Acórdão Nº 0307872-51.2018.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Público, 15-10-2020

Número do processo0307872-51.2018.8.24.0023
Data15 Outubro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão




Apelação/Remessa Necessária n. 0307872-51.2018.8.24.0023, da Capital - Eduardo Luz

Relatora: Desa. Subst. Bettina Maria Maresch de Moura

REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CANDIDATO CONSIDERADO INAPTO NA ETAPA REFERENTE AO QUESTIONÁRIO DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. SENTENÇA QUE CONCEDEU A SEGURANÇA. INSURGÊNCIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA.

POSSIBILIDADE DE DESLIGAMENTO DO CANDIDATO, ANTE A OMISSÃO DE INFORMAÇÃO RELEVANTE NO QUESTIONÁRIO DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ACOLHIMENTO. IMPETRANTE QUE OMITIU TER SOFRIDO PUNIÇÃO DISCIPLINAR, POR ENVOLVIMENTO COM SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE, QUANDO SERVIA O EXÉRCITO BRASILEIRO. EXCLUSÃO DO CERTAME, NESSA CIRCUNSTÂNCIA, EXPRESSAMENTE PREVISTA NO EDITAL DE REGÊNCIA E NA LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA O INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL, QUE VISA LEVANTAR ASPECTOS DA VIDA EM SOCIEDADE, MORAL, PROFISSIONAL, ENTRE OUTRAS POSSÍVEIS DO CANDIDATO, NÃO SE LIMITANDO À ANÁLISE DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. DECISÃO ADMINISTRATIVA PROFERIDA, NO EXERCÍCIO DA DISCRICIONARIEDADE ATRIBUÍDA AO AVALIADOR. CONTROLE JUDICIAL QUE SE RESTRINGE À LEGALIDADE DO ATO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DECISUM REFORMADO.

"Sabe-se que a investigação e a avaliação da vida pregressa do candidato é etapa fundamental no concurso para ingresso nos quadros da Polícia Militar, sobretudo em razão dos atributos exigidos dos profissionais que atuam nessa área e da relevância dos serviços a serem prestados.

Com efeito, a norma que serve de fundamento para a elaboração de editais de certames para ingresso nas carreiras das instituições militares de Santa Catarina, Lei Complementar n. 587/13, prevê, em seu art. art. 2º, XIV, que a aptidão do candidato no Questionário de Investigação Social (QIS) é um requisito essencial para sua aprovação. [...]

Nesse contexto, não se pode compreender desarrazoada ou desproporcional a conduta da autoridade examinadora que, ao se deparar com a omissão de fato relevante, flagrância por porte de entorpecentes, considera incompatível tal comportamento para um futuro membro do quadro da Polícia Militar, a qual possui como uma de suas funções o combate ao tráfico de drogas. [...]" (TJSC -Apelação/Remessa Necessária n. 0304416-83.2018.8.24.0091. Terceira Câmara de Direito Público. Rel. Des. Ronei Danielli. Data do julgamento: 28.05.2019)

APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA MODIFICADA EM REMESSA NECESSÁRIA

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária n. 0307872-51.2018.8.24.0023, da Comarca da Capital - Eduardo Luz, Vara de Direito Militar, em que é Apelante Estado de Santa Catarina e Apelado Gabriel de Almeida Flores.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de apelação e dar-lhe provimento, reformando-se a sentença, em remessa necessária. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pela Exma. Sra. Desa. Sônia Maria Schmitz e dele participaram, com voto, o Des. Odson Cardoso Filho e a Desa. Vera Lúcia Ferreira Copetti.

Florianópolis, 15 de outubro de 2020.

Bettina Maria Maresch de Moura

Relatora


RELATÓRIO

Gabriel de Almeida Flores impetrou "Mandado de Segurança Preventivo com pedido Liminar" contra o Comandante Geral da Polícia Militar de Santa Catarina aduzindo, em síntese, que participou do concurso público para ingresso no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar de Santa Catarina, regido pelo edital n. 14/CESIEP/2015 e que após a aprovação em todas as etapas, quando ainda era aluno soldado, foi contra si instaurado o Procedimento Administrativo n. 27/CGCP/2017, no qual se concluiu pela sua eliminação, em razão da inaptidão no questionário de investigação social. Esclareceu que a decisão foi baseada na suposta omissão, no referido questionário, quanto à punição disciplinar pelo uso de entorpecentes, quando prestava serviço no exército brasileiro, mas que durante o andamento do processo administrativo, "houve mudança do tipo legal objeto da investigação", sendo que "ora era investigado pela falsificação de documento, depois pela omissão por ter supostamente utilizado entorpecentes" ou ainda, por "ter se relacionado com usuário de entorpecente" (fl. 03). Defendeu que não houve a instauração de processo administrativo no exército, mas somente punição disciplinar, cuja informação não se trata de requisito exigido no edital, para que o candidato possa exercer a função de policial militar. Requereu, liminarmente, a anulação da decisão que o considerou inapto para o ingresso nos quadros da Polícia Militar de Santa Catarina e, ao final, a confirmação da medida. Juntou documentos (fls. 31/138).

Às fls. 139/140 foi determinado o recolhimento das custas processuais pelo Impetrante e postergada a análise da liminar.

O Impetrante efetuou o pagamento das custas iniciais (fls. 145/152) e reiterou o pedido de concessão da liminar (fls. 153/155), o que foi indeferido (fl. 159).

Irresignado, o Impetrante interpôs agravo de instrumento, o qual não foi conhecido (fls. 168/174).

A autoridade coatora prestou informações às fls. 178/193. Sustentou, em resumo, que a investigação social visa averiguar a existência ou não de fatos desabonadores da conduta social do candidato, que o inabilitem ao serviço público na condição de policial militar e que ainda que "o Exército Brasileiro entenda que 'Processo Disciplinar Administrativo' é diferente de 'Processo Administrativo', e que por isso o Impetrante não respondeu a processo administrativo" (fl. 183), não há dúvidas de que o Impetrante sofreu punição de caráter disciplinar, independentemente da denominação a ela atribuída, informação essa que foi omitida pelo candidato e permite o seu desligamento do concurso.

O Ministério Público se manifestou, alegando não possuir interesse no processo (fls. 197/198).

Sobreveio sentença (fls. 215/221), nos seguintes termos:

[...] Diante do exposto, DEFIRO A LIMINAR PLEITEADA e CONCEDO A SEGURANÇA, no sentido de determinar a anulação da decisão que considerou o candidato inapto no QIS do concurso para ingresso no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, autorizando-o a permanecer na Corporação.

Oficie-se à Autoridade Coatora para que tome ciência da presente sentença e cumpra as determinações imediatamente.

Declaro resolvido o feito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Sem condenação em verba honorária, nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009.

Sem custas.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 14, §1º, da Lei n. 12.016/2009).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se. [...]

O Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (fls. 230/234). Alega, em suma, que "a omissão de informação no âmbito do Questionário de Investigação Social é questão incontroversa" e que "a avaliação da gravidade da omissão é nítida tarefa da comissão do certame, que, conhecedora dos princípios e características da função militar, aufere expertise no tema", não sendo permitido ao Poder Judiciário invadir tal seara (fl. 231). Sustenta que a sentença "invadiu competência própria da banca Examinadora, com clara agressão ao princípio da separação dos poderes" e que a jurisprudência desta Corte entende pela possibilidade de desligamento do candidato, quando constatada omissão de informação no questionário de investigação social. Requer a reforma do decisum fustigado, para que seja denegada a segurança pleiteada pelo Impetrante.

Com contrarrazões (fls. 240/249), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. João Fernando Quagliarelli Borrelli, manifestando-se pela desnecessidade de intervenção no recurso (fls. 257/259).

Este é o relatório.


VOTO

1. Da admissibilidade do recurso e da remessa necessária

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento da apelação e da remessa oficial.

Neste sentido, é orientação do Superior Tribunal de Justiça, através do Enunciado Administrativo n. 3:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

Além disso, a sentença concessiva da segurança está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, por força do disposto no artigo 496, inciso I, da Lei Processual Civil e artigo 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009, respectivamente:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; [...]

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.

§ 1o Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

Presentes pois os requisitos intrínsicos e extrínsicos de admissibilidade, conheço da apelação e da remessa necessária, cuja análise se dará em conjunto.

2. Do mérito

Tratam-se de remessa oficial e de apelação interposta pelo Estado de Santa Catarina contra sentença que concedeu a segurança pleiteada por Gabriel de Almeida Flores, para "determinar a anulação da decisão que considerou o candidato inapto no QIS do concurso para ingresso no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, autorizando-o a permanecer na Corporação".

A reforma da sentença é medida que se impõe.

In casu, a controvérsia gira em torno da eliminação do Apelado/Impetrante dos quadros da Polícia Militar de Santa...

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