Acórdão Nº 0307901-04.2014.8.24.0036 do Câmara de Recursos Delegados, 27-10-2021

Número do processo0307901-04.2014.8.24.0036
Data27 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação Nº 0307901-04.2014.8.24.0036/SC

RELATOR: Desembargador SALIM SCHEAD DOS SANTOS

AGRAVANTE: BANCO ABC BRASIL S.A. AGRAVADO: INSTALADORA TONIOTTI LTDA

RELATÓRIO

Banco ABC Brasil S/A, com fundamento no artigo 1.021 do Código de Processo Civil, interpôs o presente agravo interno contra a decisão proferida pela 3ª Vice-Presidência desta Corte de Justiça que, amparada em precedente do Superior Tribunal de Justiça [REsp n. 1.063.474/RS (Temas 463 e 464)], aplicou a norma do art. 1.030, inciso I, "b", c/c 1.040, inciso I, da citada codificação e, em relação à matéria objeto de recurso representativo da controvérsia, negou seguimento ao recurso especial, ao fundamento de que o entendimento adotado no acórdão recorrido coincide com a orientação da Corte Superior (evento 81).

Em suas razões, o agravante sustenta a inaplicabilidade dos Temas 463 e 464 ao caso concreto, uma vez que "não agindo o endossatário-mandatário em nome próprio nos atos de cobrança da cártula, a responsabilidade perante terceiros não decorre da sua posição, mas de sua condição de mandatário do credor primitivo ou decorrente de ato culposo próprio"; que "mesmo tendo ciência de todo o comprovado, a recorrida efetuou o pagamento ao credor errado, sendo certo que o recorrente, age mediante instruções do mandante no exercício regular do direito"; portanto, "não se pode imputar ao Agravante a culpa exclusiva pelo apontamento indevido", sobretudo porque "não existe prova de culpa ou negligência de parte dela a justificar-lhe a imposição do dever de indenizar".

Com base nesses argumentos, requer o provimento do presente agravo interno para viabilizar o processamento do recurso especial interposto (evento 89).

Intimada, a parte agravada deixou de apresentar contrarrazões (evento 101).

Em sede de juízo de retratação (art. 1.021, § 2º, do CPC/2015), foi mantida a decisão agravada e determinou-se o encaminhamento do agravo interno à Secretaria da Câmara de Recursos Delegados, para oportuna inclusão em pauta, nos termos do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.

VOTO

1. Imperativo anotar, ab initio, que o artigo 1.030, inciso I, alíneas "a" e "b", do Código de Processo Civil, determina que:

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

I - negar seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;

b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos. (grifou-se)

O § 2º do artigo 1.030 do novel diploma processual, por sua vez, estabelece que "da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021" e, não havendo retratação, como ocorre neste caso, o agravo será levado "a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta" (artigo 1.021, § 2º, do CPC).

2. No mérito, adianta-se , o recurso é desprovido.

A 3ª Vice-Presidência negou seguimento ao recurso especial em relação à matéria repetitiva, sob o argumento de que o acórdão recorrido está de acordo com a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no Resp n. 1.063.474/RS, representativo da controvérsia, julgado em 28/09/2011 (Temas 463 e 464), assim ementado:

DIREITO CIVIL E CAMBIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DUPLICATA RECEBIDA POR ENDOSSO-MANDATO. PROTESTO. RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO. NECESSIDADE DE CULPA.

1. Para efeito do art. 543-C do CPC: Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula.

2. Recurso especial não provido.

Nos fundamentos do voto, o eminente Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, no que interessa ao deslinde da controvérsia, inscreveu:

[...]

2. O presente caso submetido ao rito do art. 543-C do CPC circunscreve-se ao tema relativo à responsabilidade de quem recebe título de crédito por endosso-mandato e leva-o a protesto, o qual, posteriormente, é tido por indevido.

2.1. Como é de conhecimento cursivo, o endosso próprio, pleno, também chamado translativo, é aquele mediante o qual se transferem os direitos decorrentes do título de crédito (LUG, at. 14, e LC, art. 20).

O impróprio, à sua vez, é o ato pelo qual o endossante transfere apenas o exercício dos direitos emergentes da cártula, sem que remanesça ao endossante responsabilidade cambiária pelo aceite ou pagamento.

O chamado endosso-mandato, com efeito, é espécie do gênero "endosso impróprio", constituindo cláusula pela qual o endossante constitui o endossatário seu mandatário, especificamente para a prática dos atos necessários ao recebimento dos valores representados no título, e para tal desiderato transfere-lhe todos os direitos cambiais do título.

É medida de simplificação da outorga de poderes do mandante ao mandatário, porquanto é instrumento exclusivamente cambial e se perfectibiliza com cláusula aposta no próprio título.

É o endosso a que faz menção o art. 18 da Lei Uniforme de Genebra relativa a nota promissória e letra de câmbio:

"Art. 18. Quando o endosso contém a menção 'valor a cobrar' (valeur en recouvrement), 'para cobrança' (pour encaissement), 'por procuração' (par procuration), ou qualquer outra menção que implique um simples mandato, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas só pode endossá-la na qualidade de procurador".

Disposição semelhante é encontrada no art. 26 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/85) e art. 917 do Código Civil de 2002.

Nos termos do magistério de Rubens Requião, com o endosso-mandato, "transmite-se ao mandatário-mandatário, assim investido de mandato e da posse do título, o poder de efetuar a cobrança, dando quitação de seu valor" (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º volume. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495). O endosso translativo, à sua vez, espécie de endosso próprio e pleno, é o ato cambiário mediante o qual "o endossador transfere ao endossatário o título e, em consequência, os direitos nele incorporados" (Ibidem, p. 492).

Assim, no endosso-mandato o endossatário não age em nome próprio, mas em nome do endossante, razão pela qual o devedor poderá opor as exceções pessoais que tiver somente contra o endossante, mas nunca contra o endossatário.

Com efeito, não agindo o endossatário-mandatário em nome próprio nos atos de cobrança da cártula, a responsabilidade perante terceiros não decorre exatamente de sua condição de endossatário, mas sim da posição de mandatário do credor primitivo ou decorrente de ato culposo próprio.

2.2. Vale dizer, a responsabilidade do endossatário-mandatário não resulta diretamente das regras de direito cambial, mas de direito civil comum, sobretudo as aplicáveis à responsabilidade do mandatário em relação a terceiros.

Daí por que, com acerto, tem-se afirmado na jurisprudência da Casa que "[r]esponde o banco pelo protesto indevido da duplicata, não em face da simples existência de endosso-mandato, mas por ter este participado para o evento danoso com culpa apenas a ele imputável" (AgRg no Resp 1021046/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/04/2008).

Também nessa linha é a doutrina comercialista:

"Os atos devem ser praticados pelo endossatário em nome e por conta do endossante-mandante, inclusive a propositura de ação cambiária e a habilitação de crédito em concordata ou falência. Do mesmo modo, o endossatário-mandatário é parte ilegítima para figurar no pólo passivo em ação cautelar de sustação de protesto de título de crédito, e falece competência ao endossatário para agir em nome próprio por não ser o proprietário do título. [...] Não se pode esquecer que a relação entre o endossante e o endossatário consubstancia contrato de mandato, e, assim, o endossatário só pode agir em nome e por conta do mandante. Não é por outra razão que a alínea 2ª do art. 18 da LUG só confere aos coobrigados o direito de opor ao endossatário-mandatário as exceções oponíveis ao endossante-mandante, por ser este a parte autora da ação" (ROSA JÚNIOR. Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 268-269).

2.3. São exemplos de circunstâncias em que há responsabilidade por protesto indevido daquele que recebeu título por endosso-mandato: a conduta ultra vires que extrapola os poderes transferidos pela cláusula-mandato, mercê do que dispõe o art. 662 do CC/2002, além de...

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