Acórdão Nº 0307239-06.2019.8.24.0023 do Sexta Câmara de Direito Civil, 13-09-2022

Número do processo0307239-06.2019.8.24.0023
Data13 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0307239-06.2019.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: CARLESSI ENGENHARIA COMERCIO E CONSTRUCOES LTDA (RÉU) APELADO: ARIANE BRANDES (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório de sentença da e. magistrada Taynara Goessel, in verbis:

Vistos etc.Ariane Brandes ajuizou ação declaratória com pedido de rescisão de contrato e indenização contra Carlessi Engenharia, Comércio e Construções Ltda, ambos qualificados.Aduziu que, em 12 de maio de 2015, firmou com a requerida contrato de compromisso de compra e venda de um apartamento com unidade autônoma de n. 603 do bloco C, com área total de 91,91 m2 com garagem de n.129, pelo valor de R$351.920,30 (trezentos e cinquenta e um mil, novecentos e vinte reais e trinta centavos).Disse que o empreendimento possuía prazo de entrega estabelecido para julho de 2018, com cláusula de tolerância de 90 dias, não tendo a parte requerida cumprido a previsão contratual.Requereu a concessão da tutela de urgência para que seja decretada a rescisão do contrato, penhorando-se o imóvel a fim de que garanta o pagamento da indenização. Pleiteou, ainda em sede de cognição sumária, a suspensão da exigibilidade do saldo devedor, além dos débitos tributários e de condomínio. Ao final, pugnou pela rescisão do contrato, condenando a parte requerida ao pagamento de danos materiais, morais e lucros cessantes.Valorou a causa, juntou procuração e documentos.A tutela provisória restou deferida (fls. 141/142).Citada, a parte requerida apresentou contestação, aventando a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, aduziu que o atraso na entrega decorreu de fatos alheios a sua vontade, aventando a excludente do caso fortuito. Disse que a entrega do imóvel ocorreu em fevereiro de 2019, deixando a autora de receber as chaves, uma vez que não realizou o financiamento do saldo devedor. Refutou o dever de indenizar, pugnando, ao final, pela improcedência dos pedidos (fls. 148/167).Houve réplica.Este, na concisão necessária, é o relatório.Decido.

A parte dispositiva é do seguinte teor, ex vi:

À vista do exposto, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Ariane Brandes contra Carlessi Engenharia, Comércio e Construções Ltda, para:A) RESOLVER o contrato de compra e venda firmado entre as partes, CONDENANDO a requerida a devolver os valores que foram pagos pelos autores - R$ 96.772,71 (noventa e seis mil setecentos e setenta e dois reais e setenta e um centavos) -, com incidência de correção monetária, pelos índices da Corregedoria-Geral da Justiça, a contar do mês de cada pagamento (Súmula n. 43 do STJ) e juros de mora desde a citação (art. 405 do Código Civil).B) CONDENAR a ré ao pagamento de indenização por lucros cessantes correspondentes a aluguéis devidos desde o encerramento do prazo contratual fixado para entrega do imóvel (novembro de 2018) até abril de 2019, no valor mensal de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais). Sobre o montante deve incidir correção monetária, pelos índices da Corregedoria-Geral da Justiça, a contar do mês de cada parcela (Súmula n. 43 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês desde a citação (art. 405 do Código Civil).Diante da sucumbência recíproca, deverão as partes arcar com o pagamento das custas na proporção de 70% para a ré e 30% para a autora. Fixo os honorários advocatícios em 10% do proveito econômico obtido pela autora ex vi do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, que deverá ser dividido na mesma proporção.

Inconformada com o teor decisório, a empresa ré Carlessi Engenharia, Comércio e Construções Ltda. opôs Embargos de Declaração, rejeitados pelo togado de origem.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs o presente recurso de Apelação Cível aduzindo que: (i) preliminarmente, o julgamento antecipado do mérito sem oportunizar à ré a produção da oitiva testemunhal encerra flagrante cerceamento de defesa. In casu, torna-se imprescindível o retorno dos autos à origem para esclarecer fatos atinente às datas de entrega das chaves e habite-se; (ii) no mérito, não há se falar em rescisão contratual, eis que pende em favor da ré causa excludente de responsabilidade civil. No particular, há evidente configuração de caso fortuito, haja vista que, à época dos fatos, deflagrou-se em âmbito nacional a greve de caminhoneiros, interrompendo o trânsito em rodovias federais em, praticamente, todo o território nacional, ocasionando, por via de consequência, o atraso na entrega de insumos da construção civil. Ainda, infere-se que outros problemas acarretaram a entrega da obra, tal como imbróglio instalado com a concessionária de serviços de água e esgoto (CASAN) e, por fim, houve o desencadeamento de fortes chuvas na região da construção; (iii) em relação à entrega das chaves aprazada para fevereiro de 2019, infere-se que o ato sobejou obstado por culpa exclusiva do consumidor, eis que não logrou êxito em comprovar/aprovar crédito bancário junto às instituições financeiras; (iv) ao fim, no que diz respeito à condenação da parte ao pagamento de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) a título de danos materiais (lucros cessantes - alugueres), tem-se que a partícula não merece subsistir. É que, uma vez resolvido o contrato de compra e venda do imóvel, tornando-se as partes ao status a quo ante, a autora não receberá o bem objeto da avença, sendo que tal fato incorre na ausência de disponibilidade do bem - fruição do imóvel. Diz que não basta a mera alegação do que a parte deixou de auferir, mas sim, desvela-se imprescindível a real comprovação de que o imóvel seria objeto de contrato de locação.

Contrarrazões no evento 48.

Após, por sorteio, os autos vieram-me conclusos.

VOTO

Ab initio, uma vez que a ação foi proposta já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, desnecessárias digressões acerca da legislação processual aplicável.



I - Juízo de admissibilidade recursal

Embora próprio e tempestivo, tem-se que o presente reclamo interposto pela ré merece, tão somente, parcial conhecimento, porquanto a insurgência adstrita à "devolução dos valores ao resultado da subtração entre os valores pagos pela autora e as despesas com corretagem, publicidade e multa contratual" não sobejou à apreciação do juízo de origem, não podendo a recorrente requerer sua incidência, tão somente, neste Tribunal ad quem, eis que incorre em flagrante inovação recursal. Explico.

Como é sabido, em juízo de admissibilidade recursal, incumbe ao relator designado "[...] fazer uma análise de aspectos formais do recurso para só então, superada positivamente essa fase, analisar o mérito recursal. Em termo de teoria geral dos recursos, a doutrina costuma indicar sete pressupostos de admissibilidade [...]" (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único. 12ª Edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2019. p. 1.609).

À vista disso, dispõe o artigo 932, inciso III, do Código de Processo Civil que "incumbe ao relator não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida".

Sob tais perspectivas, a respeito do efeito devolutivo intrínseco aos recursos de apelações cíveis, Alexandre Freitas Câmaras ensina que (grifou-se):

A apelação interposta pela parte contrária, porém, devolverá ao tribunal o conhecimento de todos os demais fundamentos (tenham eles sido apreciados pelo juízo a quo ou não). Por conta disso, será perfeitamente possível que, no julgamento de segundo grau de jurisdição, chegue-se à mesma conclusão alcançada na sentença de primeiro grau, mas por fundamento diverso.A extensão do efeito devolutivo da apelação, porém, não vai ao ponto ao menos como regra geral de admitir que seja suscitada originariamente no tribunal questão de fato que não tenha sido deduzida no primeiro grau de jurisdição. Só se admite que tais questões sejam suscitadas originariamente em grau de apelação na excepcional hipótese de o apelante provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior (art. 1.014).Como regra geral, portanto, não se admite o ius novorum, isto é, a inovação dos fundamentos fáticos em sede de apelação. (O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas. p. 518).

In casu, a ré, ao apresentar sua defesa no juízo de origem, limitou-se a tercer comentários sobre: (i) em sede preliminar, discorreu sobre a impossibilidade jurídica do pedido; ausência dos pressupostos à concessão da tutela de urgência para suspender a exigibilidade dos valores finais do contrato; ausência dos pressupostos à concessão da tutela antecipada referente à rescisão contratual, e penhora do imóvel objeto da avença; (ii) no mérito, sustentou a ausência de prejuízos suportados pela autora, porquanto o atraso na entrega das obras sucedeu por motivo de caso fortuito alheio à vontade da construtora. É que, à época, deflagrou-se em âmbito nacional a greve dos caminhoneiros, acarretando a suspensão/demora na entrega de insumos da construção civil, entre outros aspectos; (iii) em reforço ao ponto retro, argumentou outros pontos extrínsecos à vontade da empresa que acarretaram no retardamento das obras; (iv) em relação aos alugueres pleiteados (lucros cessantes), a autora não se desincumbiu do ônus processual que lhe incumbia (art. 373...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT