Acórdão Nº 0309341-77.2016.8.24.0064 do Quinta Câmara de Direito Público, 02-08-2022

Número do processo0309341-77.2016.8.24.0064
Data02 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0309341-77.2016.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: PAULO SERGIO PEREIRA (AUTOR) APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Por sentença havida na Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José, o pedido de proteção acidentária formulado por Paulo Sérgio Pereira foi julgado improcedente, revogando-se a tutela provisória.

As partes recorrem.

O segurado refuta a conclusão da sentença e do laudo pericial por estarem em total desacordo com os atestados médicos particulares. Aponta que os exames e documentos médicos anexados demonstram de forma indiscutível a incapacidade. Entende que "não há como apontar que não há incapacidade laboral, muito menos julgar tal redução laborativa por apenas um número de benefício/patologia, sendo que houve o preenchimento de todos os requisitos para a concessão de referido benefício no decorrer da ação judicial".

Destaca, ainda, que a gravidade do quadro clínico restou clara pelo fato de o perito judicial ter recomendado a inativação por determinado período - o que nem sequer foi objeto de apreciação pelo juízo. Expõe que o juiz não é refém da prova técnica oficial (art. 479 do CPC).

Também sustenta que, diante da contradição entre os documentos médicos particulares e a perícia judicial, imperiosa a realização de nova prova técnica.

Já a autarquia defende que a parte responde pelos prejuízos ocasionados ao litigante contra quem teve deferida tutela provisória (art. 302 do CPC) quando a sentença ao final lhe for desfavorável. Invoca também como fundamento para repetição o dano ao sistema de Previdência, aludindo ainda à irreversibilidade da medida caso a devolução fique restrita à existência de benefício ativo.

Alerta que a parte deve estar ciente de que, precário o provimento, estará eventualmente sujeita ao ressarcimento. Diz que a lei previdenciária não obsta a devolução de valores, mas apenas impõe limites à forma como ocorrerá. Complementa adiante que o Código Civil traz disposições aplicáveis ao caso, no tocante à vedação do enriquecimento sem causa (art. 876 e art. 884).

Vieram contrarrazões.

Suspendi o processo em razão da ordem de sobrestamento dada pelo STJ por conta do Tema 692.

VOTO

1. O auxílio-doença é benefício de índole provisória e ampara o segurado que, em face de alguma doença ou lesão, não possui condições de continuar a exercer sua atividade laboral habitual por determinado período, consoante previsão constante no art. 59 da Lei 8.213/91 e 71 do Decreto 3.048/99.

O natural é a sua cassação em espaço breve pela superação dos males de saúde, pelo recrudescimento das lesões (tornando a inaptidão definitiva, de maneira a ser concedida a aposentadoria) ou pela consolidação dos danos em caráter parcial (deferindo-se o auxílio-acidente). Excepcionalmente, é claro, o auxílio-doença pode perdurar, até mesmo para eventual reabilitação profissional ou ainda, poderá ser sucedido por outro benefício (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez).

2. A prova pericial foi precisa ao consignar que, por conta da moléstia que acomete o autor (transtorno depressivo recorrente), esteve incapacitado pelo período de fevereiro de 2016 até fevereiro de 2017, mas que, desde então, se encontra em remissão, sem nenhuma limitação ou incapacidade laboral:

B) Conclusões: .

Documentos médicos: fevereiro, abril, maio, julho, agosto e setembro de 2016 e fevereiro de 2017: F32.2, F41.2, F41.0.Não há incapacidade laboral. O periciando é portador de Transtorno Depressivo Recorrente, atualmente em remissão (CID 10 F33.4). A DID referida é há 11 anos (para patologias psiquiátricas, a DID em geral não pode ser comprovada, devido à demora usual entre o início da doença e a procura por assistência médica). Houve incapacidade de fevereiro de 2016 a final de fevereiro de 2017.O tratamento é medicamentoso, não sendo necessário cirurgia ou transfusão. Nega ter passado por reabilitação/readaptação profissional. Não necessita acompanhamento ou auxílio permanente de terceiros para a realização das tarefas da vida cotidiana, tais como alimentar-se, higienizar-se ou vestir-se.Não há limitação com enquadramento no Anexo I do Decreto nº 3.048/99.Não existe incapacidade para atos da vida civil.Não há patologia considerada alienação mental.Não há elementos para concluir pela existência de doença do trabalho.Não há elementos para concluir pela existência de doença profissional.Não há elementos para concluir pela existência de doença causada por acidente de trabalho típico.Não há elementos para concluir pela existência de doença causada por acidente de qualquer natureza.

(evento 73)

O laudo foi preciso ao delimitar a extensão e a duração da incapacidade do segurado: (a) a incapacidade teve início em 10 de fevereiro de 2016, quando o autor sofreu uma síndrome de burnout, oportunidade em que, inclusive, se emitiu a comunicação de acidente trabalho (evento 1, outros 8) e (b) cerca de um ano depois, após as medicações e o tratamento psiquiátrico, o quadro clínico se consolidou, de modo que não mais interferiu em sua rotina laboral.

Destaco, aliás, que a conclusão do laudo está em consonância com a documentação apresentada pelo segurado, visto que seu médico particular consignou que a necessidade de inativação se deu no período acima indicado (evento 1, outros 6).

Quer dizer, por conta do período em que o autor esteve temporariamente incapacitado para exercer sua função, de 10 de fevereiro de 2016 até 10 de fevereiro de 2017, entendo que o auxílio-doença é mesmo devido.

No que diz respeito à prorrogação do benefício ou de sua conversão em auxílio-acidente, pelo exposto, sem indícios de limitação funcional, não há razão para conceder a mercê indenizatória.

3. Não sensibiliza a argumentação no sentido de que se deve determinar nova perícia.

O estudo sob o crivo do juízo é suficientemente detalhado quanto à patologia e eloquente quanto à ausência de incapacidade laborativa atualmente - ressalvada a incapacidade concernente ao período já mencionado. A justificativa das conclusões alcançadas pelo louvado partiram primeiramente de um detalhamento acerca do histórico clínico, dos exames e documentos apresentados.

Enfim, tudo foi objeto de ponderação e foi respondido nos termos do convencimento do expert.

Se de um lado o segurado discorda do fato de ter sido dado prevalência ao exame pericial em juízo em face dos exames e laudos particulares, de outro nem sequer particulariza vícios ou imprecisões no laudo que pudessem alçá-lo à prova meramente coadjuvante ou mesmo imprestável frente a outros elementos de convicção. Na verdade, o autor manifesta tão somente seu descontentamento com a conclusão do perito judicial - e com a adoção, claro, pelo magistrado. Só que isso não serve para desqualificar o diagnóstico de profissional equidistante, especialmente convocado para apresentar ponto de vista alinhado às demandas suscitadas neste tipo de processo. Em outras palavras, frente a estudo formalmente perfeito e confeccionado com o objetivo específico de analisar a repercussão da doença sobre o trabalho habitual, não é suficiente a mera alegação de posições médicas em sentido oposto.

O que se verifica, em termos práticos, é um inconformismo do acionante com as conclusões do expert, que lhe foram, em parte, desfavoráveis. A pretensão é estereotipada e sobre ela não se revela nenhuma alegação que justifique a anulação da sentença.

A perícia, bem verdade, não vincula o magistrado quanto às suas conclusões fáticas. Só que muito menos se pode meramente desconsiderá-la. Ainda que o juiz fosse versado na mesma ciência do perito, não poderia se substituir a ele. Sua missão é apreciar valorativamente o laudo, pesar as demais provas, medir o enquadramento jurídico, refletir sobre o fato e o direito simultaneamente.

Enfim, não se nega que haja direito à prova; mas não há prerrogativa cogente de a parte ver atendidos seus pleitos de instrução. As provas devem ser necessárias e úteis. Se é verdade que não cabe ao juízo, muitos menos, um poder discricionário de veto à instrução, cabe-lhe, no entanto, rejeitar postulações impertinentes (art. 370 do NCPC) - aqui, nos dizeres do apelante, a prova pericial não valorou corretamente os documentos particulares, mas, como dito, é possível se admitir que tudo o que contêm no processo é suficiente para se firmar convicção segura.

4. O demandante, então, fará jus ao auxílio-doença de 10 de fevereiro de 2016 até 10 de fevereiro de 2017, alertando-se ainda quanto a viabilidade do encontro de contas em razão das parcelas adiantadas pela tutela provisória.

A estipulação desse marco final, insisto, atende ainda às particularidades da própria moléstia, que, se ao menos tinha uma parcial relação causal com o trabalho, ostenta natureza temporária e já se encontra estabilizada.

5. Relativamente aos encargos, deve ser levada em conta a Emenda Constitucional 113, a qual, promulgada em dezembro de 2021, contou com esta disposição a respeito dos encargos de mora aplicáveis às condenações envolvendo a Fazenda Pública:

Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

De fato, pela superveniência da regra constitucional, de eficácia plena, deve-se determinar realmente a adoção da referida taxa (Selic) a partir do novo marco, mas evidentemente se ressalvando o período anterior, que...

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