Acórdão Nº 0307142-81.2015.8.24.0011 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 27-10-2022

Número do processo0307142-81.2015.8.24.0011
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0307142-81.2015.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: EGON JOAO LANG (AUTOR) APELANTE: MILTON CESAR LANG (AUTOR) APELANTE: GRAZIELA ALEXANDRA SETRAGNI LANG (AUTOR) APELANTE: LIDIA REIS LANG (AUTOR) APELADO: LEONARDO MARTINS DE ALMEIDA (RÉU) APELADO: MATRIX INTERCOM LTDA (RÉU) APELADO: LEANDRO MARTINS DE ALMEIDA (RÉU)

RELATÓRIO

1.1) Da inicial

EGON JOAO LANG, LIDIA REIS LANG, MILTON CESAR LANG e GRAZIELA ALEXANDRA SETRAGNI LANG ajuizaram ação declaratória de nulidade e anulabilidade de ato jurídico em face do MATRIX INTERCOM LTDA, LEANDRO MARTINS DE ALMEIDA e LEONARDO MARTINS DE ALMEIDA.

Relataram que: I) o autor Milton é proprietário da empresa Confecções Lucy Ltda., que, em 3-1-2014, foi alvo de incêndio; II) não honrou com seus compromissos, dentre eles com a requerida; III) negociaram, em fevereiro/2015, mas não deu continuidade ao pagamento, pois seu último faturamento foi em junho/2015; IV) os requeridos passaram a fazer cobranças com ameaças; V) estas seriam coação moral, envolvendo seus filhos e pais (também autores); VI) formalizaram dois instrumento particulares de confissão de dívida; VII) assinaram escritura pública, confessando dívida no valor de R$6.300.000,00; VIII) o imóvel dado em garantia era o único bem; IX) o imóvel se trata de bem de família; X) os requeridos já se envolveram em casos de extorsão.

Postularam liminar para que se suspenda procedimento expropriatório extrajudicial.

Ao final: I) a anulabilidade de ambos os instrumentos particulares de confissão de dívida e a nulidade da escritura pública de confissão de dívida; II) a anulação do registro "R.4-20.264", que é a alienação fiduciária, pois o imóvel se caracteriza por ser bem de família, não se tratando da exceção do art. 3º, V, da Lei n. 8.009/90, pois esta é quando é instituída a garantia da própria dívida, sendo os devedores os benefíciários direto; III) a anulabilidade dos instrumentos de confissão de dívida (evento 1).

1.2) Da resposta

Os requeridos contestaram alegando que: I) não foram provadas as ameaças; II) foram os autores quem ofereceram o imóvel em garantia; III) os autores receberam mercadorias em milhões de reais e não pagaram o que devem; IV) ao que parece, os autores se arrependeram do negócio (evento 29).

1.3) Do encadernamento processual

Liminar deferida (evento 7).

Réplica (evento 50).

Audiência de instrução (evento 81).

Alegações finais (eventos 83 e 84).

1.4) Da sentença

Prestando a tutela jurisdicional (evento 92), o Juiz Substituto Gabriel Marcon Dalponte prolatou sentença nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Egon João Lang, Lídia Reis Lang, Milton César Lang e Graziela Alexandra Setragni Lang em face de Matrix Intercom Ltda, Leandro Martins de Almeida e Leonardo Martins de Almeida.Revogo a tutela deferida às fls. 236-238.Oficie-se ao Cartório de Registro de Imóveis de Brusque/SC a fim de que proceda as devidas alterações na matrícula do imóvel 20.264, salientando que eventuais emolumentos serão de responsabilidade dos autores.Condeno os autores ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono dos requeridos, os quais fixo, observada a natureza da matéria apreciada e o trabalho despendido, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) na forma do art. 85, § 8º do CPC.Todavia, fica suspensa a cobrança de referidas verbas, com fundamento no artigo 98, § 3º, do CPC, em razão do benefício da gratuidade concedido aos autores.

1.5) Do recurso

Inconformados, os autores apelaram argumentando que: I) a sentença seria nula, porque o juiz que instruiu o feito não foi quem julgou, devendo ser observado o princípio da identidade física do juiz; II) o bem dado em garantia se trata de bem de família, sendo que os proprietários não foram beneficiados pelo contrato; III) não existem outros bens dos primeiros apelantes; IV) existência de vício de consentimento na constituição do pacto adjeto de alienação fiduciária e no instrumento particular de confissão de dívida, pois não foram celebrados de livre manifestação de vontade em razão da coação sofrida, os quais foram comprovados pelos documentos e testemunhas; V) diante do vício de consentimento, os instrumentos de confissão de dívidas devem ser declarados nulos. Reiterou os pleitos exordiais (evento 99).

1.6) Das contrarrazões

Acostada (evento 110).

1.7) Do trâmite neste Tribunal

Por força de decisão que determinou a redistribuição por incompetência (evento 8 deste recurso), o presente feito foi recebido por este Relator apenas em 1º-9-2022 (evento 11 deste recurso)

Este é o relatório.

VOTO

2.1) Do juízo de admissibilidade

Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, pois ofertado a tempo, modo e evidenciado o objeto e a legitimação.

2.2) Da preliminar

Aduziram a respeito de a sentença ser nula, pois o magistrado que instruiu o feito não foi quem julgou, devendo ser observado o princípio da identidade física do juiz.

Contudo, sem razão.

Observa-se que sob a vigência do CPC/73 havia a regra do art. 132 que tratava do fato de que o juiz que presidiu e concluiu a instrução é quem julgaria.

Porém, tal regra não era absoluta, pois ressalvava casos de licença, promoção, convocação ou outro impedimento.

Aliás, a mera formalidade não pode obstar a efetividade de outros princípios de maior importância à prestação jurisdicional, tais como a efetividade e celeridade da sua prestação.

Deste Tribunal:

PROCESSUAL CIVIL - IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ -PRINCÍPIO NÃO ABSOLUTO - JULGAMENTO REALIZADO PELO MAGISTRADO QUE SUBSTITUIA O TITULAR DA UNIDADE ONDE O PROCESSO TRAMITAVA - POSSIBILIDADE O princípio da identidade física do juiz ou da imediatidade não detém caráter absoluto, de modo que, indemonstrado o prejuízo experimentado pela parte (pas de nullité sans grief), e, por outro lado, garantido à parte o contraditório e a ampla defesa, não há porquê decretar-se a nulidade de veredicto apenas por ter sido proferido por magistrado diverso daquele que presidiu a instrução do processo (STJ - Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.430.864/DF, Quarta Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. em 17.11.2020), até porque admite-se a substituição do juiz natural por outro quando isso decorre de afastamentos autorizados, em regime de colaboração ou de movimentação natural da carreira da magistratura (TJSC - Apelação Criminal nº 0011157-67.2014.8.24.0023, da Capital, Primeira Câmara Criminal, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. em 20.09.2018). [...] (AC n. 0009560-14.2010.8.24.0020, rel. Des. Roberto Lepper, j. 18-8-2022)

Ainda:

RESSARCIMENTO DE DANOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA IMPROCEDENTE. APELO DO AUTOR. ARGUIDA A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUÍZ EDA ORALIDADE. JULGAMENTO REALIZADO POR MAGISTRADO COOPERADOR QUE SE BASEOU NAS PROVASAMEALHADAS AO PROCESSO. TITULAR QUE PRESIDE A COLHEITA DA PROVA ORAL E JUIZ COOPERADOR QUE PROFERE SENTENÇA. TEMPERAMENTO NA INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS ATINENTES À ESPÉCIE. TESE RECHAÇADA.

O princípio da identidade física do Juiz deve ser interpretado de acordo com a moderna ciência processual civil, e não pode representar prejuízo para a rápida solução da lide. O tão-só fato de que Juiz substituto profira sentença desfavorável para o apelante, quando entende ele deveria ter sido proferida pelo juiz titular, não pode representar prejuízo a nulificar a sentença.

De se considerar, ademais, que o art. 132 do Código traz regra de cunho aberto, quando permite que qualquer afastamento do Magistrado enseja a prolação pelo juiz sucessor, daí ter-se que obrar com extremo cuidado para reconhecer-se eventual nulidade, reservando-a para os casos em que estiver presente inegável prejuízo. (AC n. 2009.005769-7, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 26-5-2011)

Deste Relator: AC n. 2011.012642-5, j. 28-2-2012; AC n. 2009.066846-9, j. 21-3-2013.

Com isso, não se acolhe a tese, até porque suscitada exclusivamente em razão do evidente descontentamento ao que restou julgado.

2.3) Do mérito

2.3.1) Do vício de consentimento

Sustentaram a existência de vício de consentimento na constituição do pacto adjeto de alienação fiduciária e nos instrumentos particulares de confissão de dívida, pois celebrados sem a livre manifestação de vontade por conta de coação, vício este comprovado por documentos e testemunhas.

Sem razão.

Acerca dos vícios no negócio jurídico, dispõe o Código Civil:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Breves lições de Maria Helena Diniz a respeito desta espécie de vício de consentimento:

[...] A coação seria qualquer pressão física ou moral exercida sobre a pessoa, os bens ou a honra de um contratante para obrigá-lo a efetivar certo ato negocial [...]

Espécies de coação. [...] b) moral ou "vis compulsiva", se atuar sobre a vontade da vítima, sem aniquilar-lhe o consentimento, pois conserva ela relativa liberdade [...], podendo optar entre a realização do...

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