Acórdão Nº 0307475-60.2016.8.24.0023 do Segunda Câmara de Direito Civil, 03-12-2020

Número do processo0307475-60.2016.8.24.0023
Data03 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0307475-60.2016.8.24.0023

Relator: Desembargador João Batista Góes Ulysséa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE PERDAS E DANOS C/C DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA.

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESNECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DO FEITO. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.

Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, quando o feito se encontrar instruído com a prova documental necessária à formação do livre convencimento motivado do Julgador, especialmente quando outras provas se mostram inúteis ou desnecessárias.

PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. ALEGADA QUEBRA DE EXPECTATIVA CONTRATUAL. INTENÇÃO DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA ELETIVA. PAGAMENTO DE PARTE DO VALOR REALIZADO COM A ENTREGA DE CHEQUES DE TERCEIRO. CONSTATAÇÃO DE APONTAMENTOS RESTRITIVOS EM NOME DO EMISSOR DOS CHEQUES UTILIZADOS PARA O PAGAMENTO. CANCELAMENTO DA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA. RECUSA JUSTIFICADA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO ATO ILÍCITO. ÔNUS QUE INCUMBIA À PARTE AUTORA. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO.

É vedado ao fornecedor recusar a venda ou a prestação de serviços colocados no mercado de consumo a quem deseje realizar a aquisição e prontamente pagá-los, nos termos do art. 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor.

Entrementes, a norma não se presta a obrigar o fornecedor a aceitar qualquer forma de pagamento, sendo lícita a recusa de aceite de cheque quando a análise de crédito é desfavorável.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0307475-60.2016.8.24.0023, da comarca da Capital (3ª Vara Cível) em que é Apelante Ana Claudia Ferreira de Souza e Apelado Fabrício de Oliveira Ferreira.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais.

O julgamento, realizado em 3 de dezembro de 2020, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Rubens Schulz, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desembargadora Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 3 de dezembro de 2020.




[assinado digitalmente]

Desembargador João Batista Góes Ulysséa

Relator


RELATÓRIO

Ana Claudia Ferreira de Souza ajuizou Ação Indenizatória por Danos Materiais e Morais contra Fabrício de Oliveira Ferreira, aduzindo ter procurado os serviços médicos do Réu, cirurgião plástico, para a realização de procedimentos de lipoaspiração e abdominoplastia, orçado ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Para tanto, foi aceita a proposta de pagamento, com a entrada de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), em dinheiro e, o restante, em seis cheques de R$ 1.000,00 (um mil reais), de terceiro.

Assim, realizou exames e foi agendada a cirurgia plástica, com entrega dos cheques à secretária do Réu no dia anterior a cirurgia, a qual entregou-lhe o contrato de prestação de serviços e uma declaração por uso de cheque de terceiro. Porém, no dia previsto à cirurgia recebeu ligação informando a impossibilidade de realização do procedimento médico, por restrição no CPF do emitente dos cheques.

Afirma a Postulante ter realizado a venda de seu carro para dar entrada na negociação, como ter mobilizado sua genitora de outra cidade para auxiliá-la no pós-operatório, alem da devolução do valor da entrada e os cheques provocou sua frustração injustamente, razão pela qual faz jus à reparação moral e material decorrente da situação. Ao final postulou: (a) a gratuidade da justiça; (b) a condenação do Réu em indenização material pelos valores suportados à preparação da cirurgia (exames, passagem da mãe e venda prematura do veículo por valor abaixo do mercado); (c) a indenização moral em valor não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais); (d) a condenação do réu em indenização por descumprimento contratual, de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e (e) a condenação do Réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios sucumbenciais (fls. 11-12).

O Juízo a quo determinou à Autora que apresentasse documentos para comprovar hipossuficiência (fl. 60), sobrevindo o indeferimento da benesse (fl. 66).

Em grau de recurso foi concedida a benesse(fls. 70-107), com a posterior determinação de citação do Réu na origem (fl. 108).

Ao contestar o feito, o réu Fabrício de Oliveira Ferreira pleiteou a improcedência dos pedidos, sustentando que: (a) a proposta de pagamento com cheques foi aceita, pois a Autora informou que as cártulas pertenciam ao seu marido, não tendo informado que ele estava negativado nos cadastros restritivos de crédito por expressiva dívida com banco; (b) a recusa dos cheques emitidos por consumidor, com informações desabonadores, é justa, sendo medida de precaução; (c) ao consultar o emitente verificou que os cheques entregues já estavam sustados; (d) devolveu o dinheiro e os cheques assim que a situação foi constatada; (e) a venda do automóvel por valor abaixo ao negociado no mercado não pode ser imputada ao Réu, tratando-se de livre escolha da Postulante, que estava contratando procedimento estético eletivo, não havendo risco de prejuízo à saúde da Demandante; e, (f) impugnou a gratuidade da justiça concedida à postulante (fls. 114-125).

Houve Réplica (fls. 177-179).

Sentenciando, o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos, condenando a Autora nas despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade deferida (fls. 180-184).

Irresignada, a Autora apelou, requerendo o provimento do recurso, com a reforma da sentença, sustentando, preliminarmente, o cerceamento da defesa com o julgamento antecipado da lide. E, no mérito, aduziu que: (a) restou comprovado o descumprimento contratual do Réu e o prejuízo moral e material causado à demandante, devendo ser acolhida a pretensão indenizatória.

O Apelado apresentou contrarrazões (fls. 204-208).

Esse é o relatório.


VOTO

Objetiva a Apelante a reforma da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação Indenizatória n. 0307475-60.2016.8.24.0023 por si ajuizada, condenando-a ao custeio das despesas processuais.

1) Do cerceamendo do Direito de Defesa:

A Apelante sustentou, inicialmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

A mencionada prefacial deve ser afastada.

Entende ser imprescindível a produção de prova testemunhal e o depoimento pessoal das partes a fim de comprovar o dano alegado, qual seja, "que teve um sonho barrado por uma exigência extracontratual e tudo isso não vislumbrado pelo juízo em que pese demonstrado claramente." (fl. 190).

Assim, entende que a decisão judicial deve ser anulada, com retorno dos autos à origem para lhe possibilitar a comprovação dos fatos constitutivos do seu direito.

Afasta-se a nulidade processual por cerceamento de defesa. Com efeito, convencido o Julgador de que o conjunto probatório é suficiente à elucidação da matéria, pode dispensar a produção de outras provas, consoante o art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, já que se encontra como destinatário final delas, e julgar antecipadamente a lide (art. 355, I, do CPC):

Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:

I - não houver necessidade de produção de outras provas;

[...]

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.


No caso, não há controvérsia a respeito dos elementos fáticos narrados em exordial, cabendo apenas a discussão jurídica a respeito da conduta do réu, sendo, portanto, suficientes as informações lançadas na inicial e na contestação, autorizarando a solução do litígio sem a devida instrução processual.

Nesse sentido, já decidiu esta Corte:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - SEGURO OBRIGATÓRIO - DPVAT - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO - DESNECESSIDADE

O julgamento da lide sem a produção de determinadas provas requeridas pelas partes, por si só, não configura cerceamento de defesa, desde que pautado em cognição exauriente, sob o manto dos princípios da livre admissibilidade das provas e do livre convencimento motivado do juiz.

[...] (Apelação Cível n. 0308097-12.2016.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 25-4-2017).


APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVO. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C INDENIZATÓRIA. CULTURA DE TABACO. AQUISIÇÃO DE ESTUFAS. MAU FUNCIONAMENTO. VÍCIO OCULTO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM.

[...]

(2) PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANÁLISE PREJUDICADA.

- Reconhecida a decadência, perde relevância a análise da preliminar de cerceamento de defesa em face do julgamento antecipado da lide, eis que a oitiva das testemunhas arroladas em nada alteraria o resultado do presente julgamento.

SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA E ADESIVO PREJUDICADO (Apelação Cível n. 2009.047576-1, de Papanduva, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 21-2-2013).


Para arrematar, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTE NOCIVO RUÍDO. PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. NÍVEL DE INTENSIDADE DO RUÍDO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ.

I - O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que não há cerceamento de...

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