Acórdão Nº 0307303-18.2017.8.24.0045 do Terceira Câmara de Direito Público, 17-08-2021

Número do processo0307303-18.2017.8.24.0045
Data17 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0307303-18.2017.8.24.0045/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: ORIDES DOS SANTOS (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

RELATÓRIO

Na Comarca de Palhoça, Orides dos Santos ajuizou "ação indenizatória" em face do Estado de Santa Catarina alegando que no dia 01/07/2017 sua esposa, Sandra Lopes, quando estava com 32 semanas de gestação, buscou atendimento no Hospital Regional de São José com queixas de dor lombar, vômitos e calafrios; que após ser medicada com antibióticos foi liberada e retornou, com a persistência dos sintomas, nos dias 03/07, 06/07 e no dia 08/07, quando foi diagnosticada com pielonefrite aguda; que, em razão disso, foi internada e constatou-se o óbito do feto no ventre, realizando-se o parto normal; que em seguida, sua esposa foi encaminhada à UTI, vindo também a óbito em decorrência de uma parada cardíaca; que houve demora no diagnóstico da infecção urinária e que não foi realizado tratamento para a pielonefrite, o que, aliado ao parto normal, foram fatores que culminaram com o óbito da mãe e do feto. Fundamenta sua pretensão indenizatória na alegação de responsabilidade do Estado em razão de suposta negligência no atendimento médico. Ao final, pugnou pela procedência do pedido com a condenação do ente estatal no pagamento de indenização por danos morais e pensão mensal vitalícia ao autor e aos dois filhos remanescentes do casal.

Devidamente citado, o Estado de Santa Catarina apresentou contestação, arguindo, preliminarmente, a inépcia da inicial e a ilegitimidade ativa do autor para postular pensão mensal em nome dos filhos. No mérito, sustentou que a responsabilidade civil do Estado no caso de erro médico caracteriza-se também como sendo de índole subjetiva, de modo que só se configuraria caso comprovada inequivocamente a culpa do profissional médico no evento; que não houve a alegada demora no diagnóstico da infecção do trato urinário, muito menos ausência de tratamento, sendo que a paciente não apresentava inicialmente o quadro de pielonefrite, tendo-o desenvolvido posteriormente, a despeito do tratamento que lhe foi adequadamente dispensado, vindo a óbito em razão das diversas comorbidades que desenvolveu, as quais não podiam ter sido previstas ou evitadas, especialmente considerando a ausência de acompanhamento pré-natal. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos, haja vista a inexistência de erro médico, ou, no caso de eventual procedência, que se reconheça a culpa concorrente da vítima e que a indenização por dano moral seja balizada por critérios de razoabilidade e proporcionalidade e com a incidência de juros e correção monetária na forma postulada na contestação e nos índices previstos no artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/97.

Instado, o autor deixou transcorrer "in albis" o prazo para impugnar a contestação.

Em saneador, foram rejeitadas as preliminares suscitadas pelo réu e determinada a inclusão, no polo ativo, dos filhos do autor. Além disso, foram invertidos os ônus da prova e determinada a realização de prova pericial (Evento 26).

Após a nomeação do perito e a apresentação do laudo pericial (Evento 64, Laudo 1), as partes se manifestaram.

Em seguida, as partes apresentaram suas alegações finais.

O representante do Ministério Público manifestou-se pela improcedência do pedido.

Na sequência, o MM. Juiz de Direito, ao sentenciar o feito, inscreveu na parte dispositiva da decisão:

III - DISPOSITIVO

JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais.

CONDENO os autores ao pagamento das custas processuais, honorários periciais e honorários advocatícios do procurador do réu, os quais fixo no patamar de 10% sobre o valor corrigido da causa.

SUSPENDO a cobrança dos encargos de sucumbência mencionados acima, na forma do art. 98, §3º, do CPC/2015.

Os honorários periciais foram fixados em R$ 2.000,00. Um pouco mais da metade já foi pago (Evento 78). REQUISITE-SE imediatamente o pagamento do saldo em aberto pelo sistema da AJG.

P.R.I.

NOTIFIQUE-SE o MP.

Sem remessa necessária.

Se houver recurso, depois da fase de contrarrazões, remeta-se este processo ao TJSC.

Transitada em julgado, arquive-se.

Inconformado, o autor apelou repisando, em síntese, os termos da inicial e acrescentou que o corpo médico deveria ter tido mais cuidado com a paciente e não deveriam tê-la mandado para a casa, tendo em vista se tratar de gestante obesa, com fortes dores e sem exame pré-natal. Argumenta que os cuidados e atenção com a sua esposa não foram seguidos pelo recorrido, porquanto não se identifica em documento algum a prática de procedimento para controlar ou tratar a Pielonefrite Aguda diagnosticada. Afirma que o tempo excessivo para diagnóstico de uma infecção urinária em uma gestante de 32 (trinta e duas) semanas, aliado à exposição desnecessária a um parto normal quando já constatado o óbito do feto, demonstra o total desrespeito com os cuidados e atenção com a paciente. Sustenta que o corpo hospitalar, ao receber uma grávida com pressão alta e todos os sintomas descritos no prontuário e ainda sem ter realizado exame pré-natal, deveria ter uma atenção mais acentuada, e ao contrário disso, simplesmente deixou a grávida à própria sorte, vindo a falecer juntamente com seu filho. Por fim, requereu a reforma da sentença para que seja julgado procedente o pedido inicial.

Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Orides dos Santos contra a sentença que julgou improcedente o pedido formulado na "ação indenizatória" ajuizada em face do Estado de Santa Catarina.

A questão de fundo versa sobre o pleito de indenização por danos materiais e morais em virtude do falecimento da esposa e filho nascituro do apelante por suposto erro médico cometido antes do procedimento de parto.

Pois bem!

De acordo com o Código Civil de 2002, a responsabilidade civil por danos causados no exercício de atividade profissional é subjetiva, devendo ser provada a culpa do agente, pelas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia (arts. 186, 927 e 951).

Por sua vez, a responsabilidade civil do Município deve ser tratada como objetiva, para responder pelos danos que forem causados por seus agentes (art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, e art. 43 do Código Civil de 2002).

Efetivamente, a Constituição Federal seguiu a orientação das Constituições anteriores, desde a Carta de 1946, com a adoção da responsabilidade civil objetiva, na modalidade do risco administrativo, conforme determina o art. 37, § 6º, com a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O Código Civil de 2002, por sua vez, seguiu a mesma linha, conforme se percebe na redação do art. 43:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Alexandre Moraes, na conhecida obra Direito Constitucional (20. ed., São Paulo: Atlas, p. 355-356), destaca que a responsabilidade objetiva do Estado pressupõe alguns requisitos, dentre eles a "ocorrência do dano, ação ou omissão administrativa, existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal", pois a força maior e o caso fortuito consubstanciam causas liberatórias ou excludentes de responsabilidade.

Destarte, para o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Estado devem se fazer presentes alguns elementos indispensáveis: o ilícito, o dano e a íntima relação de causalidade entre a atividade do agente público, seja no exercício da função, seja atuando em razão dela, e o dano.

É deveras ilustrativa a lição doutrinária de Hely Lopes Meirelles Meirelles para quem, "verbis":

Resta, portanto, a teoria da responsabilidade sem culpa como a única compatível com a posição do Poder Público perante os cidadãos.

Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade.

A doutrina do Direito Público propôs-se a resolver a questão da responsabilidade civil da Administração por princípios objetivos, expressos na teoria da responsabilidade sem culpa ou fundados numa culpa especial do serviço público quando lesivo de terceiros.

Nessa tentativa surgiram as teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no tronco comum da responsabilidade objetiva da Administração Pública, mas com variantes nos seus fundamentos e na sua aplicação, sem se falar nas submodalidades em que se repartiram essas três correntes. (Direito Administrativo Brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 698).

À vista da teoria do risco administrativo não se cogita de dolo ou culpa "lato sensu" dos entes de direito público, das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e o liame causal com conduta comissiva ou...

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