Acórdão Nº 0308255-29.2018.8.24.0023 do Quinta Câmara de Direito Público, 14-12-2021

Número do processo0308255-29.2018.8.24.0023
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0308255-29.2018.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

APELANTE: BIO IDENTICA FARMACIA DE MANIPULACAO LTDA (IMPETRANTE) APELADO: MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Bio Idêntica Farmácia de Manipulação Ltda. contra a sentença que extingiu parcialmente, sem resolução do mérito, e denegou a segurança impetrada contra ato do Diretor de Vigilância em Saúde do Municóipio de Florianópolis.

A impetrante quer, em suma, autorização para a produção, comercialização e o consumo das substâncias anorexígenas sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

No apelo, argumenta que as disposições da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 50/2014 da ANVISA não podem prevalecer sobre os comandos advindos da Lei n. 13.454/2017, especialmente no que autoriza a comercialização e manipulação dos anorexígenos anfepramona, femproporex e mazindol, de modo que aquela norma deve ser tida por revogada.

Sustenta também que a administração pública é regida pelo princípio da legalidade, não podendo aplicar proibição sem amparo legal, além do que o posicionamento ofende o direito à livre atividade comercial, insculpido no art. 5º, II, da CF/88.

O Município de Florianópolis apresentou contrarrazões (Evento 64).

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo Sr. Dr. Plínio Cesar Moreira, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Este é o relatório.

VOTO

Em resumo, o estabelecimento impetrante fundamenta o pedido nestes termos (Evento 55):

Desta forma, restou configurada a violação concreta, atual e objetiva de direito líquido e certo concedido através da lei 13.454/17 à Impetrante, ora Apelante, de exercer sua atividade comercial e de produzir medicamento manipulado a base de anfepramona, femproporex, mazindol.

É certo que diante da existência de Lei permissiva, não pode o apelado adotar medidas restritivas, contrárias a permissão legal, sob pena de causar ofensa ao princípio da legalidade.

Quer dizer, a fundamentação da pretensão compreensivelmente gira em torno da Lei n. 13.454/17, que traz esta autorização:

Art. 1º Ficam autorizados a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos anorexígenos sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

O argumento, porém, não é uma novidade para este colegiado, que afastou-o em precedente sob a relatoria do Ilustre Des. Hélio do Valle Pereira, assim ementado:

DIREITO ADMINISTRATIVO - APREENSÃO DE INSUMOS NÃO REGISTRADOS NA ANVISA E PROIBIÇÃO DE MANIPULAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS PELA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE FLORIANÓPOLIS - RESTRIÇÃO VEICULADA PELA RESOLUÇÃO N. 50/2014 - PERMISSÃO GENÉRICA TRAZIDA PELA LEI 13.454/2017 QUE NÃO EXCLUI O CONTROLE DA DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS PELOS ÓRGÃOS DE SAÚDE - COMPATIBILIZAÇÃO DAS NORMAS - ANTINOMIA APENAS APARENTE - ATO ADMINISTRATIVO MANTIDO. 1. A apelante pretende a liberação de mercadoria apreendida (anfepramona) e a permissão de manipulação das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol. O debate resulta da aparente antinomia entre a Lei 13.454/2017, que veiculou permissão genérica à manipulação dos tais insumos, e a Resolução n. 50/2014, da Anvisa, que condicionou a utilização dos princípios ativos à demonstração de sua eficácia e registro dos medicamentos que os utilizem em suas fórmulas. O conflito de normas é apenas aparente. É possível que os comandos sejam conciliados e haja uma interpretação que assegure a legitimidade das normas tanto melhor. 2. A Lei 13.454/2017, que permitiu a distribuição dos tais anorexígenos, deve ser vislumbrada no contexto do correspondente marco legal do setor; afinal, o direito deve ser compreendido como um sistema. A Lei 6.360/76 dispõe explicitamente sobre a necessidade de registro dos medicamentos (art. 12), assim como o art. 7º, inc. III, da Lei 9.782/99 atribui à Anvisa o poder de normatizar sobre as diretrizes de vigilância sanitária (atribuição referendada pelo STF na ADI 4.874). Daí que as restrições consignadas na Resolução 50/2014 devem ser prestigiadas, tomando o teor da lei federal como uma autorização abstrata do uso (no sentido de que, em princípio, não está vedado), mas submetido ao regramento ordinário das demais normas de regência. 3. No modelo de legalidade atualmente vigente deve ser reconhecido o espaço de atuação das agências reguladoras. São legitimamente responsáveis por dizer as minúcias de ordem técnica a que estarão submetidos determinados agentes econômicos. É uma vocação que naturalmente ostentam, sendo mesmo preferível, pela aptidão profissional, que essas decisões sejam de sua alçada. Em paralelo, o sistema saúde, no que se inclui o controle sobre medicamentos, deve ser conduzido por uma política pública que tenha por responsável o Poder Executivo. Quer dizer, o critério deve ser absolutamente técnico. Definem-se os padrões científicos aceitáveis para o comercialização dos fármacos, não podendo o Legislativo, sem essa visão especializada, assumir a liderança desse processo. 4. Recurso desprovido. (Apelação Cível n. 0314577-65.2018.8.24.0023, da Capital, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, 21-07-2020).

São estas as formidáveis razões do voto, que são adotadas aqui também como fundamentos de decidir:

1. A apelante pretende a liberação de mercadoria apreendida (anfepramona) e a permissão de manipulação das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol.

Sua tese, essencialmente, é que conta com permissão legal para a manipulação (é empresa farmacêutica que atua neste ramo) advinda da Lei 13.454/2017, publicada com esta redação:

Art. 1º Ficam autorizados a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos anorexígenos sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

Só que, argumenta, há uma aparente antinomia com o que prevê a Resolução n. 50/2014 da Anvisa, que dispõe o seguinte:

Art. 2° O registro de medicamentos que contenham as substâncias tratadas nesta norma [anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina, seus sais e isômeros, bem como seus intermediários] somente poderá ser concedido mediante a apresentação de dados que comprovem a eficácia e segurança, de acordo com as normas sanitárias vigentes.

(...)

Art. 9º A manipulação de fórmulas que contenham substâncias tratadas nesta norma está vedada, com exceção daquelas presentes em medicamentos registrados com prova de eficácia e segurança nos termos do art. 2°.

Digo aparente porque não penso haja verdadeiro conflito de normativo. Vejo como possível que os comandos abstratos veiculados nos dois atos sejam conciliados - e uma interpretação, se viável, que assegure a legitimidade das normas tanto melhor.

Bem por isso não compartilho da compreensão do Ministério Público quanto à necessidade de instauração de incidente de arguição de inconstitucionalidade.

Reitero: é possível a convivência harmônica dos preceitos sem que seja preciso se recorrer à invalidação de quaisquer das normas.

Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, mutatis mutandis, nesse sentido:

A) AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRERROGATIVA DE FORO. PROMOTOR DE JUSTIÇA. LEIS Nº 8.429/1992 E 8.625/1993. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO E DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA.

1. O acórdão recorrido, do Superior Tribunal de Justiça, realizou interpretação integrada das Leis Federais nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), conforme é sua competência constitucional (art. 105, III, "a").

2. Dissentir das conclusões do acórdão recorrido, para determinar a competência originária dos Tribunais do Estado para julgamento de ações de improbidade que possam causar a perda de cargo de Promotor de Justiça, significaria interpretar as referidas leis federais, o que notoriamente não é possível em sede de recurso extraordinário. Violação reflexa.

3. Para que ocorra violação à cláusula de reserva de plenário, incidindo-se em violação ao art. 97 da CFRB e à SV 10/STF, é necessário que a decisão de órgão fracionário fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e o Texto Constitucional, o que não se verificou na hipótese. Precedentes.

(...)

5. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 832807 AgR, rel. Min. Edson Fachin)

B) DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ART. 97 DA CF/88 E SÚMULA VINCULANTE 10. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que não há violação ao princípio da reserva de plenário quando o acórdão recorrido apenas interpreta norma infraconstitucional, sem declará-la inconstitucional ou afastar sua aplicação com apoio em fundamentos extraídos da Constituição Federal. Precedentes.

2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015.

3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. (ARE 1155187 AgR, rel. Min. Roberto Barroso)

C) PLENÁRIO - RESERVA. Descabe confundir o exame de constitucionalidade com interpretação de norma legal. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA FÁTICA E LEGAL. O recurso extraordinário não é meio próprio ao revolvimento da prova, também não servindo à interpretação de normas estritamente legais. (ARE 806506 AgR, rel. Min. Marco Aurélio)

2. A Lei 13.454/2017, que permitiu a distribuição dos tais anorexígenos deve ser vislumbrada no contexto do correspondente marco legal; afinal, o direito deve ser compreendido como um sistema. Daí que, como o próprio recorrente menciona em seu arrazoado, a Lei n. 6.360/76 dispõe explicitamente que "Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da...

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