal/folha de pagamento relacionado com contratação, remuneração e dispensa de empregados (RAIS, GPS/INSS, 13º salário, FGTS, admissão e demissão de empregados e folha de pagamento).

Asseverou que a empresa ré deixou de pagar o INSS porque não tinha dinheiro disponível e que informou que poderia fazer um parcelamento ao final do ano. Todavia, para fazer o referido parcelamento é necessário certificado digital, mas a empresa autora havia o perdido.

Refutou os pedidos de danos materiais e morais, bem como apresentou negativa geral.

Impugnou os documentos colacionados e requereu a penalidade da autora diante da litigância de má-fé.

Requereu a concessão da gratuidade da justiça e juntou documentos (fls. 179/208).

Houve réplica (fls. 214/221).

Instadas a especificarem provas (fl. 226), a autora juntou nova documentação e apresentou rol de testemunhas (fls. 229/233), bem como a ré apresentou rol à fl. 236.

Durante a instrução, foi ouvida uma testemunha da autora e uma da parte ré (fl. 246).

Alegações finais às fls. 247/252 e 256/258.

Acresço que o Juiz a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, conforme parte dispositiva que segue:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGAM-SE PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados por Ortiz e Curti Telefonia Ltda. Me em face de Tarcicio Menezes Fagundes e, em consequência, CONDENA-SE o réu ao pagamento do valor de R$ 31.029,89 (trinta e um mil e vinte e nove reais e oitenta e nove centavos) a título de danos materiais e R$ 3.000,00 (três) mil reais a título de danos morais, tudo a ser corrigido conforme fundamentação.

Diante da sucumbência recíproca, os ônus processuais deverão ser distribuídos entre as partes, a teor do disposto no art. 86 do CPC, arcando a autora com 40% (quarenta por cento) das custas processuais, e o réu com os 60% (sessenta por cento) restantes.

Fixam-se os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da condenação, a teor do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, divididos entre os patronos das partes na proporção antes estabelecida.

Nos termos do art. 98, §3º, do Código de Processo Civil, suspende-se a exigibilidade das verbas, diante da concessão do benefício da justiça gratuita à autora (fl. 155) e ao demandado que ora defere-se, tendo em vista que assistido pela Defensoria Pública.

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, Tarcicio Menezes Fagundes apela, alegando que: a) inexiste prova do fato constitutivo do direito da empresa autora, mormente porque não há comprovação da contratação dos serviços para atuação na área fiscal; b) "como técnico em contabilidade, não realizava esses serviços e expôs essa situação desde o início da relação contratual à autora que, mesmo assim, aceitou os termos do avençado"; c) pertinente aos danos materiais, foi confessado pela autora que, por dificuldades financeiras, não poderia arcar com a contribuição ao INSS, razão pela qual promoveu o parcelamento da dívida, incidindo juros e correção monetária, encargos estes que não podem ser imputados como resultado de qualquer conduta em tese praticada pelo recorrente; d) "o Magistrado a quo, ao impor ao apelante a condenação por danos morais, baseou sua decisão unicamente no fato de que a abertura de um processo de execução fiscal contra a empresa seria apto a macular-lhe a reputação", entretanto, a autora "alicerçou seu pedido, exclusivamente, pelo sofrimento do sócio, que por todo o constrangimento que experimentou foi ferido em sua dignidade como ser humano". Dessa forma, "o julgado não teve qualquer correlação com a causa de pedir, ou seja, inovou em sua fundamentação, considerando como razão de decidir fatos não reclamados na exordial", razão pela qual deve ser afastada a indenização imposta; e) subsidiariamente, não sendo este o entendimento, requer seja o quantum fixado reduzido (EVENTO 66).

Ato contínuo, Ortiz e Curti Telefonia Ltda. Me apresentou contrarrazões, rebatendo as teses da parte contrária e pugnando pela manutenção da sentença (EVENTO 73).

VOTO

1. Admissibilidade

No que se refere ao juízo de admissibilidade, tem-se que preenchidos os pressupostos intrínsecos, pois o recurso é cabível e a parte tem legitimidade e interesse recursal, inexistindo fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer.

De igual forma, atinente aos pressupostos extrínsecos, verifica-se que o reclamo é tempestivo, está dispensado de preparo (EVENTO 3) e apresenta a regularidade formal, motivo por que segue a análise da insurgência.

2. Recurso

2.1. Responsabilidade Civil

Antes de apreciar a conduta do requerido, faz-se rápida digressão a respeito da responsabilidade civil do profissional liberal de contador, a qual norteará o julgamento da presente quaestio.

É cediço que os contadores respondem pessoalmente perante seus clientes por atos culposos, bem como solidariamente com os preponentes por atos dolosos quando no exercício de suas funções. É o que determina o art. 1.177, parágrafo único, do Código Civil, in verbis:

Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.

Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.

Na qualidade de profissional liberal, dispõe o § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor que "a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa".

Sobre o tema, colhe-se da doutrina:

O objetivo mais evidente da norma é submeter o chamado profissional liberal à obrigação de indenizar com base na responsabilidade subjetiva, isto é, por apuração da culpa. [...]

Não é o fato de se constituir uma pessoa jurídica que modifica a responsabilidade de subjetiva em objetiva. O profissional liberal pode muito bem constituir uma sociedade profissional, como, por exemplo, uma sociedade de advogados, apenas e tão somente no intuito de efetuar uma melhor organização fiscal de receitas e despesas, sem nenhuma intenção de deixar de ser profissional liberal. [...]

Não é o fato de ter...

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