Acórdão Nº 0307622-04.2017.8.24.0039 do Segunda Câmara de Direito Civil, 23-01-2020

Número do processo0307622-04.2017.8.24.0039
Data23 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0307622-04.2017.8.24.0039, de Lages

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PLEITO DE IMISSÃO NA POSSE DE CERTA ÁREA DO IMÓVEL DO AUTOR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DOS RÉUS.

PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL. PRETENSA COMPROVAÇÃO DE DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL E DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR ACESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIAS CUJA DEMONSTRAÇÃO EM JUÍZO É EXCLUSIVAMENTE DOCUMENTAL. OPORTUNIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA ÀS PARTES. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE APÓS A PRODUÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA.

NULIDADE DO FEITO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. DIREITO REAL. ALEGADA NECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA. PRESCINDIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.314 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 73 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE PARA A PRETENSÃO DE REIVINDICAÇÃO QUE CABE A QUALQUER DOS CÔNJUGES.

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONTRATO DE COMODATO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO. FATO JURÍDICO QUE NÃO CONSTITUI PRESSUPOSTO DO PEDIDO REIVINDICATÓRIO. SITUAÇÃO FÁTICA QUE, ADEMAIS, RETRATA A INSUBSISTÊNCIA DA TOLERÂNCIA PRÓPRIA DO COMODATO. EXTINÇÃO DA CESSÃO EVIDENCIADA.

ACESSÃO. DIREITO A INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE RETENÇÃO E DE INDENIZAÇÃO.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0307622-04.2017.8.24.0039, da comarca de Lages (3ª Vara Cível), em que é Apelantes Gilberto Pires da Luz e Andreia Juliana da Luz e apelado Vidalvino Guedes da Luz.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais, com a ressalva da gratuidade concedida aos apelantes.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Jorge Luis Costa Beber, presidente com voto, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz e a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 23 de janeiro de 2020.

Desembargador Rubens Schulz

RELATOR

Documento assinado digitalmente

Lei n. 11.419/2006


RELATÓRIO

Vidalvino Guedes da Luz ajuizou esta Ação Reivindicatória em face de Gilberto Paes da Luz e Andreia Juliana de Luz. Aduziu que, na qualidade de pai do primeiro réu e sogro da segunda, cedeu aos requeridos por comodato verbal uma parte do do imóvel de sua propriedade com área de 4.298.730,18m² (quatro milhões, duzentos e noventa e oito mil, setecentos e trinta metros com dezoito decímetros quadrados) localizado em São José do Cerrito/SC e descrito na peça inicial. Disse que permitiu que os réus constituíssem ali seu lar. Ocorreu que a convivência deixou de ser amistosa, com proferimento de ameaças, sendo então registrada a ocorrência perante a autoridade policial. Com isto postulou fosse concedida ordem para ser imitido na posse da área.

A benesse da gratuidade da justiça foi deferida, sendo ordenada a citação (fl. 21).

A tentativa de composição em juízo restou inexitosa (termo de fl. 32).

Os réus apresentaram contestação arguindo que falta interesse de agir ao autor, pois a medida postulada tem natureza jurídica de ação possessória. Disseram ainda que inexistiu o comodato verbal anunciado, atribuindo ao pedido a pecha de juridicamente impossível, pois receberam o imóvel em doação. Postularam a improcedência do pleito (fls. 33-59).

Houve manifestação à contestação (fls. 62-67).

Instadas as partes a especificarem as provas que pretendessem produzir, o autor o fez às fls. 72, juntando também novos documentos; os réus postularam as provas que estão na peça de fls. 76-77.

Sobreveio a sentença de procedência do pedido inicial, determinando a imissão do autor na posse da área em comento, condenando os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes estabelecidos em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa a execução em razão da concessão da assistência judiciária aos demandados (fls. 83-89).

Inconformados com a prestação jurisdicional, os réus interpuseram recurso de Apelação Cível, trazendo preliminar de nulidade da sentença em razão do cerceamento de defesa, pois as provas postuladas pelos apelantes foram indeferidas. Dizem também que o feito estaria eivado de nulidade, pois não contou com a participação da cônjuge do apelado e a presente ação de direito real o exige. Argumentam que o pedido é juridicamente impossível, pois não houve notificação dos autores para a desocupação. Asseveram ainda que, em caso de mantença da procedência do pleito, deve ser garantido o direito à indenização pela acessão. Ao final, pugnam pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 98-113).

Pela decisão de fls. 118-119 este relator conferiu efeito suspensivo ao recurso.

Contrarrazões às fls. 128-137.

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça.

Vieram conclusos.

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto.

Destaca-se, ademais, que a apreciação do presente recurso, em detrimento de outros que estão há mais tempo conclusos neste gabinete, não afronta o critério cronológico de julgamento dos processos, previsto no art. 12 do Código de Processo Civil. Ao revés, valendo-se da interpretação do parágrafo 2º do referido artigo, tratando-se de causa relativamente simples, antecipar o seu julgamento privilegia a celeridade e a economia processual e contribui para o desafogamento do Judiciário, uma das diretrizes da novel legislação.

1 CERCEAMENTO DE DEFESA

Os apelantes arguem a ocorrência de cerceamento de defesa, porquanto necessária a designação de audiência de instrução e julgamento. Suscitam que a oitiva de testemunhas e produção de demais provas é necessária para que possam demonstrar a inexistência do aludido contrato de comodato, bem assim das benfeitorias que edificaram no local.

Contudo, a preliminar não comporta acolhimento.

Com efeito, no que toca à existência ou não do pacto de comodato, verifica-se que as partes pretendem rechaçar a existência da cessão gratuita da posse da área alegando, para tanto, que a área teria sido objeto de doação aos apelantes.

Conforme já bem relembrado pela sentença atacada, a transmissão da propriedade de bem imóvel pela via da doação requereria necessariamente que o fosse feito por escritura pública, na forma do caput do art. 541 do Código Civil; a doação verbal admite-se, contudo, somente será válida "se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição".

Não custa relembrar também que a transmissão da propriedade acontece sempre pela via do registro público, anotando-se a tradição na matrícula do imóvel, nos termos do art. 1.227 do Código Civil.

Como se vê, a prova neste ponto é absolutamente documental; não se admite demonstrar a transmissão da propriedade imóvel de outra maneira.

No que toca às benfeitorias, adiante o ponto será afastado, pois o voto é também pela improcedência do pedido de indenização pelas acessões e benfeitorias; contudo, ainda que se admitisse o provimento do apelo neste tópico, a comprovação dos prejuízos teria melhor eficácia se e quando feito pela via documental. A ouvida de testemunhas e o encaminhamento dos autos a perito judicial não tem o condão de gerar prova suficiente a convencer o julgador de que a parte suportará prejuízos, tampouco de quantificá-los.

Ademais, o feito encontrava-se em momento oportuno para o proferimento de sentença, já que a todos os litigantes havia sido oportunizada a ampla defesa. Neste norte, "quando suficiente o conjunto probatório à elucidação da matéria e ao convencimento do Magistrado, já que este se encontra como destinatário final, pertinente o julgamento da lide com base nas provas acostadas aos autos" (Apelação Cível n. 0308341-91.2014.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 12-4-2018).

Afasta-se a proemial, pois respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

2 NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA

Sustentaram os apelantes que o feito é nulo desde o seu nascedouro, pois não conta com a participação ou autorização da cônjuge do apelado para a sua propositura.

A presente ação tem evidente natureza de direito real sobre bem imóvel. Neste passo, segundo a norma do art. 73 do CPC, em tese e de fato necessitaria o apelado do consentimento de sua cônjuge para o ajuizamento desta ação.

Contudo, o caso em tela demanda uma situação peculiar em que um dos coproprietários da terra - leia-se, um dos cônjuges - demanda a restituição do exercício da posse da coisa que lhes pertence.

Convém, então, relembrar a clara redação do art. 1.314 do Código Civil, que confere a legitimidade para a reivindicação a qualquer dos condôminos da coisa: "cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la".

Neste andar, certamente a exigência da outorga uxória para os fins da propositura de ação de reivindicação da coisa perde a força que obriga as partes, sofrendo severa mitigação quando encontra-se em interpretação sistemática com o nominado art. 1.314 da lei civil.

A visualização conjunta das normas pressupõe que a exigência do art. 73 do CPC nesta ação não é mais que mera autorização pro forma, completamente dispensável no caso em tela.

Neste sentido, colhe-se dos julgados desta Corte:

AÇÃO REIVINDICATÓRIA. AUTORES CASADOS. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 10 DO CPC.

Embora a ação reivindicatória verse sobre direito real imobiliário, e inobstante a redação do art. 10, caput, do CPC, ao prescrever que o cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para...

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