Acórdão Nº 0309195-51.2015.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Civil, 25-01-2022

Número do processo0309195-51.2015.8.24.0038
Data25 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0309195-51.2015.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador SAUL STEIL

APELANTE: CATTONI ADMINISTRACAO DE BENS LTDA APELADO: SERGIO RICARDO TRAUER

RELATÓRIO

SÉRGIO RICARDO TRAUER ajuizou, no Juízo de Direito da 4.ª Vara Cível da comarca de Joinville, ação declaratória de inexistência de ato jurídico (querela nullitatis insanabilis) contra CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA., alegando, em suma, que figurou como réu na ação de despejo c/c cobrança n. 038.04.001176-0, ajuizada pela ora demandada em face do ora demandante e da empresa COMCARGO INTERNACIONAL LTDA.

Argumentou que compôs o polo passivo da ação em razão de ter sido o fiador do ajuste de locação firmado entre CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA. (locadora) e COMCARGO INTERNACIONAL LTDA. (locatária) e que, não obstante a aparente legalidade da demanda, a locatária não foi devidamente citada, o que torna inexistente a sentença lá proferida.

Sustentou que a citação da empresa COMCARGO INTERNACIONAL LTDA., naqueles autos, foi realizada na pessoa de MÁRCIO SCHIER, apontado pela ora ré como representante da pessoa jurídica por força de procuração pública que lhe havia sido outorgada. Disse que, apesar disso, a procuração se encontrava revogada à época da citação, sendo o ato, pois, nulo, contaminando todo o processo, também em relação ao fiador, vez que se tratava de litisconsórcio passivo unitário.

Aduziu que MÁRCIO SCHIER inclusive negou-se a exarar contrafé no mandado de citação, alegando justamente que não era representante da empresa ré, e, apesar disso, a demanda teve seguimento.

Narrou que, ainda na ação de despejo, pretendeu provar a revogação da procuração outorgada a MÁRCIO SCHIER, colacionando-a aos autos em memoriais de julgamento no Tribunal de Justiça, contudo a petição não foi anexada ao processo, razão pela qual a Corte, em exame do recurso de apelação, afastou a tese de nulidade da citação.

Teceu considerações acerca da adequação da querela nullitatis em caso de nulidade de citação, o caráter absoluto da nulidade decorrente da falha no ato de citação e a natureza de ordem pública da matéria debatida no presente processo, e, ao final, pleiteou a procedência do pedido, declarando-se inexistente a sentença exarada na ação de despejo n. 038.04.001176-0.

Juntou documentos (Evento 1, Anexo 2-15 - 1G).

Citada (Evento 19 da origem), a ré CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA. ofereceu contestação (Evento 24 - 1G).

Defendeu, em breve síntese, que a ação declaratória não pode ser capaz de desconstituir decisão transitada em julgado, mormente no caso em apreço, em que a sentença de procedência da ação de despejo foi mantida, mesmo após insurgência dirigida ao Supremo Tribunal Federal.

Alegou que o autor foi validamente citado, tendo sido revel na ação de origem, e que, pelo próprio ajuste de locação, foi constituído também representante da locatária, podendo receber citações em nome dela, a convalidar eventual nulidade do ato.

Disse que o instrumento de revogação do mandato não é prova nova, à medida que já era de conhecimento do demandante à época do prazo para contestar a ação de despejo, e que, portanto, não lhe era dado produzi-la nem na apelação, muito menos neste adiantado momento.

Sustentou, por fim, que a nulidade da citação foi alegada ainda na ação primitiva, havendo sido afastada por acórdão do Tribunal de Justiça, e que a querela nullitatis não se presta a rediscutir matéria já decidida, sobre a qual se operou a coisa julgada.

Requereu o julgamento de improcedência do pedido.

Juntou documentos (Evento 24, Anexos 37-60 - 1G).

Houve réplica (Evento 33 - 1G).

A ré requereu a juntada de prova emprestada (Evento 34 - 1G).

Sobreveio sentença (Evento 37 - 1G), que assim equacionou a lide:

"À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta AÇÃO DECLARATÓRIA proposta por SÉRGIO RICARDO TRAUER contra CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA, declarando a inexistência da sentença proferida nos autos do processo judicial autuado sob o nº 038.04.001176-0, bem como de seus efeitos."Condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes estipulados em 20% do valor atualizado da causa (CPC, art. 85, § 2.º)" (p. 8).

Após o registro da sentença, mas ainda antes de sua intimação, autor e ré discutiram o cabimento da prova emprestada (Eventos 40 e 41 - 1G).

No prazo recursal, a ré apelou (Evento 56 - 1G).

Em síntese, reiterou que a nulidade da citação foi matéria alegada pelo ora autor na ação de despejo, não tendo ele juntado prova da revogação do mandato no momento oportuno, razão por que a questão encontra-se preclusa, após o trânsito em julgado da sentença lá proferida. Reiterou, ainda, que não se trata de documento novo, mas anterior ao próprio prazo para contestação do ora demandante, o qual foi validamente citado, e, devendo ser produzida naqueles autos, não pode ser admitida na presente demanda.

Alegou que a prova emprestada que requereu ao Juízo de origem revela que MÁRCIO SCHIER é e sempre foi preposto da empresa, pois que o depoimento de GILMAR DE OLIVEIRA SILVA, testemunha arrolada pelo requerente SÉRGIO TRAUER na ação de indenização n. 0048514-75.2010.8.24.0038, demonstra que a locatária COMCARGO INTERNACIONAL LTDA. era representada por LEVINO SCHIER e seu filho, MÁRCIO.

Sustentou que o autor, no contrato de locação, também recebeu poderes para representar a locatária, nada tendo deduzido no prazo para contestar, tendo sido revel na ação de despejo.

Aduziu, por fim, que a querela nullitatis é via inadequada para discutir a matéria.

Requereu o provimento do recurso e a reforma da sentença, mediante o julgamento de improcedência dos pedidos.

Foram oferecidas contrarrazões (Evento 61 - 1G).

Os autos foram remetidos à Corte, tendo sido distribuídos à relatoria da Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta (Evento 64 - 1G).

A ré alegou a existência de prova nova (Evento 68 - 1G), ao que o autor respondeu (Evento 71 - 1G).

A Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta reconheceu a sua incompetência para processar e julgar o recurso, determinando a sua redistribuição a este relator (Evento 73 - 1G).

Redistribuídos os autos, determinou-se a expedição de ofício ao Juízo a quo para juntada das cópias integrais da ação de despejo primitiva e da ação que com ela tramitou conexa (Evento 50 - 2G), o que foi cumprido (Eventos 63 a 76 - 2G).

A ré peticionou (Evento 85 - 2G), reiterando as teses vertidas no apelo e, no mais, alegando a nulidade da sentença combatida por violação do juiz natural.

As partes foram intimadas para se manifestarem acerca da necessidade de formação de litisconsórcio passivo in casu, com a inclusão da locatária nos autos (Evento 87 - 2G).

No prazo que havia sido assinalado às partes, a locatária COMCARGO INTERNACIONAL LTDA. manifestou-se, requerendo sua inclusão no polo passivo da ação (Eventos 94 e 97 - 2G).

Houve manifestação pela ré CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA., em que noticiou que procuração recentemente outorgada pela COMCARGO foi firmada justamente por MÁRCIO SCHIER (Evento 98 - 2G).

Intimadas, as demais partes se manifestaram (Eventos 109 e 112 - 2G), tendo a ré CATTONI peticionado em sequência (Evento 116 - 2G).

Foi reconhecida a conexão do presente feito com a ação indenizatória n. 0048514-75.2010.8.24.0038 (Evento 122 - 2G), com posterior manifestação pelas partes (Eventos 125, 129 e 131 - 2G).

O autor requereu a concessão de tutela provisória de urgência, a fim de que fosse determinada a suspensão dos autos da fase de cumprimento de sentença n. 5002847-68.2016.8.24.0038 (Evento 158 - 2G).

Remetidos os autos ao núcleo de conciliação do Tribunal, a proposta de acordo não foi exitosa (Evento 169 - 2G).

Os autos retornaram conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso atende aos requisitos de admissibilidade e dele conheço.

Trata-se de querela nullitatis insanabilis, na qual o autor sustenta que a citação de sua corré em anterior ação de despejo c/c cobrança foi nula e, assim, que é inexistente a sentença de procedência lançada naqueles autos.

A sentença, como visto, acolheu o pedido inicial e declarou inexistente a decisão proferida na ação desalijatória, tendo reconhecido a nulidade da citação da empresa COMCARGO INTERNACIONAL LTDA., que lá figurava como ré diante de sua condição de locatária no contrato de locação firmado com a ora ré CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA., e no qual o ora autor SÉRGIO RICARDO TRAUER figurou na posição de fiador.

Irresignada, a ora requerida CATTONI ADMINISTRAÇÃO DE BENS LTDA. interpôs o presente recurso de apelação, em parte reiterando as teses vertidas em contestação, em parte exigindo a apreciação de prova emprestada obtida em ação de indenização aforada para a recuperação dos pretensos danos ocasionados ao bem locado.

Após a interposição do recurso, a ré ainda peticionou nos autos, para, a par de reforçar as razões recursais, alegar a nulidade da sentença recorrida em razão de suposta violação ao juiz natural.

Passo, pois, a apreciar o reclamo, bem ainda a alegação superveniente.



1. Da nulidade da sentença por ofensa ao princípio do juiz natural

Quanto à suscitada nulidade da sentença por ofensa ao juiz natural, vez que o magistrado prolator da decisão combatida não é aquele que oficiava perante o Juízo da 4.ª Vara Cível da comarca de Joinville, adianto que a alegação não procede.

Como reconhece a própria requerida, o juiz sentenciante foi designado para atuar no foro de origem por força de portaria exarada pelo Tribunal (Evento 85, Anexo 2; Portaria GP n. 533/2016), de sorte que não se pode concluir por ofensa ao princípio do juiz natural.

Recordo, por oportuno, que o juiz natural não se impõe sobre a pessoa do magistrado que oficia diante de determinada unidade judiciária, antes sim sobre o próprio órgão competente para a apreciação da demanda. Trata-se, em realidade, de uma garantia de que o processo será submetido à análise de autoridade estabelecida previamente ao ajuizamento da ação, não sendo admitida a instauração de um juízo ou tribunal de exceção...

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