Acórdão Nº 0309941-30.2018.8.24.0064 do Terceira Câmara de Direito Civil, 04-12-2020

Número do processo0309941-30.2018.8.24.0064
Data04 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0309941-30.2018.8.24.0064/SC



RELATOR: Desembargador MARCUS TULIO SARTORATO


APELANTE: LIGIA MARIA GOULART (AUTOR) APELANTE: AGEMED SAUDE S/A (RÉU) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Adota-se o relatório da sentença recorrida que é visualizado no Evento 29, por revelar com transparência o que existe nestes autos, in verbis:
Trata-se de "Ação de Obrigação de Fazer cumulado com Pedido de Tutela de Urgência ou Evidência e Reparação de Danos" proposta por Lígia Maria Goulart em face de Agemed Saúde S/A, alegando que, em 05 de janeiro de 2017, realizou uma cirurgia bariátrica, a qual fora autorizada e custeada pelo plano de saúde fornecido pela ré. Aduz que, diante da redução brusca de peso, teve acúmulo de pele e perda de massa mamária, sendo necessária a realização de dermolipectomia abdominal e reconstrução da mama com prótese/expansor. Afirma, entretanto, que o procedimento de reconstrução da mama fora negado pela requerida, ao argumento de que não foram atendidas diretrizes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Assim, requer seja a ré compelida a autorizar a realização e o custeio do procedimento, bem como seja condenada ao pagamento de indenização a título de danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Com a inicial, juntou procuração e documentos de fls. 16/36.
Às fls. 37/42, foi indeferido o pedido de concessão de tutela provisória, porquanto não preenchidos os pressupostos autorizadores do artigo 300 do Código de Processo Civil.
Em seguida, a autora informou a interposição de recurso de agravo de instrumento (fls. 52/65), ao qual fora, posteriormente, negado provimento pelo egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina (fls. 151/156 dos autos em apenso).
Devidamente citada, a requerida apresentou contestação às fls. 126/144, na qual impugnou a concessão da gratuidade da justiça à autora e, no mérito, previstas no rol de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que os procedimentos pretendidos possuem finalidade meramente estética.
Em réplica (fls. 192/204), a autora refutou os argumentos expendidos pela ré e pugnou pela procedência dos pedidos formulados na exordial.
Intimadas para especificarem as provas que pretendiam produzir, as partes informaram não ter interesse no prosseguimento de instrução probatória (fls. 210/211 e 212/216).
Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Decido.
A MM.ª Juíza Substituta da 2ª Vara Cível da Comarca de São José, Dr.ª Tiane Lohn Mariot, decidiu a lide nos seguintes termos (Evento 29):
Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por Lígia Maria Goulart em face de Agemed Saúde S/A, para:
a) condenar a requerida a autorizar e custear as despesas decorrentes do procedimento de reconstrução da mama com prótese e/ou expansor, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) em favor da autora, forte nos artigos 536 e 537 do Código de Processo Civil, a contar da efetivação da intimação, sem prejuízo de majoração em caso de descumprimento;
b) condenar a requerida ao pagamento indenização a título de danos morais, no importe de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), o qual deve ser acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data da citação (artigo 405 do CC), e correção monetária, pelo INPC, contada da data da prolação da sentença.
Ante a sucumbência, CONDENO a requerida ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquive-se.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação (Evento 35), no qual sustenta, em síntese, que: a) na hipótese dos autos, busca a autora, ora apelada, a autorização de tratamento com finalidade estética; b) a legislação pátria a tratar do assunto (Lei Federal n. 9.656/98) é clara no sentido de permitir à operadora que não cubra tais procedimentos; c) custeio de eventos indevidos onera os serviços prestados e, por conseguinte, prejudica os demais consumidores; d) o princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos veda a possibilidade de revisão e, neste particular, há exclusão expressa de cobertura no que tange a tratamentos com finalidade estética no negócio pactuado entre as partes; e) o dever de disponibilizar tratamentos de saúde ilimitadamente é do Estado, cabendo à operadora de plano de saúde apenas o cumprimento do contrato celebrado, nos termos autorizados pela Lei e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); f) não há prejuízo moral a ser reparado.
Em contrarrazões (Evento 39), a autora pugna pelo desprovimento do recurso. Concomitantemente, interpôs recurso adesivo (Evento 40), no qual busca a reforma da sentença, a fim de que seja majorado o valor da indenização por danos morais ao patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Contrarrazões da ré, na qual requer o desprovimento do recurso adesivo interposto pela parte adversa (Evento 50)

VOTO


1. A relação existente entre as partes é de consumo. Isso porque elas se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, estatuídos nos arts. e do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, devendo o presente caso, por essa razão, ser analisado sob a ótica da legislação consumerista.
Ada Pellegrini Grinover, citando Zelmo Denari, afirma que "a colocação de bens ou serviços no mercado de consumo a cargo dos fornecedores in genere suscita, em contrapartida, a relação de responsabilidade, decorrente do inadimplemento de obrigação contratual (responsabilidade contratual) ou da violação de direitos tutelados pela ordem jurídica de consumo (responsabilidade extracontratual) [...] Código pretende alcançar todos os partícipes do ciclo produtivo-distributivo, vale dizer, todos aqueles que desenvolvem as atividades descritas no art. 3º do CDC" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 1997, 5ª ed., p. 138).
Nelson Nery Júnior, por sua vez, é categórico ao afirmar que "a relação jurídica de consumo se verifica entre o fornecedor e o consumidor, que dela são sujeitos. As partes devem, portanto, suportar os ônus e obrigações decorrentes do contrato de consumo, incluído entre elas o dever de indenizar" (op. cit., p. 410).
A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde, aliás, é questão velha e bem pacificada na jurisprudência, tendo sido, inclusive, objeto de súmula no âmbito do STJ, in verbis: "[a]plica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde" (Enunciado n. 469).
De igual modo, aplicam-se à espécie as disposições previstas na Lei 9.656/98, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde. Apesar da literalidade do art. 35-G dessa legislação ("[a]plicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei nº 8.078, de 1990"), a aplicação desses dois diplomas legais - CDC e Lei 9.656/98 - deve se dar, na verdade, de forma complementar, e não com a simples aplicação subsidiária do CDC, como bem observa Bruno Miragem:
[...] Essa redação, como bem aponta a doutrina especializada, não parece ser dogmaticamente correta. Não há se falar de aplicação subsidiária, senão complementar entre as duas lei. Em outros termos: O CDC não deve ser aplicado apenas quando a Lei 9.656/98 não disponha sobre o tema em específico, senão que devem ambas as lei guardar coerência lógica, orientada pela finalidade de proteção do consumidor dos planos de assistência à saúde. (Curso de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 422).
Na presente quaestio, a ré intenta a reforma da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados pela autora, sustentando, em linhas gerais, que o procedimento em questão é meramente estético e, portanto, uma vez que tem proibição expressa no contrato de plano de saúde, bem como não constava no rol de procedimentos e eventos em saúde estabelecido pela ANS, deve ser afastada a sua obrigação de autorizar e custear a cirurgia de reconstrução da mama com prótese e/ou expansor.
Não se olvida que "[e]stão excluídos da cobertura dos planos de saúde os tratamentos com finalidade puramente estética (art. 10, II, da Lei nº 9.656/1998), quer dizer, de preocupação exclusiva do paciente com o seu embelezamento físico, a exemplo daqueles que não visam à restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita (art. 20, § 1º, II, da RN/ANS nº 428/2017)" (STJ, REsp 1757938/DF, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 5-2-2019).
Ocorre que, no caso dos autos, não se trata de procedimento meramente estético, mas de cirurgia plástica com caráter reparador/funcional, conforme bem observado pelo Juízo a quo: "[a]s cirurgias plásticas pós-bariátricas, de outra banda, possuem caráter funcional e reparador, uma vez que se destinam a corrigir as lesões deformantes causadas pelo excesso de pele, evitando complicações de saúde e, ainda, solucionando os abalos psicológicos sofridos pelo pacientesegurado" (Evento 29, fl. 04).
Desta forma, considerando que a relação formalizada entre as partes é protegida pela lei consumerista, tem-se que a irresignação da ré não merece prosperar pois, conforme entendimento adotado por esta Egrégia Corte Catarinense de Justiça: "'Havendo indicação médica para cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional em paciente pós-cirurgia bariátrica, não cabe à operadora negar a cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado, ou que não teria previsão contratual, visto que tal terapêutica é fundamental à recuperação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT