Acórdão Nº 0308439-08.2016.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Civil, 14-10-2021

Número do processo0308439-08.2016.8.24.0038
Data14 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0308439-08.2016.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: MARLI ELIAS MONTEBELLER (AUTOR) ADVOGADO: CEZAR AUGUSTO CAMPESATTO DOS SANTOS (OAB SC027033)

RELATÓRIO

Por refletir fielmente o contido no presente feito, adoto o relatório da r. sentença (ev. 157 do primeiro grau):

"MARLI ELIAS MONTEBELLER propôs AÇÃO DE USUCAPIÃO aduzindo que há mais de 15 anos exerce a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel descrito na inicial, dele utilizando-se como se dona fosse, pugnando, ao final, pela declaração do domínio do imóvel em seu favor.

Citados, os proprietários, os confrontantes e eventuais interessados não se manifestaram no processo (Evento 149).

O Município de Joinville e a União não se opuseram ao pedido formulado (Eventos 60 e 80). O Estado de Santa Catarina, intimado, quedou silente.

Para o Dr. Promotor de Justiça não há razão que justifique a sua intervenção neste processo (Evento 77).

Sobrevieram aos autos declarações de testemunhas (Evento 1, INF7)".

Acresço que o Togado a quo julgou procedente o pedido, por meio da sentença cujo dispositivo segue transcrito:

"À luz do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado nesta AÇÃO DE USUCAPIÃO proposta por MARLI ELIAS MONTEBELLER, declarando, em favor da autora, o direito à propriedade do imóvel descrito no memorial acostado no Evento 5, INF16.

Arcará a autora com o pagamento das despesas processuais, cuja obrigação, entretanto, ficará suspensa na forma do disposto no artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil".

Embargos de declaração (ev. 165 do primeiro grau) foram rejeitados (ev. 168 do primeiro grau).

Irresignado, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA interpõe apelação, na qual alega: a) falta de interesse processual da autora, porque recebeu o imóvel em doação de seus ascendentes, que, por sua vez, compraram a área dos proprietários do imóvel; b) a aquisição não foi originária, cabendo outras medidas para obter a propriedade, não a usucapião; c) falta de desmembramento regular igualmente afasta o interesse processual, pois a usucapião não pode servir a esse propósito; d) ao admitir-se essa tese, afronta-se-ia não apenas a lei de parcelamento urbano, mas também normas municipais de preceitos urbanísticos; e e) recente decisão da Corte Suprema "versa apenas sobre a área, a dimensão do lote, e não sobre outras restrições de cunho ambiental / urbanísticos, pois estes últimos temas não chegaram a ser expressamente enfrentados pelo Supremo na referida decisão" (ev. 174 do primeiro grau).

Intimada (ev. 177 do primeiro grau), a apelada apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença (ev. 179 do primeiro grau), com o que os autos ascenderam a esta Corte para julgamento.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Rogê Macedo Neves, alvitrando o conhecimento e provimento do recurso, seja pela falta de interesse processual da autora, seja porquanto o desmembramento é irregular, resultando infrações à legislação urbanística (ev. 25).

VOTO

1 Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, o reclamo merece ser conhecido, passando-se, desta forma, à respectiva análise.

2 Sustenta o Parquet que falta interesse processual à apelada, haja vista que, como recebeu o imóvel de seus pais, que o adquiriram dos proprietários originários, a aquisição é derivada, não cabendo o ajuizamento da usucapião.

Sem razão.

Basicamente, o recurso parte da premissa equivocada de que os pais da autora teriam adquirido o bem dos proprietários.

Afinal, na verdade, a alienação foi feita por apenas um dos seis proprietários, que receberam o bem em razão do óbito do antigo proprietário - aparentemente o pai deles (ev. 1, inf8, do primeiro grau).

Desse modo, a autora não tinha meios de exigir que os demais proprietários lhe outorgassem a titularidade da coisa, nem de reclamar para que o desmembramento fosse efetivado. Assim, a aquisição da propriedade é originária, não derivada, pois decerto a falta de titulares na alienação feita aos ascendentes da requerente tornou aquele negócio uma venda a non domino.

Não se acolhe a pretensão, no ponto.

3 O Ministério Público sustenta que o pedido de usucapião deve ser julgado improcedente por afrontar disposições legais, ao buscar regularizar loteamento clandestino.

Não se provê o reclamo.

Tem-se, pois, que a documentação carreada aos autos, por si só, dá conta do cumprimento dos requisitos legais necessários à declaração do domínio da área usucapível, consoante previsão do art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil, in verbis:

"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".

O preenchimento dos requisitos legais, aliás, nem sequer é atacado por ocasião do apelo do Parquet. Sua insatisfação em relação ao provimento jurisdicional impugnado concentra-se na eventual possibilidade de a declaração de domínio legitimar parcelamento de imóvel realizado irregularmente e clandestinamente.

Ressalta-se que "restam comprovados os requisitos legais da usucapião extraordinária, quais sejam, o transcurso do prazo prescricional de 15 anos e a posse ininterrupta, mansa e pacífica, imbuída de animus domini. Por outro lado, não incide, no caso, a hipótese proibitiva prevista no artigo 183, § 3º, da Constituição Federal ('os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião'), pois, instados, os entes públicos não se opuseram ao pedido formulado na exordial" (ev. 157 do primeiro grau), como destacado pelo...

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