Acórdão Nº 0308562-80.2018.8.24.0023 do Câmara de Recursos Delegados, 24-11-2021

Número do processo0308562-80.2018.8.24.0023
Data24 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação / Remessa Necessária Nº 0308562-80.2018.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador VOLNEI CELSO TOMAZINI

AGRAVANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA AGRAVADO: KAUE AFONSO KEINER

RELATÓRIO

Estado de Santa Catarina interpôs o presente agravo interno contra a decisão proferida pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, "a" do CPC, negou seguimento ao recurso extraordinário por considerar que o decisum objurgado está em consonância com a posição firmada no bojo de recurso representativo da controvérsia - RE n. 560.900/DF, Tema 22/STF, Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 06-02-2020 - e, quanto ao restante, não o admitiu (Evento 65).

Em suas razões recursais, sustentou o agravante: (i) que houve equívoco de enquadramento, não se subsumindo o caso dos autos ao entendimento firmado no aresto paradigma, na medida em que o que está em debate não é a culpabilidade considerada para eventual nomeação do recorrido, mas sim "o poder geral disciplinar do Executivo que está sendo tolhido [...] pelo Poder Judiciário, que impõe condenação criminal transitada em julgado como requisito de validade ao pronunciamento administrativo"; (ii) que a tese recursal é a de que não se faz necessária a preexistência de condenação criminal para que seja impugnada a moralidade do candidato naquele momento, exceto se a punição administrativa se deu com base na materialidade e autoria dos fatos considerados crimes"; (iii) que "os artigos constitucionais 5º inciso LVII e 2º, pois, estão intimamente entrelaçados: a presunção de inocência criminal não poderia afastar a ausência de presunção de idoneidade moral, de forma a impedir atuação administrativa repelente sobre candidato a cargo público"; (iv) que o requisito da idoneidade moral é previsto nos concursos públicos das polícias civil e militar do Estado, envolvendo milhares de candidatos todos os anos.

Ao final, requereu o provimento do reclamo, "para dar seguimento ao recurso extraordinário interposto" (Evento 71).

No bojo das contrarrazões, a parte agravada manifestou-se pela manutenção do decisum sob impugnação, visto que alinhado à jurisprudência majoritária, pela aplicação da pena por litigância de má-fé ao ente estatal, tendo em vista o caráter meramente protelatório do recurso, e pela a fixação de honorários advocatícios recursais (Evento 76).

À oportunidade do juízo de retratação, o decisum foi confirmado por seus próprios e jurídicos fundamentos, determinando-se a remessa dos autos à Secretaria desta Câmara de Recursos Delegados para oportuna inclusão em pauta, nos termos do art. 77 do novo Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.

É a síntese do essencial.

VOTO

1. O recurso é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

Superado esse introito, procedo à análise das razões declinadas na presente insurgência recursal.

Em apertada síntese, sustenta o agravante que o caso não se enquadra ao que foi decidido no Recurso Extraordinário n. 560.900/DF (Tema 22/STF), eis que a matéria discutida no recurso não é a culpabilidade considerada para eventual nomeação do recorrido, mas sim o poder geral disciplinar do Executivo que está sendo tolhido pelo Poder Judiciário.

Nessa toada, infere que não se faz necessária prévia condenação criminal para que seja impugnada a moralidade do candidato naquele momento, exceto se a punição administrativa se deu com base na materialidade e autoria dos fatos considerados crimes, o que não ocorreu na hipótese.

Malgrado o esforço argumentativo, a tese articulada pela parte agravante não merece prosperar.

De pronto, destaca-se que a questão relativa à "Restrição à participação em concurso público de candidato que responde a processo criminal" foi reconhecida como de repercussão geral e submetida ao microssistema processual de formação de precedente obrigatório, tendo sido objeto de apreciação pelo Pretório Excelso no RE 560.900/DF (Tema 22/STF).

Em 05-02-2020, ao apreciar o leading case (RE 560.900/DF), o Plenário da Corte Suprema, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, firmou a seguinte tese jurídica: "Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal".

Noutra dicção, a teor do precedente obrigatório, pode-se dizer que, em regra, a simples existência de inquéritos ou processos penais em curso não autoriza a eliminação de candidatos em concursos públicos, a qual pressupõe: (i) condenação por órgão colegiado ou definitiva; e (ii) relação de incompatibilidade entre a natureza do crime em questão e as atribuições do cargo concretamente pretendido, a ser demonstrada de forma motivada por decisão da autoridade competente.

Veja-se ementa do acórdão tomado como paradigma:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. IDONEIDADE MORAL DE CANDIDATOS EM CONCURSOS PÚBLICOS. INQUÉRITOS POLICIAIS OU PROCESSOS PENAIS EM CURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. 1. Como regra geral, a simples existência de inquéritos ou processos penais em curso não autoriza a eliminação de candidatos em concursos públicos, o que pressupõe: (i) condenação por órgão colegiado ou definitiva; e (ii) relação de incompatibilidade entre a natureza do crime em questão e as atribuições do cargo concretamente pretendido, a ser demonstrada de forma motivada por decisão da autoridade competente. 2. A lei pode instituir requisitos mais rigorosos para determinados cargos, em razão da relevância das atribuições envolvidas, como é o caso, por exemplo, das carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça e da segurança pública (CRFB/1988, art. 144), sendo vedada, em qualquer caso, a valoração negativa de simples processo em andamento, salvo situações excepcionalíssimas e de indiscutível gravidade. 3. Por se tratar de mudança de jurisprudência, a orientação ora firmada não se aplica a certames já realizados e que não tenham sido objeto de impugnação até a data do presente julgamento. 4. Recurso extraordinário desprovido, com a fixação da seguinte tese de julgamento: "Sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal" (STF, RE 560900, Rel. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 06-02-2020).

Do corpo do voto condutor do precedente obrigatório, transcreve-se o seguinte fragmento, cuja fundamentação encampo como razões de decidir:

[...] 34. Em conclusão, a exclusão de candidatos de concursos públicos, sob o pretexto da análise de vida pregressa ou idoneidade moral, mediante valoração discricionária de investigações ou processos criminais em curso, significa conceder à autoridade administrativa o poder de atribuir efeitos à mera existência de ação penal. Tais efeitos podem, muitas vezes, ser mais nefastos ao réu que a própria pena, abstrata ou concretamente considerada, ou outros efeitos extrapenais da condenação transitada em julgado, fixados somente ao final do contraditório. Ressalte-se: é conferir à banca examinadora, muitas vezes,poder de aplicar sanção maior que a determinada em lei penal.35. Eliminar candidatos a partir de cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, tais como "idoneidade moral", mediante juízo subjetivo de banca examinadora, é incompatível com os princípios republicano, da impessoalidade e da ampla acessibilidade aos cargos públicos, na forma como devem ser pensados no atual contexto brasileiro. Num Estado Democrático de Direito, ninguém, por maior que seja sua retidão de caráter e conduta, está imune a ser investigado e até a responder a uma acusação penal, de modo que a simples existência de inquéritos ou processos não se presta a aferir a idoneidade moral, ao menos para fins de participação num processo seletivo objetivo e republicano, como devem ser os concursos públicos para cargos efetivos. Essa regra somente poderia ser afastada em casos excepcionalíssimos, de indiscutível gravidade (e.g., um candidato preso em flagrante por estupro de vulnerável - CP, art. 217-A - que, durante o curso do processo penal, pretendesse assumir cargo em escola de ensino fundamental).

Na espécie, o órgão julgador originário concluiu que inexistem ações penais, inquéritos policiais...

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