Acórdão Nº 0310419-77.2014.8.24.0064 do Segunda Câmara de Direito Público, 04-02-2020

Número do processo0310419-77.2014.8.24.0064
Data04 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0310419-77.2014.8.24.0064, de São José

Relator: Desembargador Cid Goulart

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONSISTENTE NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO COM CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SERVIÇO PRESTADO AO AUTOR POR ESCRITÓRIO MODELO LIGADO À FACULDADE DE DIREITO. RECURSO DO MUNICÍPIO QUE PUGNA PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO E PELA EXCLUSÃO DO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESPROVIMENTO. RECURSO DO ESTADO DE SANTA CATARINA QUE SE CINGE À EXCLUSÃO OU QUE A VERBA DE SUCUMBÊNCIA SEJA DIRECIONADA À UNIVERSIDADE E NÃO AO PATRONO DA CAUSA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO, DIREITO À PERCEPÇÃO DA VERBA, QUE É DEVIDO À UNIVERSIDADE MANTENEDORA, SALVO EXPRESSA DISPOSIÇÃO CONTRATUAL EM CONTRÁRIO. RECURSO DO MUNICÍPIO CONHECIDO E DESPROVIDO E RECURSO DO ESTADO DE SANTA CATARINA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

"'Nas ações patrocinadas pelas instituições de ensino através de seus escritórios-modelo, a esta é devida a sucumbência nas ações em que obtiver sucesso, haja vista o vínculo didático e acadêmico mantido entre mantenedora e o subscritor da peça, que atua no corpo docente da entidade, provendo recursos para esse mister' (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2009.018040-8, de Xanxerê, rel. Des. Sônia Maria Schmitz, j. 15-09-2009)" (Apelação Cível nº 2014.018986-6, de Itapiranga. Relator Desembargador Substituto Luiz Felipe Schuch, julgado em 09/11/2015).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0310419-77.2014.8.24.0064, da comarca de São José Vara da Fazenda Pública em que são Apelante(s) Estado de Santa Catarina e outro e Apelado Maria Nelza de Oliveira da Silva.

A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, conhecer e desprover o recurso do Município de São José, e, conhecer e dar parcial provimento ao recurso do Estado de Santa Catarina. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado em 04 de fevereiro de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Francisco Oliveira Neto, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz.

Florianópolis, 05 de fevereiro de 2020

Desembargador Cid Goulart

Relator


RELATÓRIO

Sentença do Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José que julgou procedente os pedidos formulados nos autos da ação de obrigação de fazer c/c pedido de antecipação de tutela consistente no fornecimento mensal de medicamentos, autuada sob n. 0310419-77.2014.8.24.0064, movida por Maria Nelza de Oliveira da Silva, em desfavor do Município de São José e do Estado de Santa Catarina, nos seguintes termos:

"À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para determinar que o Estado de Santa Catarina e Município de São José forneça a MARIA NELZA DE OLIVEIRA DA SILVA os medicamentos Gabapentina 300mg e Codeína 30mg, em quantia necessária ao tratamento indicado na prescrição médica. Ratifico a tutela de urgência concedida, bem como mantenho as contracautelas fixadas às fls. 40/42. Condeno as requeridas ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo no montante de R$ 1.000,00 (um mil reais), a teor do artigo 85, §§ 2º, 3º e 8º, do Novo Código de Processo Civil, bem como dos honorários periciais. Deixo de condenar os réus ao pagamento das custas processuais, em atenção ao que dispõe o artigo 35, "i", da Lei Complementar Estadual n. 156/97. A presente sentença não está sujeita ao duplo grau de jurisdição, haja vista que o tratamento pleiteado pela parte autora, multiplicado por 12 (doze) meses, não supera a monta de 500 (quinhentos) salários mínimos (art. 496, § 3º, II, NCPC). Sobre o assunto: TJSC, Reexame Necessário n. 0000990-65.2013.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. 31-05-2016. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se." (fls. 234-239).

O Estado de Santa Catarina, inconformado, interpôs recurso de apelação cível, requerendo a concessão do efeito suspensivo e a reforma da sentença para a exclusão dos honorários advocatícios sucumbenciais. (fls. 247-250)

Irresignado, o Município de São José interpôs recurso de apelação cível, pugnando pela reforma da decisão a quo, alegando que restou ferido o princípio da reserva do possível e o não cabimento dos honorários advocatícios em causa patrocinada por advogados vinculados às atividades de estágio de prática forense. (fls. 254-265).

Com contrarrazões da parte autora apresentadas às fls. 271-280, ascenderam os autos a esta Superior Instância para julgamento.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Doutor Durval da Silva Amorim, opinou no sentido do conhecimento dos recursos de apelação interpostos e pelo provimento parcial do recurso do Estado de Santa Catarina, apenas para registrar que os honorários sucumbenciais devem ser direcionados à Universidade mantenedora do escritório modelo que representou a parte assistida. (fls. 291-300).

É a síntese do essencial.


VOTO

Trata-se de apelação cível interposta pelo Estado de Santa Catarina e o o Município de São José em face da sentença que, nos autos da "ação de pedido de medicamento com tutela antecipada", julgou procedente os pedidos articulados na inicial e determinou que os apelantes forneçam os medicamentos Gabapentina 300 mg e Codeína 30 mg, bem como condenou-os ao ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados no montante de R$ 1.000,00 (um mil reais), a teor do artigo 85, §§ 2º, 3º e 8º, do Novo Código de Processo Civil, bem como dos honorários periciais.

Os recursos são tempestivos e merecem conhecimento e serão julgados conjuntamente.

A Magna Carta elenca a saúde como um direito social, no seu artigo 6º. É, pois, um direito de todos e dever do Estado, assegurado sob dois prismas: o preventivo, mediante adoção de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e o remediador, através do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, CRFB/88).

No parágrafo primeiro, do artigo 196, da Lei Maior, dispõe-se que o Sistema Único de Saúde - SUS será financiado com recursos de orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Quanto à interpretação deste artigo e à suposta violação ao princípio da separação dos Poderes, já restou pacificado entendimento no sentido de que todas as esferas do Poder Público estão obrigadas a sanear/amenizar os problemas de saúde da população, constituindo grave violação institucional a recusa ao atendimento de casos como o que ora se apresenta.

Não se trata apenas de disponibilizar o atendimento geral na rede pública, mas também de fornecer os medicamentos excepcionais necessários ao tratamento de qualquer indivíduo.

Neste contexto, não é razoável se argumentar que o atendimento de situação individualizada poderia ferir o princípio da igualdade ou de qualquer outro mandamento constitucional. A lei admite, perfeitamente, a aplicabilidade do direito à saúde à esfera casuística, subjetiva do paciente, e não só a utilização na seara coletiva, mediante adoção de políticas públicas globais.

Negar atendimento à pessoa nas ocasiões de confirmada necessidade importa em severa transgressão ao seu direito fundamental à saúde, prestação esta constitucionalmente atribuída ao Poder Público.

Importante salientar, que a saúde é o alicerce da vida, bem máximo, indisponível, inviolável e resguardado pela Lei Fundamental como direito essencial.

É de competência do Sistema Único de Saúde - SUS, conforme o disposto na Lei n. 8.080/90, a prestação, aos enfermos, de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica:

"Art. 6 - Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS:

I - a execução de ações:

(...)

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica."

Na sequência, o art. 7º da referida lei, preza pelos princípios da universalidade, integralidade, preservação da autonomia e igualdade:

"Art. 7 - As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde - SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no Art.198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie (...)"

Da análise dos artigos e da Lei 8.080/90, depreende-se que o fornecimento de medicamentos deve ser realizado sem restrição alguma, de forma integral. Não cabe qualquer protelatória argumentação do Poder Público em outro sentido, buscando justificar a inércia em cumprir obrigação a seu encargo, legalmente constituída.

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. SUS. LEI N. 8.080/90.

O v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal a quo decidiu a questão no âmbito infraconstitucional, notadamente à luz da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990.

O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida de paciente, deverá ser ele...

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