Acórdão Nº 0309433-56.2017.8.24.0020 do Segunda Câmara de Direito Público, 02-08-2022
Número do processo | 0309433-56.2017.8.24.0020 |
Data | 02 Agosto 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Segunda Câmara de Direito Público |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 0309433-56.2017.8.24.0020/SC
RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
APELANTE: PORTAL ADMINISTRACAO DE BENS E IMOVEIS LTDA. APELANTE: HENRIQUE SALVARO APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda. contra a sentença proferida na ação de reparação civil proposta pelo Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, que julgou procedente o pedido inicial condenando a ré ao pagamento de R$ 378.708,11 (trezentos e setenta e oito mil, setecentos e oito reais e onze centavos) a título de indenização por danos materiais, acrescidos de juros moratórios e de correção monetária desde evento danoso, como também extinguiu a reconvenção, com resolução do mérito, por força da coisa julgada (evento 200).
Nas suas razões, em preliminar, alegou a carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam e impossibilidade jurídica do pedido, além da inépcia da petição inicial.
No mérito, aduziu que o Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA invadiu, sponte propria, a sua propriedade para executar as obras civis de implantação e pavimentação do acesso viário da Rodovia SC-446 à Rodovia BR-101.
Afirmou que a incursão foi ilegal e ilegítima, seja porque em nenhum momento autorizou a realização da empreitada no seu imóvel, seja porque a imissão provisória na posse do bem foi indeferida na ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020.
Asseverou que, fazendo face à injusta agressão, agiu no sentido de retirar todos os materiais depositados no seu imóvel e de impedir as obras civis, o que fez em desforço imediato e no exercício da legítima defesa da posse, na forma do art. 1.210, § 1º, do Código Civil.
Argumentou que não praticou nenhum ato ilícito gerador da obrigação de indenizar os danos materiais suportados pelo Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, mas sim ato lícito baseado no exercício regular do direito à posse e à propriedade, mormente considerando que seus atos não desbordaram da razoabilidade e nem da proporcionalidade.
Defendeu que a reconvenção deve ser acolhida, pois o laudo pericial produzido na conexa ação de produção antecipada de provas n.º 0301660-62.2014.8.24.0020 foi conclusivo no sentido de que a desapropriação importou a perda da frente comercial do imóvel, razão pela qual faz jus à indenização no valor de R$ 1.175.00,00 (um milhão e cento e setenta e cinco mil reais).
Sustentou que este prejuízo não foi objeto da ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020, de modo que não se cogita de coisa julgada, conforme decidido na sentença recorrida.
Observou que os honorários advocatícios da ação principal e da demanda secundária devem ser arbitrados conjuntamente, não podendo superar os 20% (vinte por cento) previstos no art. 85, § 2º, do CPC/15.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso (evento 82).
O Estado de Santa Catarina apresentou contrarrazões (evento 92).
Os autos subiram ao Tribunal de Justiça, vindo a mim conclusos (evento 6).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Monika Pabst, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 16).
É o relatório.
VOTO
1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento.
2. Da ação de reparação civil:
Cuida-se de ação de reparação civil proposta pelo Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA contra Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda., alegando que: (a) por intermédio do Decreto Executivo n.º 1.557/13, o Governador do Estado de Santa Catarina declarou a utilidade pública da propriedade da ré, para fins de desapropriação, visando a execução das obras civis de implantação e pavimentação do acesso viário da Rodovia SC-446 à Rodovia BR-101; (b) ajuizou a ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020, porém a imissão provisória da posse foi indeferida à míngua do depósito prévio no valor de R$ 2.740.108,80, por ausência do repasse de verbas para tanto; (c) diante da urgência, entrou em contato com a empresa e, em julho de 2014, acordaram o imediato início da empreitada; (d) antes mesmo da formalização do acordo e a sua homologação em juízo, imitiu-se na posse do bem, dando início às obras civis; (e) nada obstante isto, no dia 9.9.14, o titular da empresa Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda., Henrique Salvaro, de forma arbitrária e injustificada, destruiu tudo quanto havia sido construído até então, tais como os serviços de escavação e de terraplenagem, além das muros de contenção e de drenagem; (f) a liquidação dos prejuízos foi levada a efeito na ação de produção antecipada de provas n.º 0301660-62.2014.8.24.0020, tendo o perito judicial orçado o prejuízo em R$ 378.708,11 (trezentos e setenta e oito mil, setecentos e oito reais e onze centavos), daí o pedido de indenização por danos materiais (evento 1).
Na sua contestação, Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda. sustentou que não autorizou a imissão do autor na posse do seu imóvel e que a invasão caracterizou turbação, razão pela qual o desfazimento dos serviços e a destruição das obras foi levada a efeito por desforço imediato e em legítima defesa da posse, cuidando-se, pois, de exercício regular de um direito e, assim, de ato lícito.
Ademais, intentou reconvenção, objetivando a compensação do prejuízo havido com a perda da face comercial do imóvel, no valor de R$ 1.175.000,00 (um milhão e cento e setenta e cinco mil reais), o que não foi objeto de compensação na ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020 (evento 14).
De um lado, a sentença julgou procedente o pedido na ação principal, sob o fundamento de que, ainda que inexistente autorização particular ou decisão judicial corroborando a imissão provisória na posse do bem, diante da declaração de utilidade pública do imóvel a primazia do interesse público sobre o privado impunha que Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda. se quedasse aos atos expropriatórios do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, mormente considerando que a legítima defesa da posse é inoponível à desapropriação por utilidade pública e que o tempo decorrido entre a tomada da posse, em julho de 2014, e os atos de oposição, em setembro de 2014, descaracterizou o desforço imediato e a legítima defesa da posse.
Lado outro, extinguiu a reconvenção em virtude da coisa julgada, pois a pretensão de compensação do prejuízo havido com perda da face comercial do imóvel já foi decidida por sentença transitada em julgado na ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020 (evento 77).
A celeuma recursal está na licitude ou não da tomada de posse do imóvel por parte do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, bem como da oposição de Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda.
Antes de tudo, frise-se que os argumentos em torno da carência de ação e da inépcia da petição inicial na verdade dizem com a pretensão deduzida em juízo e, assim, com o mérito do processo, não havendo, pois, preliminares a resolver.
Pois bem.
Quanto à tomada da posse do imóvel por parte do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, tem-se que realmente constituiu ato ilícito.
Em primeiro lugar, a declaração de utilidade pública vertida no Decreto n.º 1.557, de 21.5.13, não autorizava a medida (evento 1, doc. INF41).
A declaração de utilidade pública cinge-se a reconhecer o interesse público sobre o imóvel privado, cuidando-se de uma manifestação da intenção de desapropriar, todavia não operando desde logo e nem de pleno direito a perda da posse e nem da propriedade por parte do proprietário.
A propósito, Hely Lopes Meirelles leciona:
"Os efeitos da declaração expropriatória não se confundem com os da desapropriação em si mesma. A declaração de utilidade pública ou de interesse social é apenas ato-condição que precede a efetivação da transferência do bem para o domínio do expropriante. Só se...
RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
APELANTE: PORTAL ADMINISTRACAO DE BENS E IMOVEIS LTDA. APELANTE: HENRIQUE SALVARO APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda. contra a sentença proferida na ação de reparação civil proposta pelo Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, que julgou procedente o pedido inicial condenando a ré ao pagamento de R$ 378.708,11 (trezentos e setenta e oito mil, setecentos e oito reais e onze centavos) a título de indenização por danos materiais, acrescidos de juros moratórios e de correção monetária desde evento danoso, como também extinguiu a reconvenção, com resolução do mérito, por força da coisa julgada (evento 200).
Nas suas razões, em preliminar, alegou a carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam e impossibilidade jurídica do pedido, além da inépcia da petição inicial.
No mérito, aduziu que o Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA invadiu, sponte propria, a sua propriedade para executar as obras civis de implantação e pavimentação do acesso viário da Rodovia SC-446 à Rodovia BR-101.
Afirmou que a incursão foi ilegal e ilegítima, seja porque em nenhum momento autorizou a realização da empreitada no seu imóvel, seja porque a imissão provisória na posse do bem foi indeferida na ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020.
Asseverou que, fazendo face à injusta agressão, agiu no sentido de retirar todos os materiais depositados no seu imóvel e de impedir as obras civis, o que fez em desforço imediato e no exercício da legítima defesa da posse, na forma do art. 1.210, § 1º, do Código Civil.
Argumentou que não praticou nenhum ato ilícito gerador da obrigação de indenizar os danos materiais suportados pelo Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, mas sim ato lícito baseado no exercício regular do direito à posse e à propriedade, mormente considerando que seus atos não desbordaram da razoabilidade e nem da proporcionalidade.
Defendeu que a reconvenção deve ser acolhida, pois o laudo pericial produzido na conexa ação de produção antecipada de provas n.º 0301660-62.2014.8.24.0020 foi conclusivo no sentido de que a desapropriação importou a perda da frente comercial do imóvel, razão pela qual faz jus à indenização no valor de R$ 1.175.00,00 (um milhão e cento e setenta e cinco mil reais).
Sustentou que este prejuízo não foi objeto da ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020, de modo que não se cogita de coisa julgada, conforme decidido na sentença recorrida.
Observou que os honorários advocatícios da ação principal e da demanda secundária devem ser arbitrados conjuntamente, não podendo superar os 20% (vinte por cento) previstos no art. 85, § 2º, do CPC/15.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso (evento 82).
O Estado de Santa Catarina apresentou contrarrazões (evento 92).
Os autos subiram ao Tribunal de Justiça, vindo a mim conclusos (evento 6).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Monika Pabst, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 16).
É o relatório.
VOTO
1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento.
2. Da ação de reparação civil:
Cuida-se de ação de reparação civil proposta pelo Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA contra Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda., alegando que: (a) por intermédio do Decreto Executivo n.º 1.557/13, o Governador do Estado de Santa Catarina declarou a utilidade pública da propriedade da ré, para fins de desapropriação, visando a execução das obras civis de implantação e pavimentação do acesso viário da Rodovia SC-446 à Rodovia BR-101; (b) ajuizou a ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020, porém a imissão provisória da posse foi indeferida à míngua do depósito prévio no valor de R$ 2.740.108,80, por ausência do repasse de verbas para tanto; (c) diante da urgência, entrou em contato com a empresa e, em julho de 2014, acordaram o imediato início da empreitada; (d) antes mesmo da formalização do acordo e a sua homologação em juízo, imitiu-se na posse do bem, dando início às obras civis; (e) nada obstante isto, no dia 9.9.14, o titular da empresa Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda., Henrique Salvaro, de forma arbitrária e injustificada, destruiu tudo quanto havia sido construído até então, tais como os serviços de escavação e de terraplenagem, além das muros de contenção e de drenagem; (f) a liquidação dos prejuízos foi levada a efeito na ação de produção antecipada de provas n.º 0301660-62.2014.8.24.0020, tendo o perito judicial orçado o prejuízo em R$ 378.708,11 (trezentos e setenta e oito mil, setecentos e oito reais e onze centavos), daí o pedido de indenização por danos materiais (evento 1).
Na sua contestação, Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda. sustentou que não autorizou a imissão do autor na posse do seu imóvel e que a invasão caracterizou turbação, razão pela qual o desfazimento dos serviços e a destruição das obras foi levada a efeito por desforço imediato e em legítima defesa da posse, cuidando-se, pois, de exercício regular de um direito e, assim, de ato lícito.
Ademais, intentou reconvenção, objetivando a compensação do prejuízo havido com a perda da face comercial do imóvel, no valor de R$ 1.175.000,00 (um milhão e cento e setenta e cinco mil reais), o que não foi objeto de compensação na ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020 (evento 14).
De um lado, a sentença julgou procedente o pedido na ação principal, sob o fundamento de que, ainda que inexistente autorização particular ou decisão judicial corroborando a imissão provisória na posse do bem, diante da declaração de utilidade pública do imóvel a primazia do interesse público sobre o privado impunha que Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda. se quedasse aos atos expropriatórios do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, mormente considerando que a legítima defesa da posse é inoponível à desapropriação por utilidade pública e que o tempo decorrido entre a tomada da posse, em julho de 2014, e os atos de oposição, em setembro de 2014, descaracterizou o desforço imediato e a legítima defesa da posse.
Lado outro, extinguiu a reconvenção em virtude da coisa julgada, pois a pretensão de compensação do prejuízo havido com perda da face comercial do imóvel já foi decidida por sentença transitada em julgado na ação de desapropriação direta n.º 0601272-86.2014.8.24.0020 (evento 77).
A celeuma recursal está na licitude ou não da tomada de posse do imóvel por parte do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, bem como da oposição de Portal Administração de Bens e Imóveis Ltda.
Antes de tudo, frise-se que os argumentos em torno da carência de ação e da inépcia da petição inicial na verdade dizem com a pretensão deduzida em juízo e, assim, com o mérito do processo, não havendo, pois, preliminares a resolver.
Pois bem.
Quanto à tomada da posse do imóvel por parte do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, tem-se que realmente constituiu ato ilícito.
Em primeiro lugar, a declaração de utilidade pública vertida no Decreto n.º 1.557, de 21.5.13, não autorizava a medida (evento 1, doc. INF41).
A declaração de utilidade pública cinge-se a reconhecer o interesse público sobre o imóvel privado, cuidando-se de uma manifestação da intenção de desapropriar, todavia não operando desde logo e nem de pleno direito a perda da posse e nem da propriedade por parte do proprietário.
A propósito, Hely Lopes Meirelles leciona:
"Os efeitos da declaração expropriatória não se confundem com os da desapropriação em si mesma. A declaração de utilidade pública ou de interesse social é apenas ato-condição que precede a efetivação da transferência do bem para o domínio do expropriante. Só se...
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