Acórdão Nº 0310365-24.2016.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Público, 18-10-2022

Número do processo0310365-24.2016.8.24.0038
Data18 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0310365-24.2016.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU) APELADO: JOSE ORLANDO DA SILVA CACHOEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Joinville, José Orlando da Silva Cachoeira ajuizou ação acidentária contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sustentando que, em acidente de trabalho ocorrido em 04.04.2014, sofreu uma queda que lhe ocasionou grave lesão na coluna; que, em face da lesão, o INSS implantou o benefício de auxílio-doença por certo período, cessando seus efeitos em 31.03.2015; que, todavia, em decorrência da lesão suportada, encontra-se incapacitado para o exercício de suas funções, razão pela qual requereu a concessão do benefício auxílio-acidente. Alternativamente pleiteou pelo restabelecimento do auxílio-doença.

Foi deferida a tutela antecipada para implantação do benefício de auxílio-doença.

Citado, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contestou sustentando que não é devido qualquer benefício porque, de acordo com a perícia técnica, o autor não está incapacitado temporária ou definitivamente para o trabalho; que o benefício acidentário somente será devido se a perícia médica constatar a redução da capacidade laborativa do segurado.

Os argumentos expendidos na contestação foram impugnados.

Foi deferida a realização de prova pericial e nomeado o perito. O laudo foi juntado e as partes sobre ele se manifestaram.

A tutela antecipada foi revogada.

Sentenciando, o digno Magistrado julgou improcedente o pedido formulado na inicial.

O INSS apelou sustentando que, em face da improcedência do pedido do autor, deve ser restituído à autarquia o valor do auxílio-doença pago em cumprimento da antecipação de tutela.

Após fluir 'in albis' o prazo para o oferecimento das contrarrazões, os autos vieram conclusos.

VOTO

Sustenta o INSS que, em face da improcedência do pedido formulado na inicial da ação acidentária, a antecipação provisória dos efeitos da tutela, agora revogada, acarretou prejuízo aos cofres da previdência, de modo que os valores percebidos provisoriamente pelo segurado devem ser restituídos.

Com razão o instituto apelante, no que tange ao seu direito à devolução dos valores pagos por força da antecipação de tutela depois revogada ante a improcedência do pedido inicial.

Tempos atrás o Superior Tribunal de Justiça formou sua jurisprudência no sentido de que eram irrepetíveis as parcelas recebidas pelo segurado do INSS, que geralmente é pessoa de parcos recursos financeiros, a título de benefício previdenciário ou acidentário implantado por força de tutela antecipada, no caso de revogação desta, por se tratar de benefício substitutivo da renda de subsistência familiar, de caráter alimentar, e recebido de boa-fé.

Esses Julgados tinham supedâneo no que dizia o parágrafo único do art. 130, da Lei n. 8.213/1991, na sua redação original anterior à Lei n. 9.528/1997, que assim dizia:

"Art. 130. Os recursos interpostos pela Previdência Social em processo que envolvam prestações desta lei, serão recebidos exclusivamente no efeito devolutivo, cumprindo-se, desde logo, a decisão ou sentença, através de processo suplementar ou carta de sentença.

"Parágrafo único. Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos por força da liquidação condicionada."

A parte final do "caput" desse artigo e seu parágrafo único foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 675:

"Previdência Social: L. 8.213/91 (Plano de Benefícios): suspensão cautelar, em ação direta, por despacho do Presidente do STF, no curso das férias forenses, da parte final do caput do art. 130 (que determina o cumprimento imediato de decisões relativas a prestações previdenciárias, ainda que na pendência de recursos) e do seu parágrafo único que, na hipótese da reforma da decisão, exonera o beneficiário de 'restituir os valores recebidos por força da liquidação condicional': referendum, por voto de desempate, do despacho presidencial." (STF, ADI 675 MC, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/1994, DJ 20-06-1997 PP-28467 EMENT VOL-01874-01 PP-00159).

Esse art. 130 e seu parágrafo único depois foram totalmente alterados pela Lei n. 9.528/1997, passando a ter redação completamente distinta do que até então dizia, de modo que, ainda que tivesse sido considerado constitucional, não mais serve para isentar o segurado da restituição dos valores recebidos por força de tutela antecipada depois revogada.

Diante da multiplicidade de recursos interpostos pelo INSS contra as decisões que negavam a restituição dos valores recebidos pelo segurado por força de tutelas antecipadas depois revogadas, o Superior Tribunal de Justiça, com base no art. 543-C do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 11.672/2008, afetou a matéria para julgamento sob a sistemática de recursos repetitivos, acerca do Tema 692, no Recurso Especial n. 1.401.560/MT, julgado em 03.09.2014, em que, no acórdão da 1ª Seção publicado no DJe de 13.10.2015, tendo como Relator o Ministro Sérgio Kukina, definiu a seguinte tese jurídica: "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos."

Veja-se a ementa:

"PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.

"O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.

"Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a 'contrario sensu', o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava.

"Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e provido."

Abre-se um parêntese para esclarecer que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 799 de Repercussão Geral (ARE n. 722.421/MG, julgado em 19.03.2015, Relator o Ministro Presidente), afirmou que: "A questão acerca da devolução de valores recebidos em virtude de concessão de antecipação de tutela posteriormente revogada tem natureza infraconstitucional e a ela atribuem-se os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE 584.608, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/3/2009". Ou seja, a interpretação do Direito aplicável ao caso é de competência do Superior Tribunal de Justiça.

O paradigma vinculante acerca do Tema 692/STJ não estabeleceu os parâmetros para efetivar a devolução dos valores recebidos pelo segurado por força de tutela antecipada depois revogada, mas invocou o art. 115, inciso II, da Lei n. 8.213/1991, cuja redação original (portanto, anterior à Medida Provisória n. 871/2019 e à Lei n. 13.846/2019) diz que "Podem ser descontados dos benefícios: [...]; II - pagamento de benefício além do devido; [...]". Ou seja, a repetição ocorreria por meio de descontos em benefício que estivesse ativo em favor do mesmo segurado. Ao repto de que o dispositivo prevê desconto somente para o caso de pagamento de benefício em valor superior ao devido e não em caso de tutela jurisdicional revogada, o Superior Tribunal de Justiça respondeu, ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT