Acórdão Nº 0307374-61.2018.8.24.0020 do Primeira Câmara de Direito Civil, 19-11-2020

Número do processo0307374-61.2018.8.24.0020
Data19 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0307374-61.2018.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador GERSON CHEREM II

APELANTE: LENIR ROSANE SILVA SILVA APELADO: JW MOTORS COMERCIO DE VEICULOS LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível e recurso adesivo interpostos, respectivamente, por Lenir Roseane Silva Silva e JW Motors Comércio de Veículos Ltda., irresignados com a sentença prolatada pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Criciúma que, nos autos da ação cominatória c/c indenizatória aforada pela primeira, julgou improcedentes os pleitos exordiais, nos seguintes termos (evento 37 - sentença 55 - fls. 02/03):

Ante ao exposto JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais.

Atribuo a sucumbência, pela causalidade, ao demandado quanto aos pedidos mandamentais/desconstitutivos formulados. O demandante, porém, responde pela derrota no pedido de compensação financeira por abalo moral.

Responde as partes, cada qual, por 50% das custas processuais.

Honorários advocatícios fixados fixados em R$ 2.500,00, distribuídos conforme o resultado processual declarado, sem compensação. As despesas de sucumbência de responsabilidade do autor são suspensas diante da gratuidade judicial.

Os embargos de declaração opostos pela ré (evento 42), foram rejeitados no evento 51 - decisão 65.

Inconformada, a autora apontou, em suma, a ocorrência de abalo anímico (evento 54).

Por seu turno, a empresa sustentou não ter dado azo à demanda e, portanto, ser inaplicável o princípio da causalidade na fixação da sucumbência. Impugnou, ainda, a justiça gratuita deferida à demandante (evento 59 - recurso adesivo 77).

Apresentadas contrarrazões (evento 58 - petição 72 e evento 64 - petição 87), ascenderam os autos a este Sodalício.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos legais, conhece-se dos recursos.

1) Do reclamo da autora:

A demandante afirma que ficou demonstrado o ato ilícito indenizável, diante do descumprimento contratual (não pagamento do empréstimo) e da expedição de multa de trânsito contra si. Em decorrência, teria direito ao ressarcimento pelos danos morais.

Melhor sorte não lhe socorre no tópico.

Na hipótese, constata-se que no dia 10.03.2018 a autora adquiriu da empresa o veículo Fiat Strada Working, 2010, entregando como forma de pagamento o automóvel VW/Fox, 2010/2011, placas MIZ-6399, Renavan n. 271145684.

O automotor dado em pagamento possuía dívida de empréstimo, no valor R$ 14.350,00 (quatorze mil, trezentos e cinquenta reais), o qual, segundo a autora, seria quitado pela demandada. Embora encontre-se atualmente liquidado, as parcelas do financiamento foram pagas com atraso, fato que ensejou a cobrança da postulante pelo credor fiduciário, mediante ligações telefônicas.

Ainda, referiu a demandante, quando do ajuizamento da lide, que a empresa não tinha transferido o bem perante o departamento de trânsito. Por isto, a autora recebeu multa de trânsito em seu nome.

Assevera, assim, fazer jus à indenização por abalo anímico.

De acordo com art. 186, complementado pelo art. 927, ambos do Código Civil, "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito", e consequentemente "fica obrigado a repará-lo".

Frise-se que o artigo 186, do CC, evidencia que quatro são os elementos essenciais da responsabilidade civil, quais sejam: a) ação ou omissão; b) culpa ou dolo do agente; c) relação de causalidade; d) dano experimentado pela vítima.

Nesse norte, Sílvio de Salvo Venosa preleciona:

O estudo da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, sendo a reparação dos danos algo sucessivo à transgressão de uma obrigação, dever jurídico ou direito. [...] os requisitos para a configuração do dever de indenizar: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e, finalmente, culpa. (Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. vol. 4. São Paulo: Atlas, 2006. p. 2;5).

Note-se que o elemento culpa, em virtude da aplicabilidade ao caso do código consumerista, resta excluído, pois a responsabilidade da ré afigura-se objetiva.

Na espécie, a questão cinge-se ao direito da postulante em receber indenização por abalo anímico, decorrente do descumprimento contratual da firma.

A recorrente enfatiza ter direito à pretensão, pois sofreu incômodos devidos às cobranças da credora do financiamento, além de multa por infração de trânsito ocorrida após a venda do bem.

Quanto ao inadimplemento do empréstimo, mesmo se considerada a tese da autora sobre a obrigação de tal pagamento pela ré - salientando-se haver controvérsia acerca da responsabilidade -, o mero descumprimento contratual deixa de ensejar o ressarcimento moral , segundo a jurisprudência.

Em situações excepcionais, sobressai possível a condenação por prejuízo psíquico diante do inadimplemento da avença. Porém, na hipótese, tudo não passou de simples aborrecimento, haja vista que a autora não demonstrou maiores complicações advindas da conduta da ré.

Atinente ao recebimento de multa de trânsito, tem-se que agiu também com culpa a consumidora, de molde a afastar a responsabilidade da demandada (art. 14, § 3º, do CDC).

Malgrado a transferência da propriedade do veículo dê-se pela tradição (art. 1.267, do Código Civil), um dos poucos meios de formalizar o ato perante terceiros é a realização da comunicação de venda ao DETRAN, conferindo-lhe completa publicidade. Mas, tal providência administrativa não havia sido tomada quando sobreveio a penalidade em tela. O conjunto probatório carreado indica que a demandante não promovera a necessária comunicação ao DETRAN naquela oportunidade.

Ora, mesmo com a entrega do bem à loja no mês de março de 2018, o veículo ainda permanecia registrado em nome da autora na oportunidade da notificação de infração de trânsito (evento 3 - informação 17), em julho de 2018.

A inércia da recorrente infringiu o disposto no art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.

Omissa a consumidora em informar o Detran acerca da venda do automóvel, deve ela ser responsabilizada solidariamente pela multa aplicada.

Assentou o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ALIENAÇÃO DO VEÍCULO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ALIENANTE (ART. 134 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO). Na interpretação do problemático art. 134 do Código de Trânsito deve-se compreender que a solidariedade imposta ao antigo proprietário, antes de realizar no Detran a transferência, é mitigada. Alienado veículo automotor sem que se faça o registro, ou ao menos a comunicação da venda, estabelece-se, entre o novo e o antigo proprietário, vínculo de solidariedade pelas infrações cometidas, só afastadas quando é o Detran comunicado da alienação, com a indicação do nome e endereço do novo adquirente. Recurso especial impróvido (REsp n. 656.896/RS, relª. Minª. Eliana Calmon, j. em 06.12.2005).

Haure-se do voto acima:

Para a Administração, enquanto não houver a comunicação prevista no art. 134 do CTB ou a expedição do novo certificado de registro, a titularidade da propriedade será de quem consta no registro antigo. Desse modo, qualquer infração deverá ser comunicada ao proprietário que consta na sua base de dados.

Verifica-se, por tudo que foi dito, que a comunicação não é ato constitutivo da transferência da propriedade, serve apenas para declarar que houve alienação.

Portanto, a expressão "sob pena de ter que se responsabilizar" (art. 134) só existe "até a data da comunicação". (Grifou-se).

Julgou a Corte Catarinense:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C MULTA, PERDAS E DANOS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL POR PARTICULARES. OUTORGA DE PROCURAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA DO BEM. INOCORRÊNCIA DE SUBSTITUIÇÃO DO PROPRIETÁRIO JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. REVELIA DA PARTE REQUERIDA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. PRETENSÃO DE REFORMA DA SENTENÇA PARA RECONHECER OS DANOS MORAIS. INSUBSISTÊNCIA. CULPA CONCORRENTE DOS LITIGANTES QUANTO À MANUTENÇÃO DO VEÍCULO EM NOME DO RECORRENTE. FATO ORIGINADO DA OMISSÃO DO VENDEDOR QUANTO AO DEVER DE COMUNICAÇÃO DE VENDA E DO COMPRADOR NO QUE TANGE À EFETIVAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA. EXEGESE DOS ARTIGOS 123, I, § 1º, E 134, CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. MULTAS, PONTUAÇÃO EM CARTEIRA DE HABILITAÇÃO E DÉBITOS RELATIVOS AO CARRO QUE NÃO IMPLICAM, SOZINHOS, EM ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. MERO DISSABOR. ADEMAIS, DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL QUE, POR SI, NÃO GERA DANO MORAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Não cabe falar em reparação de danos morais supostamente derivados dos transtornos decorrentes da não transferência de veículo ao novo proprietário quando o alienante também deixa de proceder à comunicação da venda ao Departamento Estadual de Transito - DETRAN, nos termos do art. 134, caput, da Lei n. 9.503/97" (TJSC, Apelação Cível n. 0002321-98.2011.8.24.0027, de Ibirama, rel. Des. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 14-02-2019). (AC n. 0301208-61.2015.8.24.0135, rel. Des. André Luiz Dacol, j. em 06.08.2019).

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VENDA DE VEÍCULO. ATRASO NA TRANSFERÊNCIA PELO ADQUIRENTE JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, ORDENANDO AO RÉU A ALTERAÇÃO DA TITULARIDADE DO BEM NO DETRAN/SC, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. 1. APELO DA AUTORA. IRRESIGNAÇÃO QUANTO AO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. ACOLHIMENTO, NO PONTO. HIPÓTESE DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO LAPSO PRESCRICIONAL DE 10 ANOS PREVISTO NO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. PREJUDICIAL AFASTADA. "Nas controvérsias relacionadas à...

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