Acórdão Nº 0307110-16.2019.8.24.0018 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 05-03-2020

Número do processo0307110-16.2019.8.24.0018
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemChapecó
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0307110-16.2019.8.24.0018

Relator: Desembargador Monteiro Rocha

DIREITO COMERCIAL E CONSUMIDOR - OBRIGAÇÕES - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO (RMC) - INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO, C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMPROCEDÊNCIA NO JUÍZO A QUO - INCONFORMISMO DA AUTORA - 1. OFENSA AO DEVER DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA - ERRO SUBSTANCIAL - PRETENSA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO MEDIANTE DESCONTO DIRETO EM FOLHA DE PAGAMENTO - ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNÁVEL - APLICAÇÃO DE ENCARGOS SUPERIORES À PRETENSA CONTRATAÇÃO - ARGUIÇÃO DE ABUSIVIDADE ACOLHIDA - CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNÁVEL - 2. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO - INACOLHIMENTO - PRÁTICA ABUSIVA CONTEMPLADA POR CONTRATO - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ - REPETIÇÃO DE FORMA SIMPLES - TESE PARCIALMENTE ACOLHIDA - 3. OCORRÊNCIA DE ABALO DE CRÉDITO - PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA - ENTENDIMENTO CONSOLIDADO DESTE ÓRGÃO JULGADOR - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA.

1. Em contrato de adesão a empréstimo consignado via cartão de crédito, o consumidor deve ser bem informado, quanto à modalidade contratual, quanto aos encargos convencionais do empréstimo e quanto aos descontos em folha de pagamento, sob pena de afronta à informação e à boa-fé objetiva.

O reconhecimento de cláusula contratual abusiva não implica na remissão da dívida e tampouco na invalidação do contrato, acolhendo-se a modalidade contratual originalmente pretendida pelo consumidor.

2. Fundamentando-se a cobrança em cláusula contratual, é devida a compensação do indébito apenas na forma simples, porque incomprovada de forma inequívoca a má-fé.

3. Constitui ilícito passível de indenização a prática comercial abusiva que induz o consumidor à contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, com aplicação de encargos superiores àqueles aos quais o aderente pretendia contratar.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0307110-16.2019.8.24.0018, da comarca de Chapecó 4ª Vara Cível em que é Apelante Iracema Ribeiro de Mello e Apelado Banco Pan S/A.

A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso da autora e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator. Custas legais.

Presidiu a sessão, com voto, o Exmo. Sr. Des. Cláudio Barreto Dutra e participou do julgamento, realizado em 05 de março de 2020, o Exmo. Sr. Des. Jânio Machado.

Florianópolis, 17 de março de 2020.

Desembargador Monteiro Rocha

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito, c/c indenização por abalo de crédito, movida por Iracema Ribeiro de Mello contra Banco Pan S/A, sob o fundamento de ter contratado empréstimo consignado, na condição de beneficiária do INSS, sem ter sido informada adequadamente de que estava adquirindo crédito por vinculação à saque de cartão de crédito e constituição de reserva de margem consignável neste, com implicações remuneratórias muito além do tradicionalmente ofertado no mercado financeiro e do qual pretendia adquirir.

Por tal fato, postulou a declaração de inexigibilidade do débito, com a condenação da financeira à restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente de sua fonte pagadora, mais indenização por abalo de crédito.

Citada, a ré apresentou contestação, defendendo ter agido de boa-fé e em estrito cumprimento/respeito à vontade exarada pelo contratante/adquirente. Disse que a autora não demonstrou a ocorrência de abalo creditício, mas tão somente de mero aborrecimento cotidiano.

Requereu, enfim, a improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica.

Processado o feito, sobreveio sentença, em que o magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos iniciais, sob o fundamento de que a contratação foi lícita, em atenção à vontade da parte aderente e às normas reguladoras do empréstimo consignado via cartão de crédito.

Inconformada, a autora interpôs apelação, alegando que essa modalidade de empréstimo jamais lhe foi explicada, estando crente de que seu empréstimo seria realizado como usualmente lhe é disponibilizado, mediante desconto das parcelas diretamente de seu benefício previdenciário sem qualquer outra vinculação.

Enfatizou que a vinculação do empréstimo consignado à adesão de cartão de crédito é prática abusiva, consubstanciando a ilegal venda casada.

Discorreu que o abalo de crédito decorre da prática abusiva perpetrada pela financeira que, através de engodo comercial, atrai o consumidor a contratar, sem entender o alcance do objeto contratado e suas consequentes implicações.

A ré apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso.

Este é o relatório.


VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os reclames legais de admissibilidade.

A súplica recursal é dirigida contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, ao argumento de que a contratação foi lícita, em atenção à vontade da parte aderente e às normas reguladoras do empréstimo consignado via cartão de crédito.

Passo à análise do feito.

1. Nulidade contratual - violação ao direito de informação

Alega a autora que a modalidade de empréstimo via cartão de crédito jamais lhe foi explicada, estando crente de que seu empréstimo seria realizado como usualmente é disponibilizado, mediante desconto das parcelas diretamente de seu benefício previdenciário, sem qualquer outra vinculação. Daí porque é nula a contratação, por violação ao direito de informação.

Razão assiste à autora.

A autora não desconhece a contratação de empréstimo consignado ao qual aderiu, no entanto destaca que a modalidade celebrada não lhe foi informada adequadamente, especialmente quanto ao seu alcance, que acarreta a aplicação de encargos superiores àqueles ordinariamente previstos para o empréstimo pessoal consignado - porque vinculado às astronômicas taxas de operações de cartão de crédito.

Como a causa de pedir está fundamentada na ausência de compreensão quanto ao sentido e alcance do contrato - de modo a inviabilizar a vinculação do consumidor às obrigações por si assumidas -, a controvérsia cinge-se à falta de informação da operação bancária ao adquirente do crédito: se este detinha, ou não, conhecimento acerca da modalidade contratada e de suas consequências contratuais.

Para demonstrar a compreensão do contrato pelo consumidor, o banco réu apresentou a minuta de adesão a cartão de crédito consignado e autorização da autora para desconto em folha de pagamento, ao qual ela se obrigou a pagar mensalmente o valor indicado, na quantia base de R$ 36,46, em cujo valor emprestado (R$ 1.045,00) é acrescido de encargos remuneratórios de 3,06% a.m e 43,58% a.a.

Entretanto, a simples apresentação do contrato não comprova a respectiva validade, mormente quando a alegação da autora é a ocorrência de vício de consentimento, por falta de informação (erro).

Assim, a instituição financeira não se desincumbiu de demonstrar que a autora detinha conhecimento sobre os meandros da contratação, em especial de que a contratação de empréstimo pela modalidade de saque via cartão de crédito possuía encargos muito superiores ao de empréstimo pessoal.

É obrigação do fornecedor prestar as informações necessárias à perfectibilização da relação jurídica; a mera assinatura do instrumento contratual não torna clarividente o conhecimento acerca da modalidade, notadamente quanto à incidência de juros remuneratórios elevados.

O Diploma de Consumo relativizou o princípio do pacta sunt servanda, reformulando completamente a feição individualista que caracterizava o direito contratual privado, tornando inadmissíveis cláusulas contratuais que colocavam o consumidor em situação de desequilíbrio, exigindo comportamentos leais e solidários dos fornecedores, a fim de não causar prejuízo aos consumidores.

As provas trazidas pela instituição bancária demonstram a contratação, mas não apontam a cientificação do consumidor hipossuficiente acerca do seu alcance. Aos olhos do consumidor, o empréstimo consignado aparenta aquisição, contudo, é obscura, seja pela incerteza textual ao consumidor vulnerável, seja pela incontroversa falta de explicação sobre o contrato.

Outrossim, "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112, do CC)". Trata-se de colorário dos princípios da eticidade e da boa-fé objetiva.

A instituição financeira não nega que a autora a procurou para formalização de empréstimo consignado com desconto direto em seus benefícios previndenciários. Daí a inobservância do fornecedor daquilo que efetivamente pretendia adquirir o consumidor, impondo-se contratação com efeitos prejudiciais ao mesmo e à própria relação de consumo.

Caberia à requerida diligenciar documento apartado, com assinatura do consumidor, explicitando as diferenças entre a modalidade contratada e àquela usualmente oferecida no mercado, com linguagem clara e acessível para refutar qualquer alegação sobre a incompreensão da celebração.

Com base no princípio da informação e transparência (arts. 6º, III, e , ambos do CDC), conclui-se que não se pode condicionar o consumidor à disposição contratual dificultosa à compreensão de seu sentido e alcance.

Por isso, a necessária informação sobre o alcance do contrato era evidente, notadamente quando há aplicação de encargos remuneratórios atrelados ao uso de cartão de crédito.

A explicação quanto a essa modalidade de empréstimo (via cartão de crédito) é de tamanha importância, por influenciar diretamente na forma de incidência remuneratória e de pagamento do débito.

Levando-se em consideração a relação de consumo havida entre as partes e que o ônus da prova acerca da oferta incumbe, ex lege, do fornecedor (art. 38 do CDC), e que a requerida...

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