Acórdão Nº 0308367-16.2019.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Público, 06-12-2022

Número do processo0308367-16.2019.8.24.0038
Data06 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0308367-16.2019.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELANTE: MUNICÍPIO DE JOINVILLE APELADO: GONCALVES DA ROCHA INCORPORADORA EIRELI

RELATÓRIO

Gonçalves da Rocha Incorporadora Eireli impetrou Mandado de Segurança contra ato dito ilegal praticado pelo Secretário Municipal do Meio Ambiente de Joinville aduzindo, em resumo, que é proprietária de um terreno situado na Rua Campo Erê, n. 45, Bairro Itaum, na cidade de Joinville, matriculado sob o n. 35.247. Asseverou ter formalizado em 31.01.2017, perante a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do Município, licença para construção de residência multifamiliar, todavia, o pleito restou indeferido, ante a exigência de recuo de 15 (quinze) metros da tubulação d'agua, existente em frente ao terreno. Relatou que, ao apresentar recurso administrativo, a Municipalidade lhe impôs novo gravame, passando a exigir medida compensatória, nos termos da Portaria n. 127/2017/SEMA. Sustentou que a determinação é ilegal e abusiva, posto que, a teor da Verificação de Meio Físico n. 2755 e da Certidão de Área Urbana Consolidada n. 0006/2017/SEMA/UCA, "o referido imóvel está em área urbana consolidada, não se trata de área de interesse ecológico relevante, é desprovido de vegetação, não está em área de conservação, NÃO está em área de inundação, porém, em frente ao lote há curso d'água tubulado sob logradouro público na drenagem pluvial". Defendeu que "a incolumidade do meio ambiente (rio) foi levada à cabo pela própria municipalidade na década de 80, ao inseri-lo sob a via pública junto ao sistema de drenagem pluvial com contribuições de esgoto", trantando-se, portanto, de curso d'água canalizado, o que descaracteriza o local como APP e afasta a aplicação das normas limitadoras do Código Florestal e da Portaria municipal. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela, "para ordenar à autoridade impetrada que se abstenha de condicionar a emissão de alvará de construção e licença ambiental a qualquer recuo de área não edificável. Subsidiariamente, requer-se a determinação para que seja observado recuo de quatro metros, nos termos da legislação municipal da época da aprovação do lote" e, no mérito, a sua confirmação. Juntou documentos (evento 1, INIC1).

A liminar foi indeferida (evento 5, DEC17).

Notificada, a Autoridade Coatora prestou informações em conjunto com o Município de Joinville (evento 16, INF28). Suscitaram, em preliminar, a carência da ação, por ausência de prova pré-constituída e da demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora. Quanto ao mérito, defenderam, em suma, a aplicação do Código Florestal, posto que "conforme atesta a Verificação do Meio Físico nº 2755/ 2017, existe um curso d'água natural e tubulado defronte ao imóvel", caracterizando-se como área de preservação permanente. Teceram considerações sobre a Lei Estadual n. 16342/14, alegando a inaplicabilidade do art. 119-C "aos casos de rios tubulados que são corpos hídricos naturais". Por fim, afirmaram a inexistência de direito adquirido em matéria ambiental. Requereram a denegação da segurança e, subsidiariamente, a suspensão do feito, até o julgamento final do Tema 1010/STJ.

Manifestação do Ministério Público pelo sobrestamento do mandamus (evento 19, PET32).

Sobreveio sentença nos seguintes termos (evento 21, SENT33):

"[...] Ante o exposto, concedo a segurança vindicada por Gonçalves da Rocha Incorporadora Eireli EPP, determinando à autoridade impetrada que observe as disposições do artigo 119-C, inciso IV, da Lei Estadual n. 16.342/14 (Código Estadual do Meio Ambiente), em relação ao corpo d'água referido na Verificação de Meio Físico n. 2755 (pág. 25), para fins de emissão da licença referida na exordial. Arcará o Município de Joinville com o pagamento das despesas relativas aos atos praticados pelo Contador e pela Distribuidora judiciais (RCE, art. 35, alínea 'h'). Honorários incabíveis (LMS, art. 25). P. R. I-se. Sentença sujeita à reexame necessário (LMS, art. 14, § 1º). Transitada em julgado, arquive-se".

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (evento 28, PET39). Defende, em suas razões, que "a aplicabilidade do Código Florestal mesmo para áreas urbanas consolidadas revela-se clara e cristalina na simples leitura do caput do art. 4º da Lei n. 12.651/12", de modo que indevida a incidência do art. 119-C do Código Estadual do Meio Ambiente. Assevera que "o fato do referido curso d'água ser parcialmente canalizado e/ou tubulado, não o descaracteriza como rio". Requer a reforma da sentença, para denegar a segurança, aplicando-se ao caso concreto o Código Florestal.

O Município de Joinville também apresentou apelação (evento 37, APELAÇÃO48). Em preliminar, postula a suspensão do processo, até o julgamento do Tema 1010/STJ. No mérito, repisa os argumentos anteriormente lançados, pugnando pelo cumprimento do estabelecido no art. 4º, I, "a", do Código Florestal e, subsidiariamente, pela aplicação do distanciamento de 15 (quinze) metros, em conformidade com o § 2º, do art. 65, do diploma legal supramencionado combinado com o Decreto Municipal n. 26.874/2016.

Apresentadas contrarrazões (evento 41, PET52), os autos ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. César Augusto Grubba, opinando pela suspensão do processo, em razão do Tema 1010/STJ (evento 15, PET6).

Por decisão monocrática, da lavra do Desembargador Ronei Danielli, foi determinada o sobrestamento do recurso, até o julgamento do Tema 1010/STJ (evento 18, DECMONO8).

Opostos embargos de declaração pela Apelada/Impetrante (evento 33, EMBDECL15), foram rejeitados (evento 62, DECMONO28). Interposto agravo interno pela Recorrida (evento 71, AGRAVO33), o recurso restou conhecido e desprovido, fixando-se multa, nos termos do art. 1.021, §4º do CPC (evento 96, ACOR42).

Os autos foram reativados.

Novo parecer da Douta Procuradoria-Geral de Justiça, exarado pelo Exmo. Sr. Dr. César Augusto Grubba, pelo conhecimento e provimento dos recursos interposto (evento 122, PROMOÇÃO1).

Este é o relatório.

VOTO

1. Da admissibilidade

Inicialmente, consigno que a decisão recorrida foi publicada quando já em vigor o Código de Processo Civil de 2015, devendo este regramento ser utilizado para análise do recebimento das apelações/remessa necessária.

Outrossim, o decisum está sujeito ao duplo grau de jurisdição obrigatório, por força do disposto no art. 496, inciso I, da Lei Processual Civil em vigor e do art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; [...]

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. § 1o Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço das apelações e da remessa necessária, cuja análise se dará em conjunto.

2. Do mérito

Tratam-se de remessa oficial e de recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público de Santa Catarina e pelo Município de Joinville contra sentença prolatada em Mandado de Segurança, que concedeu a ordem pleiteada, para determinar que a Autoridade Coatora "observe as disposições do artigo 119-C, inciso IV, da Lei Estadual n. 16.342/14 (Código Estadual do Meio Ambiente), em relação ao corpo d'água referido na Verificação de Meio Físico n. 2755 (pág. 25), para fins de emissão da licença referida na exordial".

Defende o Órgão Ministerial, em suas razões, que "a aplicabilidade do Código Florestal mesmo para áreas urbanas consolidadas revela-se clara e cristalina na simples leitura do caput do art. 4º da Lei n. 12.651/12", de modo que indevida a incidência do art. 119-C do Código Estadual do Meio Ambiente.

O Município de Joinville repisa os argumentos anteriormente lançados, pugnando pelo cumprimento do estabelecido no art. 4º, I, "a", do Código Florestal e, subsidiariamente, pela aplicação do distanciamento de 15 (quinze) metros, em conformidade com o § 2º, do art. 65, do diploma legal supramencionado combinado com o Decreto Municipal n. 26.874/2016.

As insurgências, adianta-se, não comportam provimento. Por outro lado, a sentença comporta parcial adequação, em remessa necessária.

De proêmio, imperioso reconhecer a distinção entre o caso em apreço e o Tema 1010 do STJ, assim delimitado:

"Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea 'a', da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979."

A propósito, cito a ementa do REsp n. 1.770.760/SC, de relatoria do Min. Benedito Gonçalves, julgado na data de 28.04.2021, em que restou firmada a tese do Tema n. 1010:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA INCIDÊNCIA DO ART. 4º, I, DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) OU DO ART. 4º, CAPUT, III, DA LEI N. 6.766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL A PARTIR DAS MARGENS DE CURSOS D'ÁGUA NATURAIS EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA.

1. Nos termos em que decidido pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).

2. Discussão dos autos: Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato de...

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