Acórdão Nº 0307945-23.2018.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Público, 27-02-2020

Número do processo0307945-23.2018.8.24.0023
Data27 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0307945-23.2018.8.24.0023, da Capital

Relator: Desa. Vera Copetti

APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO PROCON. MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS. IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA. ATUAÇÃO LEGÍTIMA. COMPETÊNCIA DETERMINADA PELOS ARTS. 55, § 1º, E 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, E ARTS. 2º, 4º, INCISOS III E IV, 5º E 18, § 2º, DO DECRETO FEDERAL N. 2.181/97. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR PELO ÓRGÃO DE DEFESA. POSSIBILIDADE. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS. CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DE POLÍCIA PARA VERIFICAÇÃO DA LEGALIDADE. SANÇÃO APLICADA EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (ARTS. 14, 39, V, E 51, IV E § 1º, I). PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO INJUSTIFICADA. PRÁTICA ABUSIVA. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA E AO DEVER DE MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PENALIDADE MANTIDA. MULTA ARBITRADA EM R$ 5.000,00. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NO QUANTUM FIXADO, NÃO HAVENDO SEQUER INSURGÊNCIA NESTE ASPECTO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS. INCIDÊNCIA DO ART. 85, § 11, DO CPC/15.

"É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual a sanção administrativa prevista no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor funda-se no Poder de Polícia que o PROCON detém para aplicar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei n. 8.078/1990, independentemente da reclamação ser realizada por um único consumidor, por dez, cem ou milhares de consumidores." (STJ, AgInt no REsp 1594667/MG, rel. Min. Regina Helena Costa, j. 04/08/2016).

Não se trata de usurpação da função típica do Poder Judiciário, nem tampouco de violação ao art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"). Aplicação da chamada teoria dos poderes implícitos, pois negar ao PROCON a possibilidade de interpretação de cláusulas contratuais significa impedir a atuação regular do órgão administrativo instituído para a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88).

"'O contrato de prestação de serviços médico-hospitalares submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e, por conta disso, eventual dúvida interpretativa de cláusula contratual resolve-se a favor do beneficiário do plano de saúde' (Apelação Cível n. 2011.008723-3, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 3-5-2011)." (TJSC, Apelação Cível n. 2007.044502-3, de Chapecó, rel. Des. Cid Goulart, Segunda Câmara de Direito Público, j. 18-10-2011).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0307945-23.2018.8.24.0023, da comarca da Capital 1ª Vara da Fazenda Pública em que é/são Apelante(s) Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos e Apelado(s) Município de Florianópolis.

A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, e majorar os honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC/15). Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Rodolfo Tridapalli (com voto) e dele participou a Exma. Desa. Vera Copetti e o Exmo Des. Odson Cardoso Filho.

Funcionou como representante do Ministério Público na sessão o Exmo. Sr. Dr. Paulo Ricardo da Silva.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2020.

Desembargadora Vera Copetti

Relatora


RELATÓRIO

Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos ajuizou ação anulatória com pedido de antecipação dos efeitos da tutela contra o Município de Florianópolis, objetivando desconstituir multa que lhe foi aplicada pelo PROCON municipal.

Asseverou que, em razão de reclamação registrada pelo consumidor Cláudio Luiz Ferreira Madsen, que contratou o plano de saúde da Unimed e teve negado seu pedido de liberação para realização de cirurgia para tratamento de hérnia de disco, foi instaurado o processo administrativo FA n. 42.002.001.14-0004235, que resultou na imposição de penalidade no valor correspondente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tendo sido indevidamente mantida mesmo após a interposição de recurso administrativo.

Argumentou ser legítima a conduta de operadora de plano de saúde em não oferecer cobertura de qualquer procedimento cirúrgico com a técnica de videolaparoscopia em hipóteses como a dos autos em que há exclusão expressa de serviços previstos nos módulos ampliativos (não adquiridos pelo cliente) e não há adaptação do plano à Lei nº 9656/98, defendendo que a penalidade aplicada pelo órgão de proteção ao consumidor é desprovida de fundamentação, estando o processo administrativo eivado de irregularidades.

Ao final, pleiteou a concessão da tutela antecipatória para a suspensão da exigibilidade da multa, e a procedência, com a declaração de nulidade da sanção. Juntou documentos (pp. 13-147).

Pela decisão de pp. 149-154 foi indeferida a tutela de urgência.

Citado, o Município de Florianópolis apresentou contestação, arguindo a impossibilidade de controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário, defendendo a regularidade do procedimento administrativo, aduzindo, nesse pensar, que foi oportunizada à empresa reclamada a apresentação de defesa, possibilitando-se-lhe viesse sanar a pendência indicada, contudo, manteve-se inerte, ficando demonstrada a prática da infração. Sustentou a legitimidade da atuação do PROCON, afirmando sua competência para a fiscalização das infrações à legislação consumerista. Disse que atuou no exercício legítimo do poder de polícia, nos termos do art. 55 da Lei n. 8.078/90 e do Decreto n. 2.181/97, não havendo violação aos princípios da separação dos poderes, da motivação e da legalidade, e que a sanção aplicada observa os limites normativos estabelecidos, tendo sido graduada de acordo com a gravidade da infração, a condição econômica do fornecedor, e a vantagem por ele auferida, devendo ser mantida em seu respectivo montante, pelo que pleiteou a improcedência do pedido (pp. 168-178).

Houve réplica (pp. 179-187).

Encaminhados os autos ao Ministério Público, entendeu inocorrer hipótese de intervenção na causa (pp. 191-192).

Decidindo antecipadamente, o MM. Juiz Luis Francisco Delpizzo Miranda julgou improcedente o pedido formulado, condenando a autora ao pagamento das custas processuais, e honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (pp. 200-211).

Irresignada, a Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que a sentença tem embasamento na suposta ausência de exclusão expressa no contrato do tratamento herniorrafia por videolaparoscopia prescrito pelo médico assistente em favor do reclamante Cláudio Luiz Madsen, na esteira do que concluiu a decisão administrativa; que, contudo, existe previsão expressa de exclusão dos procedimentos previstos no módulo opcional 3, não contratado, assim como a videolaparoscopia.

Defende, nesse pensar, que "o pedido médico em questão foi apresentado de forma eletiva" (p. 219); que "a decisão exarada pelo Procon é inválida e ilegítima, na medida em que embora alegue que não existe exclusão expressa no contrato, verifica-se pelo contrato do plano de saúde que na realidade existe, merecendo o processo administrativo ser considerado nulo, porque a motivação não é compatível com a realidade dos documentos comprobatórios" (p. 219), estando evidenciada a nulidade da multa administrativa.

Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, a fim de que seja julgado procedente o pedido formulado, com a declaração de nulidade da penalidade imposta, invertidos os ônus sucumbenciais (pp. 217-220).

Foram apresentadas contrarrazões, oportunidade em que o Município de Florianópolis reafirmou a validade do processo administrativo que ensejou a aplicação da penalidade, dizendo terem sido respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, ficando comprovado "o cometimento de prática abusiva pela apelante, ante a inconteste negativa de cobertura da cirurgia do consumidor reclamante" (p. 232, grifos no original).

Reiterou, ainda, a argumentação relativa à competência do PROCON para efetuar a fiscalização e a aplicação de sanções nos casos de violação à legislação consumerista, bem como a impossibilidade de controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário, e aduziu que o cálculo da multa administrativa foi feito em observância aos indicadores da Lei n. 8.078/90 e do Decreto n. 2.181/97, atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não sendo cabível qualquer adequação, termos em que clamou pela manutenção da sentença (pp. 226-236).

A Procuradoria-Geral de Justiça consignou não haver interesse social a justificar sua intervenção no processo (pp. 245-246).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de anulação da multa imposta pelo órgão municipal de proteção ao consumidor - PROCON.

Consta dos autos que Cláudio Luiz Ferreira Madsen apresentou reclamação perante o PROCON de Florianópolis, deflagrando o processo administrativo FA n. 42.002.001.14-0004235 (pp. 13-140), informando que teve negado pela Unimed Curitiba Sociedade Cooperativa de Médicos seu pedido de liberação para realização de tratamento de hérnia de disco, embora o procedimento não esteja excluído da cobertura, pelo que solicitou esclarecimentos e a autorização da cirurgia.

Pertinente registrar que, mesmo a reclamação de apenas um consumidor contra o fornecedor enseja a aplicação de sanção administrativa, quando constatada a violação às normas consumeristas.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) há muito assentou ser legítima a atuação do PROCON em tais casos, pouco importando se a...

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