Acórdão Nº 0306848-26.2017.8.24.0054 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-08-2021

Número do processo0306848-26.2017.8.24.0054
Data26 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0306848-26.2017.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: OSLI JOSE LUIZ (AUTOR) ADVOGADO: MARCOS LUIZ KELLER (OAB SC038417) ADVOGADO: JOAO CARLOS DA SILVA ZABALA (OAB SC039198) APELADO: BANCO VOTORANTIM S.A. ADVOGADO: RODRIGO SCOPEL (OAB SC021899)

RELATÓRIO

Osli Jose Luiz interpôs recurso de apelação cível em face da sentença do Evento 20 dos autos de origem, que, proferida pelo juízo da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Rio do Sul, julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor em ação Revisional ajuizada em face da BV Financeira S.A. (sucedida pelo Banco Votorantim S.A.).

Cuida-se, na origem, de ação revisional aforada 8-12-2017 por Osli Jose Luiz, tendo por objetivo a modificação de contrato de financiamento de veículo pactuado com a instituição financeira demandada, na qual alegou a parte autora a existência de abusividades contratuais referentes às taxas de juros aplicadas, a cobrança ilegal das tarifas de avaliação do bem e de registro do contrato, bem como impugnou a contratação de seguro prestamista, o qual considerou venda casada. Suscitou a aplicação do código consumerista pugnando pelo afastamento das cláusulas reputadas abusivas e a devolução do valor que considera ter pago a maior.

Recebida a inicial, e deferida a gratuidade da justiça, foi determinada a citação da parte demandada (Evento 3 dos autos de origem).

Devidamente citada, a BV Financeira Crédito Financiamento e Investimnto S/A, em contestação (Evento 8 dos autos de origem), defendeu, preliminarmente, a ocorrência da prescrição. Alegou, no mérito, a ausência de cláusulas contratuais que violassem disposições da legislação consumerista. Sustentou, neste sentido, a legalidade das taxas de juros contratadas, não sujeitas a qualquer limitação legal. Destacou não ter cobrado qualquer tarifa ilegal, sendo regulares aquelas previstas no contro. Defendeu a contratação do seguro prestamista afirmando não se tratar de venda casada, porquanto dada a opção de contratação ao consumidor. Suscitou a ausência de fundamentos para o dever de repetição de indébito, pugnando, ao final, pela improcedência da demanda.

Intimada, a parte autora não se manifestou acerca da contestação (Evento 15 dos autos de origem).

Sobreveio sentença de mérito, prolatada em 1ª-6-2021 pelo magistrado Giancarlo Rossi, da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Rio do Sul, que julgou improcedentes os pedidos revisionais, o que fez nos seguintes termos (Evento 20 dos autos de origem):

OSLI JOSE LUIZ propôs Ação de Revisão de Cláusulas Contratuais c/c repetição de indébito contra BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. Informou que as partes firmaram contrato com garantia de alienação fiduciária de veículo. Alegou, contudo, a existência de cláusulas abusivas, as quais pretende sejam declaradas nulas, manifestando insurgência quanto aos seguintes itens: a) juros remuneratórios; b) tarifa de avaliação do bem e tarifa de registro de contrato; c) seguro prestamista. Pugnou pela repetição dos valores cobrados indevidamente. Requereu, ao final, a revisão do contrato, bem como a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova. Pleiteou a concessão dos benefícios da justiça gratuita, valorou a causa e juntou documentos.

O benefício da justiça gratuita foi deferido por meio da decisão do evento 3.

Citada, a parte ré apresentou resposta por meio de contestação (evento 8). Preliminarmente, alegou a ocorrência da prescrição. No mérito, sustentou que o contrato celebrado observou a legislação vigente e a vontade das partes, inexistindo descumprimento da sua função social, da boa-fé objetiva e do equilíbrio econômico contratual. Defendeu a legalidade da contratação em relação a tudo o que a parte autora se insurgiu, refutando, ainda, a repetição do indébito. Requereu a improcedência dos pedidos e juntou documentos.

Embora intimada (evento 10), a parte autora deixou transcorrer in albis o prazo para réplica (evento 15).

É o relatório.

DECIDO.

I- Julgo antecipadamente a lide, com base no artigo 355, I, do Código de Processo Civil, porque desnecessária a produção de outras provas além daquelas já existentes nos autos.

II- Como se sabe, "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula 297 do STJ). Assim, levando-se em conta que a parte autora contratou serviços de natureza bancária fornecidos no mercado de consumo, mediante remuneração, para atender à necessidade de caráter pessoal (art. 2º da Lei n. 8.078/1990), a relação jurídica objeto dos autos é orientada pelas disposições da Lei n. 8.078/1990, com os consectários dela decorrentes.

III- A prejudicial de mérito arguida pela parte ré deve ser rejeitada sem maiores digressões, pois, "se a demanda objetiva a revisão do contrato celebrado entre as partes, possui o prazo prescricional de 20 ou 10 anos, desde a pactuação, nos termos da interpretação dos artigos 177 do Código Civil de 1916 e 205 do atual diploma legal (CC/2002)" (TJSC, Apelação Cível n. 0009395-34.2007.8.24.0064, de São José, Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 29-08-2019). Assim, como o contrato objeto dos autos foi pactuado em 14/01/2013 e a presente demanda foi ajuizada em 08/12/2017, não há que se falar em prescrição.

Mérito

IV- Cuida-se de Ação de Revisão Contratual c/c repetição de indébito ajuizada por OSLI JOSE LUIZ contra BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO.

A finalidade precípua do Poder Judiciário é a pacificação social, resolvendo os conflitos mediante a aplicação da norma adequada ao caso concreto.

As ações revisionais de contratos bancários já produziram entendimentos jurisprudenciais dos mais variados, gerando, inclusive, expectativas nos consumidores que não resistiram aos posicionamentos dos tribunais superiores.

Com efeito, respeitados os entendimentos em sentido diverso, passo a analisar as matérias debatidas com enfoque em recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça, órgão constitucionalmente investido de competência para uniformizar a legislação infraconstitucional (Art. 105, III, "c", da CRFB), sem prejuízo da decisão do Supremo Tribunal Federal, que afastou a limitação constitucional dos juros remuneratórios, e demais posicionamentos jurisprudenciais que respaldam o convencimento deste julgador acerca dos temas que serão apreciados.

Inicialmente, cumpre esclarecer que as partes celebraram contrato de financiamento, consubstanciado na Cédula de Crédito Bancário acostada no evento 1 (informação 13) e apresentada na integralidade pela ré no evento 8 (informação 22).

Passo a analisar as cláusulas questionadas na inicial.

a) juros remuneratórios

Quanto à limitação dos juros remuneratórios, cabe registrar que a simples constatação de que a cobrança pela instituição financeira excede a média praticada pelo mercado não significa, por si só, aproveitamento exorbitante em detrimento do consumidor. A propósito, os índices divulgados pelo Banco Central do Brasil não se apresentam como parâmetro estanque na aferição da cobrança abusiva de juros, pois "dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre a abusividade" (STJ, REsp 1061530-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22-10-2008), justamente por incorporar as menores e as maiores contribuições exigidas pelo sistema bancário no período em que o capital ficou emprestado (STJ, AgRg no REsp 1309365-RS, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 7-8-2012, j 13-8-2012).

Como se disse, não há dúvidas de que a taxa referida constitui parâmetro para avaliar a adequação dos juros contratados com a média do mercado em determinado período. Contudo, não há como padronizar as contratações adotando-se como limite a taxa média de mercado de forma obrigatória e também não se pode impedir a variação, nos casos concretos, para mais ou menos da média aferida. O que se deve avaliar, com fundamento nesse referencial fornecido, é a razoabilidade da diferença e, assim, eventual colocação do consumidor em desvantagem exagerada capaz de configurar o desequilíbrio contratual (STJ, AgInt no AREsp 791745-MS, rel. Min. Raul Araújo, j. 6-12-2016).

Cumpre frisar, nesse ponto, que a parte autora, ao firmar em 14/01/2013 o contrato em discussão (evento 8, informação 22), anuiu com as taxas de juros lá constantes, no importe de 40,60% ao ano e 2,88% ao mês.

Em consulta ao Sistema Gerenciador de Séries Temporais, verifica-se que o índice médio encontrado para a negociação na data do pacto era de 1,57% ao mês e 20,53% ao ano, consoante as taxas apresentadas para juros prefixados para operações de crédito com recursos livres - aquisição de veículos (Séries 25471 e 20749). Portanto, não é possível identificar abusividade manifesta, assim entendida como desvantagem exagerada do consumidor.

De toda sorte, em julgado do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde foi avaliado contrato de financiamento firmado em 06/2015, com taxas de juros pactuadas de 3,6756% ao mês e 54,2119% ao ano, enquanto o índice médio encontrado para a negociação respectiva na data do pacto era de 24,71% ao ano (Série 20749 - BACEN), não foi identificada abusividade.

No corpo do acórdão, ficou anotado, "Portanto, deve ser respeitada a pactuação das partes quando se apresenta razoável em relação às taxas aplicáveis para as mesmas espécies de contrato. A minoração do índice não pode ocorrer simplesmente porque existem outras instituições que cobram menos. Essa avaliação (da melhor taxa de juros) compete ao...

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